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Ética na agricultura


Gilberto R. Cunha
Suprir a necessidade de alimentos (quantidade e qualidade) para seis bilhões de criaturas humanas (quiçá nove bilhões nos próximos 50 anos, conforme projeções), por mais nobre que isso possa ser, diferentemente do que muita gente pensa, não isenta a atividade agrícola de compromissos éticos. Tampouco dispensa esse segmento de se orientar por uma premissa básica da sociedade democrática moderna: a negociação política. E é por envolver escolhas que podem afetar a capacidade produtiva dos ecossistemas para as gerações futuras, que os debates sobre agricultura deveriam ser conduzidos de forma menos passional (mesmo havendo quem diga que sem tesão não há solução) e com maior embasamento ético.

A ética lida com as escolhas individuais (uso da liberdade). E cada um de nós, independentemente das definições acadêmicas de ética, tem seus próprios referenciais sobre o que julga ético ou não. Há quem se considere satisfeito apenas por atuar de acordo com a lei. Outros em seguir orientações de crenças religiosas ou obedecer determinados padrões culturais. Havendo ainda os que imaginam ter idéias próprias sobre o assunto, e isso basta. Melhor que seguir idéias, conceitos ou modelos fixos, talvez seja refletir sobre as implicações das nossas ações (escolhas) sobre a sociedade. Reexaminar nossas crenças e valores e, quem sabe, reconsiderar nossas escolhas a partir de uma perspectiva nova. Temos de ter presente que os valores de uma sociedade não são imutáveis. Estão aí para demonstrar: escravidão (já foi aceita no passado), eutanásia (muitas sociedades já começam a pensar diferente, mesmo não a aceitando), pena de morte (aceita em alguns países democráticos, caso dos Estados Unidos, e em outros não), etc. E a perspectiva nova (ou nem tanto assim) em agricultura parece ser a substituição (ou transição) do modelo de produtividade a qualquer custo, a ética ocidental do utilitarismo, para o modelo de sustentabilidade.
 O produtor rural não é o único que faz escolhas em agricultura e que, portanto, deveria se preocupar com considerações éticas. Tem muito mais gente: autoridades governamentais, legisladores, cientistas agrícolas, extensionistas rurais, empresários do agronegócio, ambientalistas e, por último, os consumidores. E cada um desses atores tem, quase sempre, uma forte rejeição em reexaminar (ou refletir) sobre suas escolhas, particularmente quando questionados por quem tem uma visão de agricultura diferente do paradigma dominante.
Quando se trata da introdução de uma nova tecnologia em agricultura, considerações de ordem ética não podem ser deixadas de lado. Uma nova tecnologia pode ter conseqüências inaceitáveis. E é aí que a ética do utilitarismo (julgando ações e resultados apenas sobre a perspectiva dos seres humanos) tem falhado em ouvir e entender outras posições. O valor da produção tem sido usado como escudo para rebater posicionamentos e opiniões divergentes do pensamento dominante. A agricultura não é apenas uma mera substituição de um ecossistema natural por campos cultivados. Há custos no processo: perda de biodiversidade, poluição de águas, erosão de solos, etc. E minimizar esses custos deveria ser uma prioridade dos atores que estão envolvidos com a produção agrícola no mundo.

 Agricultura e desenvolvimento são possíveis, desde que não se perca de vista uma dimensão mais ampla de sustentabilidade (social, política, ecológica e econômica). A ética dos cientistas agrícolas, por exemplo, deve ir além do mero debate OGMs X não-OGMs. Há a responsabilidade com a exploração econômica e social das novas tecnologias. Deve existir a consciência que o desenvolvimento tecnológico pode resultar em vencedores e perdedores. Os desafios (e os questionamentos também) para as novas tecnologias agropecuárias são muitos. O custo ambiental da produção de alimentos tem que ser minimizado. As exigências dos consumidores (uso de pesticidas e qualidade dos alimentos, por exemplo) tendem a aumentar. Além de, nos países em desenvolvimento (pobres), haver a necessidade de superação dos obstáculos dos subsídios à produção praticados pelos ricos, e da sua justa reclamação dos direitos sobre propriedade intelectual em agricultura.
Para quem não entendeu a necessidade da ética na agricultura, parafraseio Rachel Carson (sem tradução): “It’s about sustainability, stupid!”

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