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Terra barata leva soja ao extremo Norte

Áreas legalizadas abrem caminho para investidores



A regularização ambiental e fundiária e a viabilidade do cultivo da soja no Norte do Brasil transformam a região em terra de oportunidades. Com a lucratividade da commodity e a promessa de investimentos em portos, rodovias e hidrovias, os preços do hectare agrícola em estados como Roraima, Pará e Amapá dispararam e acumulam alta de três dígitos nos últimos cinco anos. Apesar do aumento, os valores das fazendas com potencial para a atividade ainda são baixos se comparados aos registrados no Sul, onde estão as terras mais caras do país.

Atualmente, com o valor desembolsado para a compra de um hectare em Cascavel (Oeste do Paraná) é possível arrematar 21 hectares no Amapá, 17 hectares em Roraima ou seis hectares no Pará, conforme levantamento feito a pedido do Agronegócio Gazeta do Povo (AgroGP) pela Informa Economics FNP, consultoria que acompanha o mercado de imóveis rurais.

Gente grande

“Aqui, com R$ 1 milhão você é gente grande”, resume Geison Nicaretta, agricultor em Roraima. Neste ano, ele colhe sua segunda safra de soja em um lote de 105 hectares, comprado em sociedade com um amigo pela “bagatela” de R$ 30 mil (a parte mais barata de um total de 2 mil ha).

Essa área de Nicaretta tem valor abaixo da média do mercado porque não era considerada apropriada ao cultivo de grão, mas surpreende os produtores com rendimentos normais de um primeiro ano. Se os R$ 30 mil fossem usados para comprar terra no Paraná, renderiam menos de um hectare – um campo de futebol.

Na década de 80, terras baratas levaram centenas de produtores do Sul e do Centro-Oeste para o Nordeste do país. Eles ampliaram a produção de grãos a partir do Oeste baiano e formaram o polo agrícola hoje conhecido como MaToPiBa — por envolver parte do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Potencial

A infraestrutura precária – em muitos locais ainda há problemas no fornecimento de energia, por exemplo – e o isolamento geográfico não limitam o potencial de valorização das áreas agrícolas na ponta superior do mapa brasileiro, garante José Vicente Ferraz, diretor da consultoria responsável pelo levantamento de preços. Essa valorização é considerada um indício de que existe procura cada vez maior pelos imóveis.

O principal fator que torna o Norte do Brasil um solo fértil para investidores do agronegócio é a transformação da região em um grande polo logístico, salienta o especialista. Ao menos seis grandes projetos portuários estão saindo do papel no chamado Arco Norte, que começa em Rondônia e segue até o Maranhão. A região foi percorrida pela Expedição Safra Gazeta do Povo, que conferiu os principais projetos.

De todos os estados, Pará é o que tem maior potencial de valorização das terras. Apesar da vocação para a pecuária e a silvicultura, os grãos têm ganhado cada vez mais espaço em solos paraenses. E é ao Sul do estado, no município de Miritituba, onde estão os projetos estratégicos para o desenvolvimento de toda a região. Cerca de dez estações de transbordo de cargas (as carretas descarregam os grãos em barcaças) serão erguidas à beira do Rio Tapajós nos próximos anos. “Essas obras beneficiam o próprio estado e também outros vizinhos, que poderão escoar a produção por lá. Deve permitir ainda que se desenvolvam novas atividades”, analisa o diretor da Informa.

Interesse regional torna negócios mais frequentes

Se no Sul as vendas de terras são raras, no Norte do Brasil os negócios estão aquecidos e tendem a ficar ainda mais. Isso porque o potencial de conversão de pastos degradados em campos agrícolas soma-se à incorporação de novas áreas de Cerrado à agropecuária.

Após visitar a região, a Expedição Safra Gazeta do Povo — projeto técnico-jornalístico que realiza sondagens no setor há oito anos — concluiu que a área de grãos deve crescer de 100 mil para 400 mil hectares nos próximos anos somente no Pará e em Roraima. Em 2014/15, a ampliação deve ser de 50 mil hectares.

Produtores como Vicente Gianluppi, pesquisador gaúcho que chegou a Boa Vista (RR) em 1976 para atuar na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), estão preparando o solo para plantar no ano que vem. “Agora o boi está pastando em 300 hectares, que vão render soja na próxima safra. Será o meu primeiro ano na agricultura.”

Ele migrou para a região na época em que ainda era possível adquirir 5 hectares com uma cabeça de gado. “Até um revólver velho valia mais que o hectare.” Hoje, a bovinocultura é vista como alternativa para a “segunda safra” na região, que tem pastos de sobra.

Produtores negam corte de florestas

As áreas desmatadas ilegalmente continuam crescendo na região amazônica, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). No entanto, os produtores de soja negam ligação com o problema. As áreas cultiváveis foram abertas antes de 2008 e, de acordo com o novo Código Florestal, podem ser plantadas, consideram.

No Pará, o plantio avança em áreas de “juquira” — vegetação que cobre pastagens abandonadas —, argumentam. O governo estadual permite o uso dessas áreas mediante licença e cadastro ambiental – procedimento que define áreas de reserva legal e proteção permanente.

Em Roraima, as áreas ainda estão em regularização fundiária. O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a transferência de terras da União para o estado. “Essa suspensão não impede a agricultura, mas vai atrasar a titulação dos imóveis”, afirma o secretário de Meio Ambiente de Roraima, Marcelo Andrade.

Renda bruta de uma safra supera o preço dos terrenos

Longe do restante do país e com infraestrutura em construção, a agricultura mostra-se lucrativa no extremo Norte do Brasil. A renda bruta inicial da soja chega a R$ 2,45 mil por hectare, um terço acima dos custos operacionais, calculou o Agronegócio Gazeta do Povo.

Essa receita bruta é maior que o preço da terra em Santarém (PA) ou Macapá (AP), por exemplo. Os demais custos impedem que uma fazenda seja quitada logo no primeiro ano.

Gasta-se cerca de R$ 1 mil por hectare no primeiro preparo do solo (abertura e adubação). É preciso considerar ainda que, normalmente, só metade da área de uma fazenda é cultivável (metade é floresta).

Na segunda safra, com o aumento da produtividade de 35 para até 50 sacas/ha, o faturamento chega a R$ 3,5 mil/ha. E quem registra esse avanço pode quitar a terra em três anos.

A receita bruta é maior que a registrada no Paraná. Em Roraima, uma saca de 60 quilos de soja vale cerca de R$ 10 (20%) a mais que a média paranaense, em parte pelo fato de a região vender a colheita na época da entressafra nacional.

“Colher 35 sacas/ha aqui em primeiro ano é o mesmo que colher 60 sacas/ha em Mato Grosso”, compara Alcione Nicoletti, considerando a diferença de preço.

Gastando menos e arrecadando mais, produtores como Agnelo França Correia conseguiram mais que duplicar suas lavouras. O ex-gerente de fazendas decidiu migrar de Mato Grosso para o Norte com o objetivo se tornar dono do seu próprio pedaço de chão. Hoje tem 600 hectares de terras no Pará.

Começou com R$ 60 mil no bolso. Os primeiros 170 hectares custaram R$ 50 mil, ou R$ 300/ha. “Desembolsei R$ 32 mil inicialmente. E o restante, incluindo gastos com insumos, maquinários e equipamentos, que comprei usados, paguei nas safras seguintes”, conta. Ele fez cadastro ambiental da fazenda e sustenta que essa é uma de suas prioriedades.

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