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O que o “Fantástico” não esclareceu sobre os alimentos orgânicos

Artigo de Eduardo Daher


por Eduardo Daher*


Programa da TV Globo mostra a venda dos chamados alimentos orgânicos – que, no entanto, recorrem aos defensivos agrícolas para garantir a produção. O uso desta tecnologia está longe de ser um problema, exatamente por ser regulamentada com todo rigor pelos órgãos de Saúde.

O programa Fantástico, da TV Globo, no último domingo, 31, exibiu reportagem na qual revelou a venda no mercado dos chamados alimentos orgânicos que utilizam, no seu cultivo, defensivos agrícolas. Tendo em vista o interesse dos telespectadores por temas relativos à alimentação e saúde e a necessidade de que estes sejam tratados com rigor, seria imprescindível também o Fantástico entrevistar especialistas nas ciências da toxicologia e da alimentação.  

Quando a maioria dos países enfrenta sérios desafios socioeconômicos, chama ainda mais a atenção aqueles que sofrem com a tragédia da desnutrição. Portanto, é fundamental entender o desafio global da produção de alimentos – e é inaceitável qualquer forma de leviandade com a fome dos outros.

Segundo a Organização Mundial para Agricultura e Alimentação, FAO, hoje são cerca de 795 milhões de pessoas em estado de desnutrição. Se for possível ter-se ideia do que isto significa, a cada dia morrem, de acordo com o órgão, cerca de 16 mil crianças com menos de cinco anos – cerca de metade são associadas à fome.

A agricultura brasileira é indicada pela FAO como a mais competitiva para contribuir na superação deste drama mundial. No entanto, o País enfrenta uma enorme dificuldade imposta por sua natureza: as características tropicais do Brasil expõem as lavouras ao ataque permanente de pragas, principalmente insetos. Ou seja, uma realidade comum no campo que, hoje, está sendo tristemente conhecida nos meios urbanos devido à proliferação do Aedes aegypti. 

Para controlar insetos e demais pragas que atacam as plantações, os agricultores recorrerem a diferentes manejos, sistemas de cultivo e tecnologias. As formas de plantio são diversas: agroecologia, biodinâmica, hidroponia e – as duas mais utilizadas – orgânica e convencional. 
A recomendação da pesquisa é o agricultor recorrer sempre ao manejo integrado das diferentes técnicas para o eficiente controle das pragas. Mas, em qualquer dos plantios, somente a defesa fitossanitária da plantação pode garantir a colheita e a oferta de alimentos à população. 

Quando a qualidade dos alimentos colhidos é colocada à prova científica, os resultados atestam que não há diferenças expressivas entre os sistemas. É a conclusão, por exemplo, da Agência de Padrões de Alimentos, vinculada ao governo da Inglaterra.  O trabalho (http://migre.me/sShMx)  analisou 162 artigos científicos publicados nos últimos 50 anos; os autores concluíram que os alimentos produzidos no sistema orgânico não apresentam benefícios nutricionais superiores aos dos alimentos cultivados com adubos e defensivos sintéticos.

A reportagem do Fantástico apontou a fraude daqueles que dizem cultivar orgânicos – e lucram, com isso, até o triplo na venda do produto –, no entanto recorreram aos defensivos químicos para garantir a produção. O grave equívoco que o programa foi propagar que, por terem sido protegidos das pragas com o uso de defensivos, esses alimentos ofereceriam riscos aos consumidores. 

A reportagem presta, assim, um desserviço aos consumidores quando não esclarece que a presença de resíduos em alimentos é regulamentada pelo Ministério da Saúde, por meio da ANVISA. Com bases científicas e padrões internacionalmente regulados, o órgão leva em conta fatores como a quantidade de resíduo químico, medida em Partes por Milhão (PPM); quando dentro desse limite, atesta que os resíduos nos alimentos são inofensivos à saúde do consumidor. Vale destacar que a ANVISA também determina os “níveis de tolerâncias de matérias estranhas” nos alimentos; são resíduos orgânicos como fragmentos de insetos e pelos de ratos (http://migre.me/sSiYX).

Portanto, todo alarde que traga receios injustificados à população deve ser rejeitado. Sejam reportagens deturpadas, como esta do Fantástico ao concluir que somente seriam saudáveis os orgânicos, ou seja explorando os problemas de saúde, em alguns com mortes, causados por alimentos orgânicos.

De fato, são pouco observados pela Imprensa os inúmeros relatos médicos sobre males e casos de morte por intoxicação bacteriana. “O grave surto de intoxicação alimentar pela Escherichia coli, na Europa em 2011, que adoeceu milhares de pessoas e levou à morte 37 delas, já ocorrera quatro anos antes, nos Estados Unidos, também com dezenas de mortes”, afirma Pedro Manique Barreto, professor de Bioquímica de Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina. 

Evidencia este fato o levantamento da OMS, segundo o qual morrem por ano, no mundo, cerca de 420 mil pessoas – um terço delas menores de cinco anos – devido a doenças transmitidas por alimentos insalubres; as doenças diarreicas são causadas, basicamente, por norovírus, campilobactérias, salmonela entérica não tifóides e Escherichia coli.

A própria definição de “alimento orgânico” para distinguir um nicho de mercado é inadequada, pois não existe “alimento inorgânico”. O número de produtores no sistema orgânico – em sua grande maioria em frutas e hortaliças – ainda é irrisório diante da necessidade da população. Por exemplo, no estado de São Paulo, maior mercado do país, são apenas 3,8% do total de olericultores (Perfil e Necessidades da Olericultura Paulista, SEBRAE e IBRAHORT, 2012). 

De acordo com o estudo do SEBRAE, as perdas no cultivo de frutas e hortaliças, independente do sistema de cultivo, são elevadas: atingem, em média, 18% da produção – sendo que 41% das perdas prejudicam 10% dos agricultores e 20% causam prejuízos à metade dos olericultores no Estado. Os principais motivos das perdas: 42% são fatores climáticos e 44,5% por ataques de pragas.

Portanto, se há a farsa de explorar o nicho orgânico com alimentos que, na verdade, precisaram da tecnologia para a defesa contra a praga,  outra fraude cometida por parte das associações desses produtores é da mesma forma grave: a estratégia em que, para aumentar suas vendas, adota o “marketing do terror” ao afirmar que seu alimento “é mais saudável” por não conter agrotóxico. 

Lamentavelmente, o Fantástico reforçou este apelo de venda sensacionalista e falso, espalhando receios entre seus telespectadores e a população. Dessa forma penaliza os agricultores como um todo; aqueles cujo ingente e, muitas vezes, penoso trabalho no campo resulta nos alimentos nas mesas dos brasileiros – inclusive daqueles que absurdamente os detratam.

*Eduardo Daher é diretor executivo da Associação Nacional de Defesa Vegetal, Andef

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