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Armazenar é Preciso! Como Guardar as Grandes Safras?


Sebastião Nogueira Junior

Alfredo Tsunechiro

Ano após ano a safra de grãos cresce em elevado ritmo e os problemas de transportes e armazenagem vão se agravando no Brasil. Notícias sobre grãos guardados a céu aberto, cobertos com lona ou plástico, sobretudo na região Centro-Oeste, aparecem cada vez mais na mídia.
Embora crescentes, os investimentos em infraestrutura de armazenagem não têm acompanhado o dinamismo da agricultura e também pouco se vê melhoria em sistemas viários e de escoamento da produção – rodovias, ferrovias, hidrovias e portos –, afetando assim o sistema de logística para a movimentação das safras.
A atual safra de grãos (146,9 milhões de toneladas), que deverá ser recorde, está provocando congestionamentos nas estradas, nos portos e, sobretudo, nos pátios das instalações para a recepção das mercadorias a serem guardadas. Milho e soja, com 122,1 milhões de toneladas, correspondem a 83% da produção total de grãos.
Cabe lembrar que o açúcar, o café e o trigo importado também disputam este espaço armazenador, além dos estoques remanescentes, oficiais e privados. Adicionando-se aos grãos outros produtos de origem agrícola passíveis de armazenagem em ambiente natural, a oferta total chega a 194,4 milhões de toneladas.
A não coincidência de safras e a possibilidade de exportação de 8,5 milhões de toneladas de milho podem mitigar, em parte, a crítica situação da armazenagem e da logística de escoamento da produção, pelo fato do cereal brasileiro ser colhido em duas épocas diferentes – safra principal e safrinha. Hoje a safrinha já corresponde a mais de um terço (38,3%) do total produzido no ano. Além disso, existem 11 milhões de toneladas de estoque inicial, que poderá chegar a 15 milhões de toneladas até o final da colheita.
Para a soja, que teve a colheita antecipada, houve grande procura por armazéns e silos. Há previsão de 5,2 milhões de toneladas de estoques finais no atual ano-safra, e o comércio mundial está operando em ritmo relativamente lento.
O efeito direto e danoso das mazelas crônicas da inadequação do sistema de escoamento das safras, tanto no espaço (via sistema de transporte) como no tempo (via sistema de armazenagem), com o represamento de volumes colhidos nos períodos de safra, é a queda dos preços dos produtos, mormente em regiões carentes dessas infraestruturas, como o Centro-Oeste brasileiro e zonas de incorporação recente.
Por conta dos preços baixos vigentes para o milho e para a soja, parcela substancial da safra anterior dos principais grãos brasileiros ainda não foi vendida e continua armazenada. Como guardar as safras? Esta é, portanto, a grande questão do momento.
No período de 2000 a 2010, enquanto a produção de grãos aumentou 77%, o crescimento correspondente da capacidade estática de armazenagem foi de 52,6%, o que significa um déficit de 24,4 milhões de toneladas (Figura 1).
 
Figura 1 - Evolução da Produção de Grãos e da Capacidade Estática de Armazenamento, Brasil, 2000-2010.

¹A capacidade de 2009 foi mantida para efeito de comparação com a safra de grãos de 2010, face à inexistência de dado oficial para o ano em curso.  Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados da CONAB.
 
Embora a capacidade estática de armazenagem tenha crescido a taxa ligeiramente superior à da produção de grãos no período de 2000 a 2010, verifica-se que, em anos de grandes safras, como as de 2002/03, 2007/08 e a atual, os problemas de movimentação de mercadorias se agravam, com o descompasso entre oferta e demanda.
A situação só não é mais crítica dada a rotação de estoques, tendo em vista que os períodos de colheita dos produtos agrícolas armazenáveis não são coincidentes, além do que existe um período limite economicamente viável para a guarda de cada um deles. Assim, considerando o padrão universal de rotação de estoques (turnover de 1,5 vez no ano) usado como indicador de viabilidade técnica e econômica para a implantação de unidades armazenadoras, a capacidade dinâmica seria da ordem de 200 milhões de toneladas, acusando superávits de 5,6 milhões de toneladas para o total de produtos passíveis de estocagem, e de 53,1 milhões de toneladas no caso dos grãos, em particular.
Na prática, de fato, o que se constatam é a falta e a inadequação de unidades armazenadoras, tanto nos aspectos de qualidade como de localização geográfica. Quanto ao tipo, em granel e sacaria houve uma expressiva melhora, pois a capacidade para a armazenagem que dispensa sacaria já atinge cerca de 80% do total das unidades construídas. No momento estão sendo desenvolvidas ações estabelecidas pelo Sistema Nacional de Certificação de Unidades Armazenadoras, pela Instrução Normativa n. 3, de 08/01/2010 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), visando adequar as instalações e melhorar a gestão das unidades, com benefícios na qualidade e na redução das perdas dos produtos armazenados. No curto prazo, porém, esta exigência poderá afetar a comercialização de bens agrícolas, pois algumas unidades serão vetadas para a prestação de serviços a terceiros. Outros fatos, como a necessidade de segregação e surgimento de novos produtos, podem acarretar problemas no funcionamento a contento desta importante função de comercialização.
O crescimento da adoção da transgenia (nas culturas de soja e de milho) no Brasil tem sido exponencial, a ponto de considerar que os produtos obtidos por métodos convencionais passem, no curto prazo, a constituir nichos de mercado para atender segmentos e países específicos que evitam consumir organismos geneticamente modificados. A área cultivada com transgênicos no mundo em 2009 alcançou 134 milhões de hectares, com um acréscimo de 7% em relação ao ano precedente, o que evidencia o acelerado ritmo de adoção da tecnologia.
Isto posto, os reflexos no sistema de armazenagem de grãos são visíveis, dada a necessidade de segregação de lotes. Este fato exigirá cada vez mais o aumento de número de células para a separação dos produtos transgênicos dos convencionais. A produção de grãos orgânicos também vem crescendo significativamente. E brevemente os grãos poderão embutir nanotecnologias, exigindo do mesmo modo a separação de lotes.
Existe também o potencial de crescimento de áreas cultivadas de outros grãos, como triticale, milheto e canola. Novos grãos, ainda incipientes, poderão deslanchar e demandar cada vez mais espaço armazenador.
A necessidade de ampliação da rede de armazenagem, além da disponibilidade de recursos para investimentos por parte de produtores rurais e demais agentes do mercado, torna-se um quesito que merece atenção.
A situação da infraestrutura para a armazenagem de grãos poderia estar em melhores condições, pois há disponibilidade de recursos oriundos de vários planos governamentais. Contudo, grande parte dos agricultores está com dívidas pendentes e a grande soma de recursos exigida para a construção de silos tem inviabilizado a ampliação e modernização do setor.
No Brasil, a capacidade de armazenamento nas propriedades rurais, segundo as últimas informações oficiais disponíveis, não chega a 20%, e é muito baixa quando comparada a outros importantes produtores de grãos - Argentina, Estados Unidos e França, onde varia de 40% a 80%. Este fato compromete a logística de escoamento de safras e ainda impede o produtor de negociar suas colheitas em épocas mais oportunas.
Existem, no âmbito do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pelo menos dez linhas de crédito para financiamento da armazenagem, das quais seis são destinadas a produtores rurais.
Cabe lembrar que alguns programas oficiais de financiamento, como o destinado à estocagem de etanol e à recuperação de áreas degradadas (que tiveram pouquíssima procura), serão reformulados com redução de juros cobrados. Assim, é recomendável que os programas relativos à armazenagem também sejam revistos.
Na Argentina, país com agricultura de grãos semelhante à brasileira, foi encontrada uma solução para suprir a escassez de unidades armazenadoras, e que tem sido utilizada desde 2004: o silo bolsa (silo bag), feito com lonas de plástico. Há informações de que este tipo de equipamento já responde pela guarda de 42 milhões de toneladas no país vizinho, representando cerca de 60% das safras conjuntas de milho e soja5. Tem sido uma ferramenta utilizada pelos produtores argentinos para minimizar a baixa nos preços via retenção de produtos.
No Brasil, o uso desta técnica é ainda incipiente e a capacidade disponível chega a pouco mais de 3,5 milhões de toneladas, com destaque para os Estados da Bahia, Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás. Uma restrição ao seu uso "oficial" é que a legislação brasileira exige aeração e termometria para a guarda de produtos agrícolas6. Essas exigências têm por finalidade preservar a qualidade e propiciar maior tempo de armazenagem das mercadorias estocadas. Não é necessário que as unidades armazenadoras que trabalhem exclusivamente com açúcar sejam dotadas de sistemas de termometria e aeração (IN n. 3).
Ao considerar o grande potencial de crescimento com base nas condições naturais e tecnologia disponíveis, projeções realizadas para o agronegócio no período 2009/10 a 2019/20 apontam crescimento de 47,7% na produção de grãos (soja, milho, trigo, arroz e feijão). Se concretizados estes resultados, a produção desses grãos selecionados, que são responsáveis por substancial parcela do volume total brasileiro, deverá passar de 129,8 milhões de toneladas em 2008/09 para 177,5 milhões de toneladas em 2019/20, graças, sobretudo, ao expressivo crescimento da produtividade.
Essas cifras reforçam a necessidade de investimentos contínuos na infraestrutura de armazenagem, transportes e portos, para que o País tenha uma logística adequada de modo a atender o seu amplo e crescente mercado interno, e manter sua condição de importante competidor no mercado internacional de commodities e de produtos elaborados de origem agrícola.
O governo federal acaba de anunciar a dotação de R$1 bilhão para o próximo ciclo agrícola, destinado a construção, adequação e manutenção de armazéns. A intenção é ampliar de 15% para 30% a capacidade total de estocagem de produtos agrícolas nas propriedades rurais num período de cinco anos, com condições facilitadas para empreendimentos individuais e coletivos em termos de recursos, taxas de juros e prazos de pagamentos. Os recursos anunciados de modo geral foram considerados satisfatórios pelos produtores e, se os investimentos esperados forem concretizados, haverá certo alívio na comercialização das futuras safras.

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