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Gestão gaúcha fortalece posição do porto de Estrela

A gestão do porto de Estrela foi repassada para a SPH gaúcha


Apesar de contar com uma hidrovia de fazer inveja às outras regiões brasileiras, o transporte fluvial no Rio Grande do Sul ainda fica aquém do seu pleno potencial. Um empreendimento que comprova esse cenário é o porto de Estrela, que já chegou a movimentar mais de 1 milhão de toneladas na década de 1980 e atualmente reduziu drasticamente os volumes transportados. A esperança é de que agora, sob a administração mais próxima do governo estadual (que assumiu a responsabilidade que antes era da União), o complexo volte a ter números mais expressivos.

A gestão do porto de Estrela foi repassada para a Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) gaúcha em agosto. Na ocasião, o governador Tarso Genro salientou a importância do acordo: “a partir de agora, vamos criar todas as condições para que haja operação de cargas no porto de Estrela”, afirmou. Entretanto, se o governo quiser reanimar o terminal de Estrela, é necessário despertar o interesse em empresas geradoras de carga.

Nos últimos anos, o empreendimento vem registrando demandas baixas e inconstantes.Segundo dados da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), de janeiro a junho deste ano, o terminal movimentou 2,38 mil toneladas (fertilizantes e adubo). No ano passado, foram transportadas 53,3 mil toneladas (farelo de soja, fertilizantes, adubo, soja e trigo). Em 2012, foram 7,2 mil toneladas (fertilizantes e adubo) e em 2011 alcançou-se 58,6 mil toneladas (farelo de soja, fertilizantes, adubo, soja e trigo). A expectativa do governo gaúcho é de que grupos como a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) e a Companhia Estadual de Silos e Armazéns (Cesa) aproveitem melhor a estrutura do porto, criando um fluxo maior e mais duradouro de cargas.

O diretor de portos da SPH, Paulo Astrana, argumenta que incorporar a gestão de Estrela tratava-se de uma questão estratégica para o Estado. “Com isso, a SPH passa a administrar (com exceção de Rio Grande, que é de responsabilidade de outra autarquia estadual, a Suprg) todos os portos que têm movimento dentro do Rio Grande do Sul.” Para o dirigente, esse controle permite um melhor desenvolvimento do setor logístico regional, mas salienta que é preciso trabalhar para atrair mais cargas para o porto do Vale do Taquari. Astrana acredita que houve desinteresse, por parte da administração anterior, em desenvolver parcerias para promover o transporte.

Para provar que é possível recuperar o complexo, ele cita o exemplo de Pelotas, que deverá, em breve, movimentar madeira, através da CMPC Celulose Riograndense, e pescado, pela Oxnaval. Entre os potenciais itens que poderão ser transportados em Estrela, Astrana cita grãos, fumo e fertilizantes. Sobre a capacidade de aporte de recursos do governo estadual, o diretor adianta que, mesmo com a SPH absorvendo a gestão do porto, ainda será uma meta firmar convênios com a União para conquistar investimentos.

O diretor de hidrovias da SPH, Pedro Obelar, concorda que a pasta precisa contar com o mesmo aporte de recursos financeiros que a Administração das Hidrovias do Sul (AHSUL) - entidade vinculada à União, que era responsável pelo porto - recebia do governo federal. “Dessa forma, podemos aplicar o conhecimento que temos administrando os portos de Porto Alegre e Pelotas”, sustenta Obelar. Ele revela que as dificuldades enfrentadas no rio Taquari têm origens históricas. O planejamento inicial previa que o porto fosse construído mais ao Sul, no município de Taquari.

Porém, como era época do regime militar e o presidente Ernesto Geisel tinha parentes em Estrela, esse fato teria colaborado para levar o empreendimento para lá. O diretor de hidrovia ressalta que as condições de navegação pioram entre Taquari e Estrela, trecho que necessita de mais manutenção. Além disso, o local do terminal apresenta uma grande variação de nível de água. Para Obelar, o aconselhável seria implantar um cais oscilante, móvel, e não o fixo que foi instalado no porto. O outro modelo permitiria a operação durante o ano todo.
Administração dos rios sofre com a justaposição de órgãos de comando

Para um sistema hidroviário funcionar adequadamente é necessário que as empresas de navegação e as que geram as cargas estejam entrosadas. No Rio Grande do Sul, União e Estado compartilham a responsabilidade das diferentes vias navegáveis e, muitas vezes, a divisão das funções não é tão clara. Um exemplo dessas diferenças é a administração da navegação entre Porto Alegre e Estrela, envolvendo os trajetos dos rios Jacuí e Taquari.

Conforme Pedro Obelar, legalmente, o trecho é de incumbência da autarquia estadual e, apesar de a AHSUL fazer atualmente a dragagem do Taquari, não há instrumento legal dando o encargo a essa instituição, pois se trata de um rio estadual, que nasce e desagua dentro do território gaúcho.

“Para mim, existe uma sobreposição de competências”, afirma Obelar. Mesmo com a SPH mais próxima da realidade local e cuidando de cerca de 70% das vias navegáveis do Estado, o repasse de recursos federais continua sendo considerado fundamental para a manutenção das hidrovias gaúchas.

No caso do rio Jacuí, o dirigente da SPH adianta que é preciso fazer uma dragagem da ordem de cerca de 600 mil m3. A autarquia já está discutindo com a AHSUL e com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) medidas necessárias para viabilizar a contratação desse serviço.

Conforme o site da Companhia Docas do Maranhão (sociedade de economia mista, vinculada ao Ministério dos Transportes, e que por convênio administra a AHSUL), a entidade é responsável pela manutenção da navegação interior nos cursos d’água dos estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Ela concentra a atuação principalmente nos rios Jacuí, com 228 quilômetros de extensão navegável, e o Taquari, com 87 quilômetros, bem como na Lagoa Mirim. Nos rios, a AHSUL mantém e opera, diretamente, quatro barragens de navegação - três delas
no rio Jacuí e uma no rio Taquari.

A AHSUL ganhará em relevância quando for consolidada a chamada hidrovia Brasil-Uruguai, um projeto que prevê a ligação da Lagoa Mirim com a Lagoa dos Patos. O Estudo de Viabilidade Técnica Econômica e Ambiental (EVTEA) do empreendimento, elaborado pelo Consórcio Ecoplan-Petcon, já foi entregue à AHSUL, mas, devido à possibilidade de ser necessário algum complemento, ainda não foi tornado público. A expectativa inicial era de que o trabalho tivesse sido concluído ainda no ano passado, o que não ocorreu.
Navegação pelo Taquari precisa ser melhorada

Além de dotar o porto de Estrela de uma boa infraestrutura, capaz de atrair potenciais clientes e investidores, será necessário qualificar o acesso ao terminal. A partir da capital gaúcha, para alcançar o porto, as embarcações têm que navegar pelos rios Jacuí e Taquari. Quem costuma fazer esse trajeto conta que somente o primeiro trecho da hidrovia encontra-se em boas condições de operação.

O diretor da Navegação Aliança Ático Scherer confirma que a ligação fluvial entre Porto Alegre e o município de Taquari pode ser feita sem maiores sobressaltos. No entanto, na segunda parte do trecho, de Taquari a Estrela, o empresário afirma que a situação é complicada. “Só com água cheia”, aponta. Scherer acrescenta que o calado é muito baixo e não tem a largura adequada para a navegação.

Para o executivo, a dragagem ajudaria a resolver as dificuldades. Ele esclarece que as atuais dragagens no trecho utilizam equipamentos de pequeno porte, com rendimento menor. Para Scherer, se fosse construída uma barragem (para a regularização do nível da água) e uma eclusa (para elevar os barcos de um nível para outro) entre Taquari e Estrela, a necessidade de dragagem seria diminuída.

Pedro Obelar, diretor de Hidrovias da SPH, reitera que a pouca movimentação de carga no porto de Estrela se deve justamente à falta de confiança nas condições de navegação, sem a manutenção da profundidade ideal, chegando a ficar com um patamar inferior a 2,5 metros, que seria o calado oficial.

“Já que se gastou tanto dinheiro em uma eclusa, de repente se faz outra, permitindo mais cerca de 1,5 metro”, sugere, condicionando a obra a estudos “para ver se a iniciativa é viável técnica, ambiental e economicamente.” O problema de navegação, alerta Obelar, começa a partir do município de Bom Retiro do Sul, onde há muito assoreamento. “E lá não é areia, é pedra, e fazer dragagem de pedra é uma dificuldade enorme.”
AHSUL tem planos de reformar barragens

Para qualificar as barragens que opera no Rio Grande do Sul, a AHSUL tem em torno de R$ 60 milhões para iniciar um programa de reformas. O superintendente da AHSUL, Eloi Spohr, informa que as ações nesse sentido começarão em 2015. As atribuições da entidade, vinculada ao governo federal, aumentarão se for consolidada a hidrovia Brasil–Uruguai. A AHSUL será responsável pela administração por se tratar de um empreendimento internacional. Para esse projeto se tornar viável, serão necessários investimentos em dragagens, sinalização e novos terminais.

Quanto às competências sobre as hidrovias, Spohr admite que a questão implicava algumas dificuldades no Estado. “Existia sempre uma grande disputa entre a AHSUL e a SPH, o que para mim é uma grande bobagem, nós somos um governo só”, frisa. Spohr, que é economista, consultor de empresas e ex-diretor administrativo-financeiro da Companhia Municipal de Saneamento (Comusa), assumiu a superintendência em abril.

Spohr comenta que assumiu a AHSUL com vencimentos menores do que ganhava antes. “Mas o Cajar (Nardes, presidente do Partido da República, que comanda o Ministério dos Transportes) disse que eu era soldado do partido e precisávamos renovar, porque o homem que estava antes já fazia 26 anos e as hidrovias não estavam funcionando”, conta Spohr. Ele enfatiza que “sangue novo” é importante nos órgãos públicos. O próprio escritório da AHSUL, em Porto Alegre, estava “às traças”, com uma estrutura envelhecida, diz Sphor.

O ex-superintendente José Luiz Fay de Azambuja não comenta as opiniões de Spohr, pois acredita que “não é nesse fórum que se deva discutir essas colocações”. Quanto ao repasse do porto de Estrela para o Estado, Azambuja diz ser uma decisão de governo. “Acho que essa medida, simplesmente, não vai resolver o problema, o que vai resolver o problema das nossas hidrovias é uma mudança cultural”, defende o ex-superintendente.
Para navegantes, dificuldade aumenta no verão

Além do rio Taquari normalmente apresentar mais dificuldades quanto ao fluxo de embarcações do que o rio Jacuí, a situação piora durante o verão. Paulo Ricardo Kulmann Leote (que exerce o papel de uma espécie de prático fluvial, o piloto que acumulou grande experiência em determinado trecho do rio) argumenta que nesse período o leito do Taquari fica mais baixo. Leote ressalta que o assoreamento é um dos obstáculos para o acesso de navios ao porto de Estrela. Segundo ele, muitas vezes é necessária a diminuição do volume de cargas para que a embarcação tenha condições de navegar até o destino das mercadorias. Ele acredita que a construção de mais uma eclusa e mais uma barragem melhorariam a situação.

O piloto fluvial Luiz Oscar Passos da Silveira acrescenta que a realização de uma dragagem facilitaria, em curto prazo, o trânsito dos navios na região. Se não ocorrer essa intervenção humana, só a ação divina ajudaria. Silveira explica que a chuva facilita a navegação no interior gaúcho.

O imediato João Pedro Lopes Ferreira confirma que o baixo calado torna a navegação pelo rio Taquari mais difícil. O mesmo não acontece na Lagoa dos Patos com a navegação até o porto do Rio Grande. “O problema aí é a sinalização”, afirma Ferreira.

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