CI

“O agronegócio tem medo da Marina. Eu não”

Entrevista com ex-ministro Roberto Rodrigues



O ex-ministro Roberto Rodrigues acredita que a candidata do PSB manterá os compromissos assumidos por Eduardo Campos e pede mudanças da política agrícola no Brasil

A espiral ascendente da agricultura no Brasil, embora consistente, não é infinita. Sinais de problemas começam a se formar no horizonte. Por um lado, o preço das commodities agrícolas está em queda. Por outro, permanecem bem apertados os nós que, há tempos, sufocam o produtor — a infraestrutura, por exemplo.

Por isso, um grupo de técnicos, com o aval de 40 entidades do setor, preparou um plano estratégico para a agricultura do país. O trabalho foi apresentado aos candidatos à Presidência e contém um conjunto de propostas para o período entre 2015 e 2022. A preparação do estudo foi liderada pelo engenheiro agrônomo Roberto Rodrigues, cujas credenciais no campo são para lá de notórias. Há 50 anos, ele milita na área agrícola.

Professor, ex-ministro no governo Lula, diretor do Centro de Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e presidente do conselho da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Única), Rodrigues considera que o maior entrave da agricultura é a ausência de uma estratégia. “Desde o fim dos anos 70, avançamos aos trancos e barrancos. É isso o que precisa mudar.” Mas há outros. Muitos outros. A seguir, trechos da entrevista concedida a NEGÓCIOS.

Vocês fizeram um plano para a agricultura e o apresentaram aos candidatos à Presidência. Como eles receberam o documento?

Há 50 anos eu trabalho no setor. Em todas as eleições, nós nos mobilizamos para apresentar ideias para os candidatos. Algumas vezes fomos recebidos, mas, em geral, nunca deram a menor satisfação para nós. Este ano, aconteceu uma coisa curiosa. Os três principais candidatos [Dilma Rousseff, Aécio Neves e, à época, Eduardo Campos] nos procuraram pedindo planos.

Um bom sinal.

Foi alentador. Eu sempre digo que o agronegócio brasileiro caminha aos trancos e barrancos. A última estratégia realmente completa para o setor foi desenvolvida pelo Geisel [ex-presidente Ernesto Geisel, 1974-1979] há mais 40 anos, com o Alysson Paulinelli, então ministro da Agricultura. Foi daí que veio a Embrapa, por exemplo. Essa estrutura foi criada em cinco anos e, tudo o que temos hoje, é ainda resíduo daquele período. É impressionante.

Por que os produtores foram procurados pelos candidatos?

A agricultura é um setor que responde por 23% do PIB, 30% dos empregos, 45% do valor das exportações e mais de 90% do saldo da balança comercial. Acho que a mídia repetiu tanto esses números que a economia rural ganhou um espaço que antes não tinha. O agricultor já não é visto como uma figura de segunda classe.

Como foi o contato com os candidatos?

Eu criei um grupo de técnicos de altíssimo nível, todos bastante experimentados. Esse grupo fez um trabalho baseado em cinco princípios centrais: sustentabilidade, competitividade, orientação a mercados, segurança jurídica e governança. No início de agosto, a Abag [Associação Brasileira do Agronegócio] elaborou um conjunto de perguntas para serem respondidas pelos candidatos no congresso da entidade. Infelizmente, o único que respondeu, e por vídeo, foi o Aécio Neves. O Eduardo Campos mandou um representante [Maurício Rands, coordenador do plano de governo] para o evento que, aliás, se saiu muito bem. A presidente Dilma Rousseff enviou o vice Michel Temer. Mas ele fez um discurso muito mais de prestação de contas e não se ateve às perguntas colocadas.

Esse cenário mudou bastante. Agora, Marina Silva é a candidata pelo PSB.

Sim, mas a Marina tem dito, reiteradamente, que vai manter os compromissos de Eduardo Campos. Ela tem crenças e valores muito consolidados. Alguns dos quais poderiam colidir com interesses legítimos do agronegócio, como o problema da ampliação da terra de índios. Por outro lado, ela é uma legalista. Quando éramos ministros, tivemos alguns embates. Discutimos sobre temas como a legislação de biossegurança [transgênicos]. Nós discutimos, mas nunca nos detratamos. Ela tinha as posições dela. Eu as minhas. A lei saiu e é a mais moderna do mundo.

Mas como o agronegócio a vê a candidata Marina?
O agronegócio tem medo da Marina. Eu não. Acho que ela é muito inteligente. Então, dialoga e sempre busca o consenso.

Quais os principais problemas da agricultura brasileira hoje?

Temos muitos desafios. O preço das commodities agrícolas está derretendo. Os Estados Unidos tiveram uma supersafra e isso está jogando a cotação dos produtos para baixo. A rentabilidade do agricultor em 2015 será menor do que tem sido nos últimos anos e, em 2016, o cenário deve piorar. Daí a importância de resolvermos alguns problemas. Acho que existem alguns temas, no mínimo, essenciais para tratarmos. O primeiro deles é a política de renda.

O que os agricultores reivindicam nesse caso?

Temos de ter uma política de renda, um seguro rural efetivo. Todos os países sérios têm isso. A agricultura é uma atividade a céu aberto, com riscos adicionais aos de mercado. No Brasil, fizemos uma lei em 2003 sobre esse tema, mas já se passaram onze anos e nada avançou. Hoje, o seguro só cobre 10% da área agrícola nacional e, assim mesmo, porque São Paulo tem um programa razoável para pequenos agricultores. O orçamento federal deste ano para esse tipo de política é o mesmo do ano passado. Portanto, ele diminuiu, pois houve inflação no período. O governo não olha para isso com o necessário carinho.

O que mais?

Outro tema é política comercial. Somos, na área internacional, muito dependentes da OMC, cujos impasses não se resolvem. Nós deveríamos buscar alternativas, como os acordos bilaterais. Hoje, 40% do comércio mundial de alimentos é feito por meio de acordos bilaterais. O Brasil não tem nenhum acordo desse tipo. Nenhum. Estamos pendurados no Mercosul, sendo que o nosso vizinho mais importante, a Argentina, não quer fazer acordo com ninguém. Isso porque não tem condições de competir. Nós queremos avançar, mas a Argentina não quer. O Mercosul se transformou em um entrave.

Qual outro tema importante?

A governança. Não adianta eu saber que a construção de determinada rodovia é importante, porque ela vai escoar produtos, máquinas, insumos. Isso porque, vem um político, e diz o contrário. Não dá. O Ministério dos Transportes tem de estar junto com o da Agricultura nessas decisões.

Daí a importância do fortalecimento do Ministério da Agricultura, uma antiga reivindicação das lideranças agrícolas?

Eu acho que o mais importante é a visão do chefe de Estado. Se o presidente da República não enxergar isso, não adianta. Eu cheguei ao Ministério da Agricultura com a ideia de que, em seis meses, seria o maior ministro da história do Brasil. Não foi assim. Você tem de lidar com visões e interesses muito diferentes. Isso dá trabalho. Na verdade, eu fiz, no máximo, um terço do que pretendia.

Qual a maior barreira?

Justamente a falta de um plano estratégico no qual você se insira, mesmo que dentro de alguns limites. Não existe isso. Além do mais, fui vítima da maior seca em 50 anos. Os preços dos produtos agrícolas também caíram, enquanto os custos aumentavam. Tivemos a aftosa no Mato Grosso do Sul e a gripe aviária no mundo. Precisei de apoio financeiro e não tive. A visão do governo não foi suficiente para isso. Por isso, estamos propondo uma ação estratégia, algo que resolva as questões conjunturais. Não podemos ficar apagando incêndios o tempo todo.

Ainda tem a infraestrutura.
A OCDE fez um trabalho no fim de 2011. Ela mostrou que, até 2020, a oferta mundial de alimentos tem de crescer 20%. A Europa vai contribuir com 4%, os Estados Unidos com 15%, a Oceania 17%, a Índia, China, Rússia e Ucrânia com entre 25% e 28%. O Brasil vai entrar com 40%. Isso é fantástico, mas com a logística e a infraestrutura no estado atual não vamos chegar lá. É bem verdade que o governo mexeu nas regras das concessões, finalmente compreendendo que o lucro é fundamental nesse processo. Algumas coisas estão avançando. Mas é preciso ter pressa.

A tecnologia também é um problema?

Agora, não. Temos a melhor tecnologia tropical do mundo. Fizemos uma coisa espetacular. Em 20 anos, a área plantada cresceu 40%, enquanto a produção avançou 220%.

A soja está chegando a um limite de produtividade?

Mas tem o milho, o trigo. Existe muito espaço. O problema da tecnologia é que ela também tem de estar acoplada a uma estratégia. Por exemplo, a questão da defesa sanitária. Esse é um gargalo. Existe o risco de febre aftosa no Brasil. Mas alguém diz: “É por causa do Paraguai, da Bolívia”. Ora, não interessa. Então, vamos vacinar o gado nesses países também. O problema é na Venezuela? Vamos lá. Esse é o papel do Brasil. O México acabou com a aftosa em 1948. Fez isso com o apoio americano. Por quê? Interessava aos Estados Unidos. Nós temos de fazer a mesma coisa. Isso é ter visão estratégica.

A Embrapa perdeu o fôlego?

Não é bem assim. A Embrapa tem um problema sério. Ela compete com gigantes internacionais que têm muito mais dinheiro. Elas vendem a semente, mas também o adubo, o defensivo, oferecem o crédito. Enfim, não dá para a Embrapa competir.

O que pode ser feito nesse caso?

Quem vende tudo no Brasil? São as cooperativas. Hoje, 40% da produção brasileira está nas mãos de cooperativas. Então, seria possível fazer um grande convênio com as cooperativas. A Embrapa entraria com a semente e as cooperativas com o resto. Assim, ela estaria bem encaixada na cadeia produtiva. Na verdade, não acho que tecnologia seja um problema emergencial, mas tem de ser cuidado. O que não pode, evidentemente, é misturar política ideológica com ciência. Isso não. Acho que a questão da agroenergia, por exemplo, é muito mais importante no momento.

É crítica a situação desse setor.

O que está acontecendo não tem cabimento. O etanol emite 11% do CO2 liberado pela gasolina. Ele oferece grandes vantagens em relação ao clima e à saúde pública. Mas tem menor poder energético do que a gasolina. Por isso, existia um imposto, a Cide, para compensar essa diferença. A presidente Dilma zerou a Cide. Para combater a inflação, está quebrando a Petrobras, a Eletrobras e a agronenergia. O que é o mais grave? Hoje, a agronenergia, com cogeração, etanol, biodiesel, tudo somado, representa 16% da matriz energética brasileira. Isso é mais do que a hidrelétrica, que tem 15%. Só o petróleo é maior do que a agroenergia. Tem outra coisa: eu não quero exportar etanol. Quero exportar o know how do setor: a usina, a legislação, as estações experimentais de cana-de-açúcar. Nós deveríamos exportar o modelo. O mundo inteirinho admira isso.

Assine a nossa newsletter e receba nossas notícias e informações direto no seu email

Usamos cookies para armazenar informações sobre como você usa o site para tornar sua experiência personalizada. Leia os nossos Termos de Uso e a Privacidade.