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“É mais eficiente gerar emprego onde somos bons”

Para cientista exportação de commodities não deve ser menosprezada


Para cientista político Alberto Almeida, exportação de commodities não deve ser menosprezada
 
Na semana passada, o governo federal anunciou um pacote de medidas para estimular e proteger setores da indústria nacional. Entre eles, a desoneração da folha de pagamento e o aumento dos tributos sobre produtos importados. Poucos dias antes, quando o pacote já era aguardado, o cientista político Alberto Carlos Almeida publicou na revista Época um artigo em que fazia uma provocação: melhor do que tentar manter emprego nesses setores seria se esforçar para gerar empregos nos setores que já têm sucesso nas exportações.

A ideia polêmica vem de uma análise de âmbito mais social e político do que propriamente econômico. Autor dos livros “A cabeça do brasileiro” e “A cabeça do eleitor”, Almeida comandou as pesquisas de opinião da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e da Ipsos. Hoje dirige o Instituto Análise.
Almeida reconhece que muitas demandas da indústria são legítimas e que é preciso diminuir o Custo Brasil. Mas em outro artigo, publicado no jornal Valor Econômico em fevereiro, ele afirma que o Brasil “escolheu não ter indústria” quando escolheu ter saúde e previdência públicas. Potências industriais como a China e Índia não têm nenhuma das duas coisas, por isso as pessoas de todos os níveis de renda poupam dinheiro para eventualidades. Esses recursos poupados geraram crédito para o desenvolvimento e o crescimento da indústria.

Sou Agro – Por que ainda há uma forte visão de que apenas a indústria de manufatura agrega valor e gera emprego localmente?
Alberto Carlos Almeida – Isso vem dos anos 1950, quando prevalecia a visão de que país forte é país com indústria. Mas naquela época não haviam os mercados gigantescos da Ásia demandando commodities. Também acho que essa visão vem do fato de o Brasil ter mente de engenheiro. Os engenheiros acham que a indústria emprega mais e que, tendo um bom produto, a empresa consegue vender. Hoje não é mais assim; é preciso ter canais de venda, ter um bom marketing.

O câmbio prejudica os exportadores. Há como o governo interferir mais nesse sentido?
Se o real se desvalorizasse, a pressão política por proteções à indústria diminuiria, por exemplo. Muita gente que hoje atira no alvo correto, que é o Custo Brasil, vai parar de atirar se o câmbio melhorar. Mas câmbio não depende só do Brasil e temos mais de 12 anos de manutenção de parâmetros econômicos com câmbio flutuante. Então, por que onerar toda a sociedade para tentar controlar um problema, e com efeitos duvidosos?

Então o governo não deveria tentar desvalorizar a moeda?
Veja bem; a sustentabilidade política de um câmbio pró-exportação é pequena, porque gera inflação. Isso afeta a vida de todas as pessoas, tem um custo político muito alto.

Mas outros países estão seguindo essa linha. Você acha que o Brasil nunca será uma potência industrial como Alemanha, China ou Índia?
O verdadeiro limitante para a indústria brasileira é a nossa capacidade de investimento. Nunca vamos chegar ao patamar chinês ou indiano, porque decidimos gastar com a previdência pública e o Sistema Único de Saúde (SUS), coisas que não existem nesses outros países. Na China ou na Índia, as pessoas precisam poupar para garantir sua saúde e sua velhice, então os índices de poupança são muito maiores e, consequentemente, há mais recursos disponíveis para crédito.

A solução seria, de certa forma, desistir da indústria nacional?
A demanda da indústria por maior competitividade é legítima. O câmbio deixou desnudo esse problema de competitividade, que reside naquilo que todos já conhecem: Custo Brasil, carga tributária etc. A situação é muito ruim para o empresário, que hoje está mais exposto à competição global. Por isso, Mas todas as exportações estão sujeitas às mesmas dificuldades, sejam industriais, agropecuárias ou minerais.

O que, então, o governo deveria fazer para estimular a indústria?
Todas as medidas de proteção à indústria estão sendo tomadas para que não se percam empregos. Mas não perder empregos industriais equivale a gerar empregos em outras áreas. É muito mais eficiente ajudar quem já exporta a gerar mais empregos. Além disso, as proteções à indústria dificilmente vão ficar em vigor para sempre. Pode-se até proteger em um primeiro momento, mas depois seria preciso tomar medidas que realmente aumentem a competitividade.

Setores do agro reclamaram por não terem sido incluídos no programa Brasil Maior. Você acha que isso foi um erro?
O fato de as demandas da indústria serem legítimas não impede o Brasil de ter uma colocação internacional forte em commodities. O agro deixou de ser coisa do Jeca Tatu, hoje é coisa avançada. A indústria está na cidade, por isso a mobilização da sociedade em sua defesa é mais fácil. Mas talvez o setor agropecuário seja forte justamente porque não tem proteção do governo. Talvez seja bom que seja assim. Parece-me que os empresários do setor só querem estabilidade de regras, que o resto eles resolvem. Além disso, o agro tem uma barreira de comunicação com o povo da cidade, mas ela pode ser contornada.

Como?
Acho que o ponto de encontro com a massa pode estar no elemento ambiental. Esse é um ponto que me preocupa muito, porque existem indícios de que os recursos naturais são escassos. É preciso aproveitar as oportunidades sem colocar a perder a galinha dos ovos de ouro. Quando comparamos o Haiti e a República Dominicana, dois países que dividem uma ilha, vemos que parte do sucesso dos dominicanos está ligado ao meio ambiente. No Haiti, tudo foi destruído e a República Dominicana aproveita muito a sua natureza.

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