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Camponeses do Paraguai resistem ao domínio da soja com cultivo tradicional

Aposta na agricultura ecológica


Luz Bella (Paraguai), 16 abr (EFE).- A comunidade camponesa de Luz Bella, no centro do Paraguai, resiste com sua aposta na agricultura ecológica, em plena fronteira com "o mar de soja" dos grandes latifúndios, que se apoderam cada vez mais das terras e utilizam herbicidas perigosos para a saúde, segundo denunciam.

O cultivo de soja invadiu o departamento de San Pedro no final da década de 1980, e vinha com a promessa de produzir dinheiro fácil, contou à Agência Efe José Domingo Franco, presidente da Associação Camponesa de Produtores Alternativos e Ecológicos de Luz Bella.

Os produtores de soja começaram a arrancar as árvores para deixar solo livre para maquinaria necessária para trabalhar nas grandes extensões de terra, declarou Franco.

Ao desmatamento se somaram rapidamente os produtos químicos que eram levados ao local para fertilizar o solo, combater as pragas e secar as plantas para que pudessem ser colhidas.

O Paraguai, quarto exportador mundial de soja, quintuplicou entre 2009 e 2013 a quantidade de agroquímicos importados para os cultivos, chegando a adquirir 43,8 milhões de quilos destes produtos em 2013, segundo dados da organização Base de Investigações Sociais.

Alguns agroquímicos, como o herbicida glifosato, produzido pela multinacional agrícola Monsanto, foram qualificados na semana passada como "provável cancerígeno para os humanos", segundo a Agência Internacional para a Pesquisa sobre o Câncer (IARC).

Depois que foi generalizado o uso destes produtos nas plantações de soja da região, os moradores de Luz Bella começaram a desenvolver problemas de saúde, como transtornos respiratórios.

O contato com estas substâncias também gera alergias na pele, constatou Nilda Gauto, uma agricultora de Luz Bella que vive à beira de um grande campo de monoculturas onde há uma alternância na plantação de soja e milho transgênico.

"Cada vez que fumegam, mando meus filhos ficarem dentro de casa e fecho portas e janelas. Me dá medo deixá-los sair e que sejam envenenados", relatou.

Gauto disse que a empresa que avançou até quase a porta de sua casa é obrigada por lei a dispor de uma barreira viva de proteção formada por árvores que mitiguem as consequências das fumigações, mas não cumpriu com esta obrigação.

Apesar do assédio das grandes plantações, a camponesa assegurou que quer se manter em seu terreno junto com sua família.

"Aqui podemos produzir o necessário para nos abastecer, e também podemos vender uma parte de nossa produção. Mas se vendermos nossa terra aos sojeiros, ficaremos sem nada", explicou.

Franco concorda com ela, e garante que muitos de seus vizinhos começaram a plantar soja, mas o cultivo em pequenas extensões não deu bons rendimentos, e terminaram contraindo dívidas e vendendo suas terras às grandes empresas.

"Os plantadores de soja ganham pouco para se instalarem no subúrbio da cidade, em condições precárias. Muitas vezes não conseguem emprego e, quando acaba o dinheiro, ficam na rua. A soja é pão para hoje, e fome para amanhã", sentenciou.

Organizações camponesas estimam que, nos últimos dez anos, 900 mil camponeses foram deslocados de suas terras no Paraguai pela expansão dos cultivos de soja de grandes latifundiários.

Perante o avanço desta agricultura extensiva destinada à exportação, os moradores de Luz Bella decidiram se organizar para resistir, fiéis a um modelo de produção ecológico, que renuncie aos químicos para preservar a saúde das pessoas e do ambiente.

"Convivemos agora com a praga dos gafanhotos, plantamos ervas com um forte cheiro que serve como repulsivo, e não avançam para os nossos cultivos. Mas se usarmos inseticidas, comeremos inseticidas", ilustrou Franco.

Como fertilizantes, ao invés de químicos, alguns produtores criam compostos a base de seus próprios dejetos, como mostrou Mario Benítez, outro produtor da zona.

Benítez lamentou a compensação entre ceder perante a soja ou resistir com cultivos ecológicos que seus vizinhos têm que enfrentar.

"A soja cria brigas, mas nossa luta comum é não deixá-la passar. Ainda podemos enfrentá-los. É perigoso, mas no meio do perigo, temos que lutar", concluiu. EFE

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