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Mandioca ajuda a diminuir pobreza no campo

Mandioca é cultivada por quase um milhão de agricultores brasileiros


A mandioca pode se transformar no principal cultivo do século 21. A afirmação é da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e está registrada na publicação "Produzir mais com menos: Mandioca – Um guia para a intensificação sustentável da produção", de 2013: "A produção total de mandioca aumentou 60% desde 2000 e está previsto ainda um maior aumento durante esta década, à medida que os políticos reconheçam o enorme potencial da mandioca. Outrora considerada o alimento dos pobres, a mandioca emergiu como uma cultura polivalente para o século 21, que responde às prioridades dos países em desenvolvimento, às tendências da economia global e aos desafios da mudança climática".

No Brasil, o cenário é promissor. De acordo com dados de 2012 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o País produziu 23 milhões de toneladas em 1,7 milhão de hectares e exportou raízes de mandioca, frescas, refrigeradas, congeladas ou secas. Os principais destinos são Uruguai, Reino Unido e Paraguai. Estados Unidos, Bolívia e Venezuela são os principais países que recebem a fécula de mandioca brasileira.

Agricultores familiares e pequenas agroindústrias têm investido cada vez mais na produção de iguarias, como beijus tradicionais e coloridos (preparados com frutas e hortaliças), biscoitos, sopas, mingaus, tortas e pães. Com isso, a raiz passou a agregar valor para o agricultor familiar, melhorando sua renda, qualidade de vida e sustentabilidade no meio rural. Além disso, a partir de pesquisas de melhoramento genético, produtores têm acesso a variedades com maior teor nutritivo, mais adequadas às exigências da indústria, aumentando a qualidade de vida de um milhão de trabalhadores rurais. E a pobreza de quem trabalha com a cultura vai ficando para trás.

É o caso de José Carlos Mendonça, de Cruz das Almas (BA), que conheceu o processo de fabricação dos beijus coloridos e começou a fornecê-los não só em seu boxe na feira como para a merenda escolar municipal, por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). "Meu lucro mensal cresceu 50%, mas minha qualidade de vida aumentou 100%. Antes, eu vendia em média 100 pacotes por semana. Agora, são dois mil. Antes, eu procurava o comércio. Hoje, chego a rejeitar encomendas porque não posso atender", diz. Sua casa de farinha funciona três dias por semana, das 2h às 14h, e emprega mais seis pessoas – antes eram somente ele e seu irmão.

Em Vitória da Conquista (BA), a cultura também mostra a sua força. Desde 2005, a tradicional região produtora de derivados de mandioca, a exemplo de biscoitos de polvilho, beijus e bolachas de goma, sedia a Cooperativa Mista Agropecuária do Sudoeste da Bahia (Coopasub), que tem mudado a vida de 2.306 agricultores e suas famílias. A Embrapa e outras instituições parceiras – como Fundação Banco do Brasil, Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) – estão presentes desde as primeiras discussões, antes mesmo da sua implantação.

Segundo Izaltiene Rodrigues, presidente da cooperativa desde a fundação, quando eram apenas 108 integrantes, a evolução é visível. "Melhorou muito a vida dos cooperados em relação à comercialização dos produtos, pois se tem a certeza de venda garantida e melhor preço", declara.

A cooperativa se estruturou e, em 2011, inaugurou o complexo industrial, formado por fecularia, empacotadora de farinha e estufas para secagem da fécula fermentada. "O complexo foi pensado para melhorar o preço da raiz na região e contou com a participação de todos os parceiros na elaboração e discussão para sua construção", explica Izaltiene. Da Secretaria Estadual da Agricultura, Pecuária, Irrigação, Reforma Agrária, Pesca e Aquicultura do Estado da Bahia, a cooperativa ganhou, naquele mesmo ano, o Selo de Identificação da Agricultura Familiar.

As principais regiões produtoras são Norte e Nordeste. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), mais de 85% da produção da mandioca vem da agricultura familiar. "Quase um milhão de trabalhadores cultivam a planta. A mandioca é expressiva e importante para a segurança alimentar no País", afirma Valter Bianchini, secretário nacional da Agricultura Familiar do MDA.

A opinião é compartilhada por Wilson Dias, diretor da Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional (CAR), vinculada à Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado da Bahia, que relata que a cadeia produtiva da mandioca é uma das principais da agricultura familiar do estado. "Dos 665 mil agricultores, pelo menos metade, 300 mil famílias, tem alguma quantidade de mandioca em sua propriedade. Qualquer intervenção que se fizer nessa cadeia produtiva impacta diretamente na produtividade desse quantitativo grande de famílias e também na economia local, pois, em qualquer ganho de produtividade há repercussão imediata na renda e na economia local".

A dificuldade de o produtor, principalmente do Nordeste, conseguir material de qualidade, com importantes características de resistência (à seca, doenças ou pragas, por exemplo), foi percebida pela Embrapa Mandioca e Fruticultura, o que resultou na "Rede de multiplicação e transferência de materiais propagativos de mandioca com qualidade genética e fitossanitária" (Reniva). Com foco no pequeno agricultor, que receberá mudas de variedades de uso tradicional dos produtores e de cultivares geradas ou recomendadas pela Embrapa, o projeto Reniva tem como meta contribuir para a estruturação da cadeia da mandiocultura para minimizar, futuramente, os efeitos das secas prolongadas.

A busca por amidos diferenciados

Um desafio de pesquisa que já está em foco é a demanda da indústria por amidos modificados, já que é nessa área que acontece a maior agregação de valor da cadeia produtiva da mandioca.

Para a indústria, o teor de amido da raiz é o fator mais importante, influenciando diretamente no rendimento industrial e no custo de produção. Um dos fatores responsáveis pelas diferenças nas propriedades do amido é a proporção entre os teores de amilose e amilopectina, duas moléculas que compõem o amido. "Na maioria dos genótipos disponíveis, o teor varia de 17% a 25%, mas a indústria possui grande interesse por materiais diferenciados, com os extremos dessa relação. Teores mínimos de amilose interessam à indústria alimentícia em função da menor retrogradação do amido (transformação que ocorre durante o resfriamento e o armazenamento do amido). Já os teores maiores que 40% interessam também à indústria de alimentos, pela menor digestibilidade do amido, e à de biopolímeros (plásticos vegetais)", informa o pesquisador Eder Jorge de Oliveira, à frente dos cruzamentos das variedades feitos na Embrapa Mandioca e Fruticultura (BA).

Por tudo isso, a avaliação de teor, qualidade e propriedades industriais do amido é alvo de pesquisas. "Este trabalho está sendo feito em parceria com a Cooperativa de Produtores de Amido de Mandioca do Estado da Bahia (Coopamido) porque eles sabem o que o mercado quer. Precisamos descobrir se, no nosso Banco Ativo de Germoplasma (BAG), existe algum clone que possua amidos com características diferenciadas em relação ao amido comum ou ao nativo", explica Vanderlei da Silva Santos, líder do programa de melhoramento genético de mandioca.

André Lordelo, engenheiro-agrônomo da Cooperativa Estratégica do Amido, da qual a Coopamido faz parte, acredita que a parceria vai estimular a cadeia produtiva do Recôncavo Baiano. "Nesse caso específico, o foco são nossos clientes da indústria alimentícia, que demandam  fécula para tapioca e, por isso, precisamos de raízes com casca de coloração branca. O objetivo das atividades realizadas no nosso campo experimental é avaliar as variedades que os produtores associados já plantam na região e aquelas que a Embrapa trouxe, como a BRS Formosa, Mani Branca e Poti Branca, e saber quais se comportam bem na região. Daí, os produtores serão estimulados a plantá-las para que tenhamos volume de produção", afirma. Já houve a seleção preliminar de diversas variedades e híbridos com desempenho superior às variedades atualmente cultivadas na região.

Com a Associação Técnica das Indústrias da Mandioca do Paraná (Atimop), a ansiedade quanto a novas variedades também existe. "Precisamos de variedades específicas que tenham maior produção de amido, um amido de cor mais clara, que as raízes sejam mais fáceis de ser lavadas e que tenhamos menor consumo de água na indústria", explica Sigmar Herpich, presidente da Atimop.

Pré-melhoramento

Uma das linhas de pesquisa é o pré-melhoramento por meio do cruzamento entre espécies silvestres de Manihot e a mandioca cultivada (Manihot esculenta). "O objetivo é introduzir características importantes das espécies silvestres, como alto teor de proteína e matéria seca, na mandioca", explica Santos. Recentemente, duas novas espécies (Manihot bellidifolia e Manihot longiracemosa) foram descobertas na Chapada Diamantina, como resultado das expedições de coleta de espécies silvestres em 14 estados. "O interesse é buscar variedades que possam ser cultivadas em ambientes com temperaturas extremas, muito quentes ou muito frias, e com escassez de água", esclarece Marcio Martins, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), que participa do trabalho juntamente com o pesquisador Carlos Alberto da Silva Ledo.

Como a produção de mandioca de mesa ganha, cada dia mais, características específicas para a indústria de congelados, atualmente, outras atividades são a avaliação de snacks (chips) das variedades biofortificadas (com maiores teores de vitaminas e minerais) já lançadas e de um híbrido ainda não lançado e o estudo de características que interferem no tempo de cozimento das raízes. "Sabemos que são muitos os fatores que influenciam no cozimento. Precisamos esclarecer isso porque é difícil selecionar uma cultivar que tenha bom sabor, cozinhe e não tenha fibras, que é o desejo do consumidor", salienta Santos.

Rica em carboidratos e fibras, a mandioca de mesa ajuda na saciedade e tem sido consumida cada vez mais por pessoas preocupadas com a saúde e a estética e tornou-se alternativa de carboidrato para os celíacos – portadores de intolerância aguda ao glúten, proteína alergênica presente no trigo, aveia, centeio, cevada e malte. Lucélia da Silva Costa, presidente da Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil (Fenacelbra), explica: "O carboidrato da mandioca é de excelência porque não tem relação com nenhuma patologia. Pode estar presente em qualquer tipo de dieta".

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