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MT não pode depender do agronegócio

Entrevista com o candidato ao governo do Estado



Candidato do Psol aponta risco de se apostar apenas no campo, relativiza as invasões de terra e diz que adversários copiaram proposta para Saúde

O Diário encerrou no domingo ( 31/08) a série de entrevistas com os candidatos ao governo do Estado. O entrevistado é o advogado José Roberto de Freitas Cavalcante, filiado ao Psol desde 2007 e também militante na luta pela terra.

Na entrevista, ele destaca que a economia de Mato Grosso não pode depender apenas do agronegócio, diz que o governo nunca realizou uma política decente de reforma agrária por ter financiadores de campanha ligados ao agronegócio e considera as invasões como uma resposta da população que se cansou de esperar uma ação por parte do Estado.

José Roberto destaca ainda que candidatos estão copiando a proposta do Psol sobre a construção do hospital estadual, apresentada pelo partido ainda na eleição de 2006. E considera a implantação das organizações sociais de saúde em Mato Grosso foi apenas uma fonte para a corrupção. “Isto foi só uma porta de entrada de corrupção. O interesse dos governantes não era resolver o problema da Saúde, era faturar em cima do governo”.

Roberto discorda das pesquisas e ainda acredita que o momento político é favorável ao Psol, devido à insatisfação da população com relação aos atuais governos. Ele diz que a gestão petista é ruim e o povo já mostrou como está descontente com o governo estadual.

Diário - Qual vai ser a relação do seu governo com o agronegócio, que responde por mais de 70% do PIB de Mato Grosso?

José Roberto - O agronegócio é responsável pela economia do Estado, mas nós verificamos que temos de ter uma política de superação do agronegócio. Porque a economia gira em ciclo. O agronegócio foi e é importante. Tirou Mato Grosso do ostracismo. Só que um Estado não pode centralizar a economia em um só setor porque fragiliza a economia e a própria governabilidade. Porque o agronegócio depende de outros fatores, depende do clima. Se há um colapso no agronegócio, ficaremos todos em maus bocados, criando uma situação de estagnação. Você tem de diversificar. Não é um ataque direito ao agronegócio ou falar que somos contra o agronegócio, mas é uma prática que tem de ser superada. É preciso fazer a verticalização da produção. Fazer a industrialização de uma parcela desta produção, que é para exportação. Com isso, você fortalece a economia. E, com uma economia forte, você tem como brigar para atração de outras indústrias. Indústrias de produção de máquinas e até de automóveis.

Diário - Qual é a posição do senhor sobre as ocupações de terras por parte de movimentos como o MST?

José Roberto - O nosso problema se chama reforma agrária. O Brasil nunca fez uma reforma agrária decente. Por isso, existe uma pressão por parte da luta pela terra. As terras estão concentradas nas mãos de poucas pessoas e não se avança. As políticas do governo são muito tímidas neste setor. Temos exemplo como no Chile, onde foi feita a reforma agrária que tirou o país de uma situação econômica desfavorável. O IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) avançou e hoje o Chile é um país que serve de referência.

Diário - O que precisa para que a reforma agrária ocorra no Brasil?

José Roberto - Falta vontade política. Hoje os grandes proprietários de terras são financiadores destas campanhas milionárias e o governo vem sendo complacente. No caso do Psol, não temos grandes empreiteiras, grandes financiadores. A nossa aliança é com o povo. Chegando ao poder, temos condições de realmente fazer este reforma agrária. Ela é necessária. É grande a quantidade de pessoas que morrem nesta luta. Muitas lideranças morrem nestes conflitos.

Diário - Qual a proposta do Psol para conseguir a paz no campo?

José Roberto - O que falta é fazer justamente esta reforma agrária para tirar esta tensão do campo. Enquanto o governo não der esta resposta à população, o problema vai continuar.

Diário - Mas o senhor considera legítimas as invasões de terra?

José Roberto - A população se mobiliza para lutar se o governo não cria condições e não faz o trabalho dele. A população vai procurar uma via para resolver seus problemas, seja no campo, seja na cidade. Independente de sermos favoráveis ou não, ele vai continuar a acontecer se o governo não fizer a reforma agrária. Somos favoráveis a esta luta, que é legítima por parte da população.

Diário - O senhor pretende acabar com Lei Kandir?

José Roberto - A Lei Kandir é uma pauta que deve ser resolvida no Congresso Nacional, mas entendemos que prejudica muito o Estado. Se tivéssemos um Estado com uma economia diversificada, ela não teria um impacto tão alto. Agora precisa se discutir esta pauta no Congresso, que precisa dar uma atenção para Mato Grosso e para todos estados que têm a economia pautada no agronegócio, e dar uma resposta rápida à sociedade, porque você deixa de arrecadar milhões e milhões. Tem de se mexer na Lei Kandir para que o Estado possa tributar [as commodities]. Se você tem uma produção, ela precisa de uma tributação em cima. Porque é isto que é a Lei Kandir: você não pode tributar os produtos que vão para fora e a maioria da nossa produção é exportada. O Estado fica numa situação complicada. A Lei Kandir precisa ser revista porque deixamos de arrecadar recursos que poderiam ser aplicados nos serviços públicos.

Diário - A Saúde tem sido o principal assunto da campanha. Quais suas propostas para área da Saúde?

José Roberto - É notório! A saúde é o principal problema do Estado. As pessoas amontoadas nos corredores, morrendo na fila dos hospitais por falta de médicos, medicamentos ou equipamentos. Qualquer governador que for fazer frente à administração do Estado não tem como não elencar como prioridade. Com o Psol não é diferente. E temos de atacar prioritariamente. Se verificar como a Saúde é gerida em Mato Grosso, principalmente na Grande Cuiabá, percebe-se que o Estado não tem participado, é mais restrita na questão do município. Você tem um problema que é estadual. Como o Estado não faz parte deste enfrentamento? Uma das nossas propostas que, aliás, o Psol já defende desde 2006 - agora todo mundo tenta trazer para si como se fosse autor da proposta -, é a construção de um novo hospital estadual. Temos uma carência de leitos, mas o hospital tem de ser construído para atender à demanda. A questão do custo, em termos de valores, não temos de pronto. Mas existe a necessidade e recursos existem. Construímos uma Arena, gastamos milhões em tempo recorde e quem paga é a população. Quando se quer, faz. Recursos existem. O Estado não pode ser omisso. Eu sou usuário do SUS e se você precisa de uma consulta com especialista é um ano ou mais. As pessoas morrem aguardando atendimento. Bom, uma das propostas é a construção de um hospital estadual.

Diário – O que o senhor pensa a respeito das OSSs [organizações sociais de Saúde]?

José Roberto - No interior, o atendimento à Saúde é pior que na capital e piorou ainda mais com a instalação das OSSs. O governo já vinha com grande problema na mão e buscou uma saída que já sabia que não funcionaria. Isto foi só uma porta de entrada de corrupção. O interesse dos governantes não era resolver o problema da Saúde, era faturar em cima do governo. Este sistema não dá certo porque saúde pública e privada têm diferença muito grande. Têm especificidades diferentes. A privada trabalha com o lucro. Acabaríamos imediatamente com essas OSSs e faríamos a reversão dos serviços para o comando do Estado.

Diário – O programa Mais Médicos é uma boa alternativa?

José Roberto – O Mais Médicos é uma política do governo federal criada para atender as comunidades mais isoladas. Não importa de onde vêm os médicos. É preciso ter o médico. O Estado não está conseguindo colocar os profissionais, portanto não temos como desprezar um programa como o Mais Médicos. Mas isto é uma medida paliativa. Precisamos de um programa dentro Estado para levar esses médicos para as áreas mais longínquas, criar uma carreira que seja de dedicação exclusiva. Com esta situação da Saúde, criou-se uma rede nociva para a população, onde parlamentares e prefeitos criaram uma rede de clientelismo com casas de apoio. Trazem as pessoas do interior numa ambulância à capital para fazer um exame simples. Atendimento de baixas e médias complexidades deve ser feito no interior.

Diário - E as propostas para a segurança?

José Roberto - No artigo 144 da Constituição você verá quais são as forças que fazem frente à chamada segurança pública, mas é sabido que segurança não se faz só com polícia, faz com serviços nas áreas sociais, de qualidade para trabalhar com políticas públicas em conjunto com as forças. Isto quase inexiste. Na questão das drogas, você tem que fazer o combate, o enfrentamento às pessoas que fazem o comércio. Isso se faz através de inteligência, tecnologia e da presença ostensiva da polícia. O Estado precisa ter uma presença forte. Mas por outro lado você tem o usuário, que precisa dos serviços públicos. O Estado não participa. A maior parte das comunidades terapêuticas é ligada à Igreja ou é privada. Na questão da fronteira tem a Força Nacional e a Polícia Federal, mas o Estado vai até a fronteira, portanto tem de participar também. Não consegue resolver sozinho, mas não pode ser omisso.

Diário - Qual avaliação que o senhor faz sobre os governos Silval e Dilma?

José Roberto - Entendemos que quem tem de fazer esta avaliação é a população. Porém, nós sabemos que a população no estado de Mato Grosso é de uma insatisfação muito grande com o governo atual. Tanto é, que o governador não se lançou a nenhum cargo. O PT vem sendo engolido em Mato Grosso por essas lideranças que surgem e o partido vem fazendo trocas por interesse de grupos. O PT entrou neste engodo e a luta deles não vem avançando. Com relação ao governo federal, os governos anteriores eram muito ruins. Mas o governo do PT também é ruim. Houve avanços? Só se pensarmos por este prisma: de que era muito ruim e hoje é apenas ruim.

Diário - O senhor está em quarto lugar nas pesquisas, com poucas chances de ir ao segundo turno. O senhor espera chegar a que patamar de votos?

José Roberto - Entendemos que a população quer mudança. Então, nossas expectativas são as melhores. A população pede por mudança e nós somos esta mudança. Não dá pra fazer uma estimativa de votos, mas temos tudo para nos sagrarmos vencedores neste processo. Acreditamos que a atual conjuntura política é muito favorável ao Psol.

Diário - O Psol se dará por satisfeito nesta eleição se conseguir eleger Procurador Mauro como deputado federal?

José Roberto - Não é uma questão de prioridade. Procurador Mauro vem tendo esta densidade eleitoral e as pessoas vêm se identificando com sua luta e com seus projetos e propostas e forma de pensar a sociedade mato-grossense. Mas de forma nenhuma vamos priorizar como uma candidatura única. Ele vem somando conosco e com as demais candidaturas. Nosso candidato ao Senado representa a classe trabalhadora que luta contra os barões da política. Nossa luta não é centrada em uma figura só.

Diário - O Psol é um partido que não faz aliança. Como seria a relação do senhor com a Assembleia?

José Roberto - Vivemos num país em que os Poderes são independentes, embora tenham de ser harmônicos entre si. Porém, o que ocorre é que em nome desta governabilidade faz-se um atrelamento entre o Executivo e o Legislativo como se fosse um governo só. São práticas adotadas por estes governos, mas a população já sinalizou que isto tem prejudicado muito o povo. E ele não quer mais esta prática. Se pensar que tanto a AL quanto o Executivo servem ao povo, portanto, as medidas políticas que se tomam não devem ser para beneficiar o governo, devem ser de interesse do povo. Queremos trazer o povo para governar junto, através de instrumentos que não se utilizam. As audiências públicas já são formatadas dentro dos gabinetes.

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