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Fungo manipula insetos para se disseminar no canavial

Causador da podridão vermelha traz prejuízos de R$ 5 bilhões por ano no Brasil


Foto: Marcel Oliveira

Uma pesquisa conduzida na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP) mostrou que a podridão vermelha da cana-de-açúcar é causada pela ação de um fungo e não pela mariposa Diatraea saccharalis, popularmente conhecida como “broca-da-cana”.

Quando na fase de lagarta, esse inseto furaria os colmos da cana, que seriam, posteriormente, infectados de forma oportunista pelo fungo. “É o primeiro caso cientificamente demonstrado de um fungo patogênico manipulando seu vetor [o inseto] e seu hospedeiro [a planta] em benefício próprio”, diz o pesquisador José Maurício Simões Bento, professor titular da Esalq-USP e um dos coordenadores do estudo.

O responsável pela doença é o fungo Fusarium verticillioides. A cada safra os prejuízos atingem R$ 5 bilhões somente no Brasil. Um fungo oportunista normalmente não depende de vetores e se vale meramente de lesões na estrutura do hospedeiro para poder infectá-lo. No caso da podridão vermelha, não. O Fusarium muda as características do vetor e do hospedeiro para promover sua disseminação. “Estabelecemos um novo paradigma para a associação planta-inseto-fungo na cultura da cana-de-açúcar”, enfatiza Bento.

A pesquisa recebeu apoio da FAPESP por meio de quatro projetos. “Antes o alvo era a mariposa. E a ideia era que o fungo meramente aproveitava as aberturas nos colmos produzidas pelas lagartas. Descobrimos que não. Ele manipula os insetos para poder penetrar nas plantas. E manipula as plantas para atrair mais insetos”, afirma Márcio de Castro Silva Filho, também professor titular da Esalq-USP e também coordenador do estudo.

Por meio de vários experimentos, os pesquisadores descobriram que as plantas infectadas pelo fungo Fusarium verticillioides produzem compostos voláteis que são irresistíveis para fêmeas grávidas da Diatraea saccharalis. Atraídas por esses compostos, as mariposas põem seus ovos nas plantas. E as lagartas, recém-eclodidas, penetram nos colmos. Uma vez no interior das plantas infectadas, as lagartas continuam atraídas pelos compostos voláteis e estimuladas a se alimentar. Com isso, são contaminadas. E, posteriormente, viram pupas e adultos portadores do fungo.

“Essas novas mariposas, agora infectadas, são capazes de transmitir o fungo à geração seguinte, por meio de seus ovos. E, diferentemente das mariposas sadias, são atraídas pelos compostos voláteis das plantas sadias, não infectadas. Pondo seus ovos nessas plantas, elas as infectam. Desse modo, o fungo manipula tanto a planta como o inseto para promover sua disseminação”, informa Silva Filho.

Instrumentalizadas pelos compostos voláteis, as fêmeas não portadoras do fungo preferem depositar seus ovos em plantas infectadas. Ao passo que as fêmeas portadoras dão preferência a plantas sadias. Por meio desse mecanismo insidioso, a podridão vermelha se alastra pelos canaviais, onde causa perdas de 50% a 70% da sacarose dos colmos infectados.

“Nosso estudo reescreve o entendimento de longa data sobre essa doença, considerada a principal enfermidade da cultura canavieira e responsável por enormes prejuízos na produção de etanol e de açúcar. Demonstramos que a lagarta é um vetor da doença, contrariamente ao entendimento de que o fungo só penetra na planta a partir dos orifícios deixados pela lagarta”, concluem Bento e Silva Filho.

O artigo Fungal phytopathogen modulates plant and insect responses to promote its dissemination pode ser acessado aqui.
 
 

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