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Transferir o patrimônio em vida é mais seguro para a família do campo.


Tiago Britto Sponton
Grande parte dos clientes que trabalham como produtores rurais sente no avançar da idade a preocupação em transmitir aos filhos os segredos e a condução do negócio. Muito mais da metade daqueles com quem já conversei tem predileção em nomear o filho homem como sucessor, por ver nele uma natural inclinação para o comando dos negócios.
Particularmente acho que os tempos mudaram, e não só quanto ao fato das mulheres terem idênticas condições, mas quanto ao fato de que o receio do produtor deveria hoje ser muito maior quando o pensamento está na transferência da condução.
Se você tem um único herdeiro, a escolha não será muito difícil, e o objetivo é facilmente atingido.  Se são muitos, de outro lado, toda a história muda de figura. Não se trata apenas de escolher um sucessor. O problema está em saber se o escolhido irá mesmo conseguir cumprir com a vontade do patriarca ou da matriarca. Vejam que se tudo for apenas “apalavrado” como no costume do campo, nenhuma garantia haverá de que após o falecimento o patrimônio não seja inclusive dividido e, ainda, de que não sejam vendidas as partes que deixem de interessar aos herdeiros que pouco ou nenhum interesse nutram pela riqueza gerada pela terra.
Na ausência de um planejamento sério, os herdeiros se tornarão proprietários em comunhão e a terra um condomínio. A chamada comunhão gerará sempre o direito de preferência no caso de venda, mas não garantirá que o filho não se desfaça de sua parte em favor do outro, nem que um terceiro adquira parte da propriedade quando o outro, ou os outros, não tiverem recursos suficientes à aquisição do que for posto à venda.
Então se o sonho foi de que nada fosse vendido, se o sonho foi o de que os filhos compreendessem a importância da terra, o patriarca ou, repito, a matriarca, erraram ao não definir regras quanto ao destino do patrimônio que iriam transferir.  Erraram ao não explicar aos filhos que mesmo não participando diretamente da execução do negócio deveriam manter sua participação, pois poderiam ter ali uma fonte de renda perene se bem administrada. E erraram ao ignorar que poderiam ter preparado toda a família para compreender o patrimônio como um negócio e como um negócio que deve ser profissionalmente administrado. Não se trata de tentar brincar de Deus, como ouvi de um cliente, fazendo um testamento recheado de cláusulas de incomunicabilidade, inalienabilidade e impenhorabilidade. E não se trata de simplesmente constituir uma empresa. O planejamento sério é que o vai conhecer as aspirações individuais, as vaidades, que vai trabalhar as diferenças e capacitar os diferentes, ou seja os seres humanos diferentes e únicos de cada família, para a compreensão do patrimônio, do negócio, das capacidades de geração de riqueza, na tentativa de harmonizá-los com as aspirações individuais. Só assim é que se abre o flanco para que a família seja capaz de dar um passo importante para a perpetuação da riqueza que se dá com a constituição de uma empresa que irá assumir o patrimônio familiar, levando para dentro dela, e para dentro das regras dela, mecanismos de incentivo do negócio, da boa administração da receita, da transparência das informações, da criação de canais de participação de todos os herdeiros -- mesmo daqueles que não tenham o interesse em exercer diretamente atividades cotidianas dessa empresa.
É claro que a criação de uma empresa familiar, ou de uma holding familiar é, via de regra, mais conveniente também do ponto de vista tributário, na medida em que as alíquotas devidas na operação, mesmo com a transferência do patrimônio em vida através da doação de quotas aos herdeiros, serão inferiores às cobradas em um inventário (sem contar a economia com o não  pagamento de custas judiciais e honorários advocatícios calculados sobre o monte mor).
Não obstante, o que se busca ou, melhor dizendo, o que deveria ser buscado pelo produtor que vez ou outra se vê pensando sobre o tema é a criação de um cenário que sirva de incentivo para que a família permaneça unida no negócio independentemente da mera vontade, do simples desejo de que o mesmo dever de auxilio hoje prestado pelo patriarca ou matriarca continue sendo praticado. Transferir a responsabilidade para uma empresa, com a participação dos herdeiros, enfim, é parte do caminho. É parte porque deveria ser iniciado com a reunião de todos os envolvidos e com a apresentação das preocupações comuns, dos desejos, anseios e assim, ou só assim, sucedido da criação de uma entidade, de uma sociedade familiar, dotada de mecanismos que sirvam para que o negócio possa se manter sustentável e para que todos possam inclusive confiar em um dentre vários herdeiros para chefiá-la de forma transparente e em conformidade com exigências plausíveis dos demais – tudo no campo negocial, com a seriedade\maturidade que esperamos de todos os seus sócios. 
Então antes da simples escolha do filho homem, antes da simples constituição da holding, da economia de tributos, é a família que precisa estar no centro do processo sucessório, sabendo que a participação em uma sociedade exige comedimento, respeito às regras, respeito ao outro e devoção a um espirito colaborativo. Tiago Britto Sponton ([email protected]) Fundador da Britto Sponton Advocacia e especialista em Direito Empresarial pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 

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