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Cadeias de Valor versus Redes de Valor


Bayer

* Por Ivan Moreno


A partir de 1985, quando o conceito de “cadeia de valor” foi introduzido pelo prof. Michael Porter (Harvard Business School), todas as boas escolas de marketing apresentam aos seus alunos os fundamentos deste. Tal modelo é baseado na estruturação linear de empresas e processos necessários para a produção e comercialização de algum produto ou serviço.

Para ilustrar esse funcionamento, vamos exemplificar superficialmente a indústria aeronáutica. Nessa cadeia clássica podemos iniciar identificando empresas de mineração, que fornecem matéria-prima mais básica para a etapa subsequente de siderurgia. Após a produção da liga metálica, a mesma é enviada para a indústria responsável por etapas como design e produção das peças, disponibilizando-as para centenas de fornecedores de uma empresa de aviação responsável pela montagem de uma aeronave. Uma vez que a aeronave é montada, personalizada e entregue para a companhia aérea que a encomendou, começa a etapa mais elementar da venda e prestação de serviços de transporte aéreo.

Note que nesse modelo temos dois fluxos muito bem definidos: materiais e financeiro. O fluxo de materiais, que vai da matéria-prima até o produto ou serviço final, enquanto o fluxo financeiro se dá no sentido oposto, partindo do produto (ou serviço final) em direção aos fornecedores.

Analisando esses dois fluxos, fica evidente uma das teorias mais básicas do marketing que mostra dois caminhos fundamentais para aumentar a rentabilidade e sucesso de uma empresa, são eles: redução de custos ou aumento de receitas.

Essa perspectiva de empresas bem sucedidas a partir da redução de custos ou aumento de receitas traz ao mundo dos negócios o conceito de escala. Onde uma empresa capaz de gerenciar grandes volumes de compras e produção, formar uma grande rede de distribuição, investir substancialmente em pesquisa e desenvolvimento e administrar complexas operações de marketing e vendas, despontam como players vencedores em seus mercados. Esse funcionamento de mercado também é demostrado na teoria das “5 forças de Porter” quando vemos o “poder de barganha” com fornecedores e clientes, bem como as “barreiras de entrada” para novos jogadores e substitutos.

O que muda nesse jogo a partir da internet, da democratização tecnológica e facilidade de acesso a informação?

Tais fatores nos colocam em uma realidade sem precedente histórico. Vivenciamos uma era, onde a capacidade de conexão, compartilhamento de conhecimento e trabalho coletivo transformou cada indivíduo ou cada corporação em um hub de uma rede, atuando com múltiplos papeis, em detrimento a ser um elo de uma cadeia com um papel único.

Vamos agora tomar como exemplo o mercado agrícola brasileiro, que historicamente também estava organizado no formato de cadeia de valor tendo playes bem definidos em cada etapa. 

Indústrias nacionais e multinacionais fornecendo insumos agrícolas a uma rede de distribuidores e cooperativas, que disponibilizavam tais produtos a agricultores, possibilitando que os mesmos executassem suas lavouras e entregassem, ao final de uma safra, os produtos agrícolas a trades e indústrias de alimentos, entre outros.

Para entendermos esse fenômeno dos múltiplos papeis, vamos isolar as capacidades de um agricultor atualmente. Pelo acesso fácil a tecnologias de produção agrícola esse agricultor é capaz de produzir em sua própria fazenda parte dos insumos necessários para a próxima safra. Como exemplo, podemos citar sementes de soja e milho. 

Alguns desses agricultores, além de produzirem insumos para sua própria área, desenvolveram capacidade de produzir sementes para indústrias detentoras de tecnologia, transformando-se em fornecedores das empresas, que historicamente foram clientes.

Além desse papel, esse agricultor, também tem capacidade de fornecer sementes para distribuidores que as comercializam em outras áreas, tornando-se novamente fornecedor dos seus habituais e antigos fornecedores.

A partir do fácil acesso a novas tecnologias como agricultura de precisão, imagens de satélites e análises por modelos preditivos, esse mesmo agricultor não é mais dependente de consultorias técnicas - que antigamente eram oferecidas por distribuidores ou profissionais autônomos. Adicionalmente, usando dados de histórico de produtividade, informações de clima e previsibilidade futura de produção, adquiriu a capacidade de negociar os termos dos seus financiamentos agrícolas junto a bancos e seguradoras, demostrando garantia da entrega da produção.

Por fim, esse mesmo agricultor, possui, atualmente, a capacidade de negociar sua produção agrícola diretamente com players internacionais, executando o papel que antigamente era feito por uma trading.

E com esse exemplo fica mais fácil compreender o conceito de múltiplos papeis, onde um agricultor se transforma em um empresário rural pela capacidade de atuar como fornecedor para a indústria, fornecedor para distribuidores, consultor técnico, negociador de crédito, exportador e também agricultor.

Com essa nova realidade, a visão tradicional de mercado baseada em cadeia de valor, não se sustenta, pois ela tem como base um único papel desse player, em uma realidade onde ele atua com múltiplos papeis.

Nessa nova configuração, o fluxo de produtos, bem como o fluxo de capitais não se dá de maneira linear e sim de maneira difusa, fluindo na direção de indivíduos e empresas que conseguirem se consolidar como hubs desse ecossistema pela quantidade de conexões que conseguirem promover. O fluxo de capitais se dará das pontas para os hubs, como exemplo o Uber, Netflix, Amazon e Google. Empresas que tiveram a capacidade de se estabelecerem como hubs poderosos se alimentando de infinitas conexões.

A partir dessa nova realidade e voltando ao modelo das ‘5 forças de Porter’ os futuros “Entrantes” ou “Substitutos” do mercado, muito provavelmente, não estão e nem conhecem profundamente sua “cadeia de valor”, mas serão as empresas ou indivíduos capazes de criar conexões com as múltiplas atuações do seu cliente que você não enxerga por olhar o mesmo por um único prisma.

*Ivan Moreno é formado em Processamento de Dados pela Universidade Mackenzie com MBA em Marketing pela ESPM e cursos de extensão pela  Universidade de St.Gallen (Suíça) e Concordia University (Canadá).

Possui 20 anos de experiência em empresas multinacionais do mercado agrícola em posições de liderança nas áreas de TI, Supply Chain e Marketing.

Atualmente, Ivan é Diretor de Acesso ao Mercado da divisão Crop Science da Bayer. Entre suas responsabilidades, está a construção de estratégias de relacionamento da empresa com diversos públicos como agricultores, distribuidores, cooperativas e consultores.
 

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