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Opinião: Neem - A caminho da pecuária sustentável

O uso do neem permite ao pecuarista abandonar os produtos químicos convencionais


Por *Romina lindemann
 
Azadirachta Indica pode soar um pouco estranho para alguns, mas este é nome científico do neem, árvore de origem indiana que há mais de 4 mil anos é utilizada nos mais diversos tratamentos. Por este motivo desperta grande interesse da classe científica, inclusive na produção animal, pelo seu efeito repelente em carrapatos e moscas-dos-chifres, os maiores inimigos da pecuária brasileira. A principal substância ativa do neem é a azadirachtina, sendo que outros triterpenóides, geduninas, nimbin e liminóides atuam em conjunto na ação inseticida.

A Índia, onde o gado é considerado sagrado, é a principal fonte de referências sobre os efeitos praguicidas. É o caso de um estudo realizado na cidade de Botswana, onde, geralmente, os agricultores não utilizam nenhum programa de gestão para controle de ectoparasitas nos rebanhos. Os inseticidas disponíveis são eficazes contra carrapatos, mas naquela província o uso fica restrito devido ao alto custo e aos temores de contaminação do meio ambiente e potenciais resíduos que possam deixar na carne e no leite.

Chagada ao Brasil

As primeiras mudas chegaram à América Latina no começo do século passado, em projetos específicos junto aos governos de Nicarágua, Honduras, Cuba, Venezuela e República Dominicana. Devido às suas características de não ser exigente quanto ao tipo de solo e preferência por clima quente e seco de regiões áridas, sua adaptação aos países da América Central foi muito boa. Na América do Norte do Norte e Europa, o neem não se desenvolveu, devido ao frio, o que ocorre também nos estados do Sul do Brasil.

Acredita-se que o neem chegou ao Brasil há mais de 50 anos. Mas, as primeiras pesquisas científicas realizadas como inseticida foram feitas pelo IAPAR, em Londrina (PR), em 1986 com sementes originárias das Filipinas. Em continuidade ao projeto, em 1989 e 1990, material oriundo da Índia, Nicarágua e República Dominicana foi plantado em Londrina (PR), Paranavaí (PR) (região mais quente e arenosa), Jaboticabal (SP) e Brasília (DF), para avaliação de desenvolvimento.

Na metade final dos anos 1990, as propriedades da planta tornaram-se mais conhecidas no País, dando-se início ao plantio de áreas comerciais em São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Pará, Tocantins e outros. Esses estados apresentam clima favorável ao cultivo, esperando-se produções próximas ao obtido nos países de origem. Há grande possibilidade disso se tornar realidade, caso o seu plantio seja expandido para a região nordeste do País, por se constituir numa zona ecológica favorável para o desenvolvimento normal da planta.

Tradicionalmente, os indianos esmagavam as folhas do neem e esfregavam-as nos ferimentos expostos do gado para eliminar os vermes. Isso se justifica, pois, a planta (Azadirachta indica) é um poderoso inseticida natural. De modo geral, ela afeta o desenvolvimento dos insetos de diferentes modos. Pela sua semelhança com o hormônio da ecdise (processo que possibilita ao inseto trocar o esqueleto externo e, assim poder crescer), perturba essa transformação e, em altas concentrações pode impedí-la, causando a morte do inseto.

Ela, além de afetar a ecdise, reduz o consumo de alimento, retarda o desenvolvimento, repele os adultos e reduz a postura nas áreas tratadas.

Além da aplicação de extratos das folhas ou sementes no dorso dos animais, o uso de folhas trituradas e misturadas ao alimento do gado tem sido indicado para controle de carrapatos, bernes e moscas do chifre.
O pó de Neem é o produto proveniente das folhas da árvore. Após a poda, as folhas seguem para uma estufa, onde são desidratadas, isto é, perdem água, e em uma etapa posterior, são moídas para fazer o pó. E então é só misturar ao sal mineral em uma proporção de 1,5 a 3% (p/p).

Após certo período de tratamento, o princípio ativo passa a circular na corrente sanguínea dos animais e os parasitos que se alimentam do sangue passam a sofrer os efeitos negativos do Neem em seu organismo. Em torno de cinco dias, após serem contaminados, os carrapatos (Boophilus microplus), as larvas de berne (Dermatobia hominis) e a mosca-do-chifre (Hematobia irritans), por exemplo, morrem no corpo do animal por terem ingerido os princípios ativos do Neem. Este princípio ativo é ainda elimi¬nado nas fezes dos animais e mata as lar¬vas da mosca que faz a ovoposição no bolo fecal.

Os resultados dependerão do nível de infestação dos animais, do tamanho da área e das condições climáticas. Normalmente, os resultados começam a aparecer em torno de 25 dias após o início dos tratamentos, mas em alguns casos, podem levar mais de 70 dias. Quando se chega ao equilíbrio, os animais passam a ter ¬baixíssima infestação de ectoparasitos.

O uso do neem permite ao pecuarista abandonar os produtos químicos convencionais que muitas vezes são usados de forma indiscriminada e errônea, e assim, com reduzida eficácia e possibilidades de desenvolvimento de resistência ao composto usado.

E isso no caso do gado leiteiro, significa perda de produtividade, já que ao utilizar medicamentos tradicionais, o leite destes animais fica um tempo inutilizável, o chamado tempo de carência. Com o uso do neem, isso não é necessário, pois ele é um remédio fitoterápico (feito à base de plantas).

Os resultados podem ser observados em pouco tempo. Tivemos conhecimento que, na Zona da Mata mineira, uma fazenda de Santo Antonio do Aventureiro, sempre criou as 600 cabeças de gado leiteiro de modo convencional, ou seja, utilizando inseticidas tóxicos, alternando diferentes produtos a cada 3 semanas. O resultado era a perda de 10% e 15% nos dois dias seguintes ao banho químico, devido à impossibilidade do uso do leite.

No começo de 2010, o proprietário decidiu enfrentar a mosca-do-chifre e os carrapatos com o uso do pó do neem, na proporção de 1,5kg de pó a cada 100 quilos de sal. A experiência deu certo. O neem conseguiu interromper o ciclo das pragas no gado e também ajudou a reduzir o custo no combate às pragas. Agora as despesas não passam de R$60,00 reais por mês, antes ultrapassavam R$200,00.

Outra vantagem neste caso foi que ao abandonar o uso de produtos químicos na produção do leite, com isso, o produtor deu o primeiro passo para conseguir a certificação de produto orgânico, e assim agregar valor à sua produção.

O pó também pode ser usado na agricultura, aplicado diretamente sobre todo tipo de plantas (folhosas, ornamentais, legumes, ervas aromáticas, árvores frutíferas, flores, grãos, etc.).

Cultivando neem desde 2005, a fazenda Preserva Mundi, localizada em São João de Pirabas, a 200 km de Belém, alcançou a marca de 160 mil árvores plantadas. Lá, no início do ano passado, começou-se a extrair o óleo das sementes da árvore, sempre em parceria com as comunidades ribeirinhas da região.

Este banho com óleo de neem no gado, segundo estudo coordenado pelo Centro de Ensino Tecnológico do Ceará, pode ajudar a combater com sucesso o carrapato (boophilus microplus), ácaro que compromete a produção de carne e do leite e é responsável por prejuízo de quase R$1 bilhão em toda a América Latina.

A busca de alternativas para o controle do carrapato é uma questão fundamental na pecuária atualmente, pois o uso indiscriminado de drogas acaricidas teve como conseqüência a seleção de populações resistentes aos diferentes grupos químicos utilizados no tratamento dos animais. Sem contar que o uso de substâncias tóxicas, acarreta prejuízos a natureza, pois há contaminação de lençóis freáticos, mortandade de peixes em rios, etc.

O uso em conjunto (torta e óleo de Neem) tem apresentado eficiência muito maior que o uso isolado dos produtos.
Outra pesquisa, coordenada pelo Instituto de Biologia da UFRJ mostrou redução da emergência de 95% das moscas das pupas tratadas com óleo de neem e de 94,5% quando aplicado ao solo onde os animais descansam à noite. O mesmo comprovou que, além do baixo custo, o neem tem reduzidíssimo risco de intoxicação para mamíferos e aves, ao contrário dos agrotóxicos.

Pesquisas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ), mostraram que o neem é eficaz também contra o mosquito da dengue. O estudo revelou que mortalidade das larvas expostas por 24 horas ao concentrado feito a partir do neem foi de 100%.

As folhas da árvore indiana também tem ação eficiente no tratamento de úlcera em bois. É o que mostra pesquisa realizada numa fazenda de produção de leite orgânico mantida pelo Instituto Oikos de Agroecologia em Lorena, interior de Sao Paulo. Os animais com feridas de 6 cm de diâmetro tiveram a completa cicatrização após 7 dias de tratamento, sem recidivas do processo. Nos tratamentos tópicos tradicionais essa cicatrização pode demorar até 15 dias, havendo recidivas em 60% dos casos.

O neem é uma árvore especial, com muitas funcionalidades. Ele é uma alternativa viável economicamente, de fácil manejo (fácil de misturar e de servir aos animais, além de não haver a necessidade de prender os animais para fazer o tratamento), e acima de tudo, ecologicamente correta.

Ele pode se tornar um grande aliado do produtor rural do Brasil, ajudando a reduzir custos e a tornar mais "limpa" a produção. O que falta é divulgação e informação para os produtores sobre os usos do neem e como ele pode ajudar na agropecuária orgânica e sustentável.

Para o pecuarista podemos elencar algumas vantagens no manejo:

- Facilidade no manuseio, adicionando ao sal mineral (recomendação de 1,5-3%de pó de neem).
- Baixo custo médio máximo de 18 reais/100 kg de sal mineral.
- Redução 70% nos seus custos com praguicidas
- há o custo de arrobas do gado, pois quando precisa tirá-lo do pasto para aplicar algum medicamento, essa perda pode chegar até 5 arrobas por aplicação.
- Não deixa resíduos na carne, nem no leite, não necessita de período de carência, o que resulta aproveitamento de toda a produção, sem perdas.
- Melhora observada em 2 semanas a 1 mês. Por ser um processo natural, leva um pouco mais para aparecerem os resultados, porém com a pulverização do animal, pode-se observar redução de 90% dos carrapatos em até 3 dias.

Efeitos do neem sobre os insetos:
- Provoca efeito anti-alimentício para o inseto;
- Repelência;
- Interrompe o crescimento do inseto por provocar distúrbio na ecdise (troca de pele dos insetos);
- Provoca distúrbio fatais nos insetos adultos, caso as fases jovens se alimentem de plantas tratadas;
- Diminui postura e mata os ovos dos insetos.
Características do neem:

- Seguro para organismos aquáticos;
- Biodegradável, não agride o meio ambiente;
- Não corrosivo não volátil e não inflamável;
- Não é tóxico para seres humanos e animais, como os produtos sintéticos.
- Não tem ação fitotóxica;
- Não tóxico às abelhas melíferas, formigas, minhocas e joaninhas;
- Efeitos seletivos sobre os organismos-alvo;
- Inócuo à maioria dos insetos benéficos;

*Economista, MBA marketing – FGV, sócia-diretora da Preserva Mundi e estudiosa do neem.

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