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“Um presente de grego construído pela metade”

Secretaria concluiu apenas uma parcela das obras de construção de cisternas no RS


Extinta no início do primeiro ano da administração petista, a Secretaria criada na gestão Yeda Crusius especialmente para elaborar e subsidiar projetos de irrigação, concluiu apenas uma parcela das obras de construção de cisternas financiadas pelos agricultores. Agora ,o Governo do Estado estuda a criação de um novo Plano de Irrigação para minimizar efeitos de futuras estiagens sem dar continuidade às obras iniciadas em muitas propriedades
 
“É um presente de grego construído pela metade”, resume o diretor da Escola Estadual de Educação Profissional de Carazinho (EEEPROCAR), Celito Luiz Lorenzi, ao avaliar o projeto de irrigação iniciado pelo Governo do Estado na sede da Escola, entre os anos de 2009 e 2010, mas que ainda não teve um fim. A proposta, conta Lorenzi, era construir uma cisterna para armazenar água da chuva e reutilizá-la, posteriormente, na manutenção e limpeza das salas de aula, alojamentos e no abastecimento dos animais, entre outras utilidades. “Porém, isso nunca aconteceu, porque a cisterna não foi concluída”, relata.

Conforme o diretor da EEEPROCAR, o projeto técnico foi elaborado com apoio do Escritório da Emater/RS – ASCAR de Carazinho, que realizou as medições e articulou a construção de um reservatório de 3m² x 5m², suficiente para atender parte da demanda da instituição. “As obras tiveram início com o Governo do Estado nos concedendo as licenças necessárias e efetuando a escavação da abertura. Faltava fazer toda a ligação dos tubos de PVC entre a estrutura da cisterna e a escola. Contudo, nos informaram que faltou recursos e que a construção seria retomada assim que houvesse disponibilidade financeira. Ainda estamos aguardando isso acontecer”, lamenta, destacando que a obra está parada desde então. “Sem a colocação dos canos não têm como utilizar a cisterna. Desse projeto de irrigação restou um buraco na propriedade, coberto por uma lona preta para evitar o desmoronamento e o acúmulo de resíduos verdes no espaço”.

A interrupção da obra na cisterna da EEEPROCAR é apenas uma das muitas que ocorreram em todo o Estado. O problema, segundo o secretário Estadual de Obras Públicas, Irrigação e Desenvolvimento Urbano (SOP), Luiz Carlos Busato, tomou forma a partir do momento em que o Governo do Estado determinou que a SOP não realizasse mais estas obras em cisternas, transferindo a responsabilidade para a Secretaria de Desenvolvimento Rural e Cooperativismo (SDR). “Todos os processos que nós tínhamos, transferimos para a SDR”, enfatiza Busato, acrescentando que a Secretaria de Obras, a partir do começo da gestão do governador Tarso Genro, entendeu que não deveria dar continuidade ao programa de irrigação formulado pela administração anterior. “O nosso objetivo é desenvolver um novo plano estadual de irrigação com um foco diferente e que, efetivamente, atenda as nossas necessidades. Desta forma, fomos orientados a devolver o dinheiro da contrapartida paga pelos produtores cadastrados no projeto das cisternas”.

FETAG afirma que situação pode gerar “descrédito dos produtores”
Anunciado no final do governo Yeda Crusius, o programa gaúcho de irrigação – batizado de Pró-Irrigação/RS – tornou-se praticamente obsoleto com a transição no governo do Estado e a extinção da Secretaria Extraordinária da Irrigação e Usos Múltiplos da Água (SIUMA), criada para coordenar iniciativas e programas de irrigação no Estado, deixando inacabados pelo menos 281 projetos de cisternas e o valor desembolsado como contrapartida pelos agricultores – cerca de 20% do total –, no caixa do Governo.

“Como é que os agricultores vão investir em obras deste tipo se não tem certeza que elas serão concluídas?"

Conforme a Secretaria de Obras Públicas e Irrigação, apenas 140 das 421 propostas elaboradas entre 2009 e 2010 foram concluídas. O argumento principal é de que faltou orçamento para garantir a contrapartida necessária para a execução dos projetos, pois a verba prevista pela extinta SIUMA foi transferida para a SDR, diferentemente dos processos que não migraram para a Secretaria, viabilizando sua continuidade e evitando danos como os que chegaram a seca deste ano. “As orientações que nós estamos dando aos produtores que tinham projetos deste tipo e efetuaram o pagamento da contrapartida é de que nos procurem para que possamos devolver o dinheiro. Além disso, indicamos que reiniciem o processo da Secretaria de Desenvolvimento Rural”, atesta Busato, observando, contudo, que o Governo ainda não tem um levantamento atualizado do número exato de agricultores envolvidos.
O impasse burocrático entre as Secretarias e a falta de continuidade em projetos de interesse social e econômico, acredita o assessor de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores da Agricultura Familiar (FETAG), Airton Hochscheid, pode gerar “descrédito dos produtores” em futuros programas governamentais. “Como é que os agricultores vão investir em obras deste tipo se não tem certeza que elas serão concluídas? Essa falta de resolutividade é bastante prejudicial”, defende ele, comentando que a Federação está buscando mapear o número de produtores afetados pela suspensão das obras.

Para Hochscheid, o Estado precisa articular uma política permanente de irrigação. “O assunto só é discutido quando a estiagem já provocou quebras significativas de produtividade. Na primeira chuva, se esquece quase que completamente da situação. E isso precisa mudar com urgência”, aponta o assessor da FETAG, classificando como um “retrocesso” o fato de muitos produtores terem tentado construir, sem sucesso, cisternas para armazenamento de água em suas propriedades. “O Governo atual, ao mesmo tempo em que anuncia a construção de 439 açudes, não dá continuidade a 381 projetos de irrigação iniciados na gestão passada”.

Novo Plano Estadual de Irrigação
A SOP deve lançar, no próximo dia 1º de março, um novo Plano Estadual de Irrigação, considerado pelo secretário um projeto “global de ações com o objetivo de estimular a diversificação das culturas produzidas no Estado”. “Todos os nossos projetos para irrigação têm sido focados, principalmente, no arroz. Então, nós queremos privilegiar outras culturas, como o milho, o feijão e a soja, com isso possibilitando também a abertura de novos mercados e o aumento da renda do nosso agricultor”, revela Busato, apontando ainda que a SOP irá trabalhar de maneira conjunta com outras secretarias – principalmente as de Meio Ambiente e de Desenvolvimento Rural –, além dos órgãos financeiros para possibilitar a expansão de água no Estado. “Vamos agilizar junto às instituições financeiras linhas de crédito que ofereçam melhores condições para aquisição de equipamentos e tecnologias de irrigação”.

“Para Hochscheid, o Estado precisa articular uma política permanente de irrigação. “O assunto só é discutido quando a estiagem já provocou quebras significativas de produtividade. Na primeira chuva, se esquece quase que completamente da situação. E isso precisa mudar com urgência”

Segundo Busato, para a elaboração do Plano Estadual de Irrigação, a Secretaria de Obras está construindo um estudo técnico analisando os aspectos físico-ambientais, climatológicos, socioculturais, econômicos, institucionais e legais de cada região visando transformar os problemas locais, relacionados à demanda de água, em políticas de Estado. “Esta primeira etapa do Plano levará seis meses para ser concluída. A partir disso é que vamos direcionar projetos específicos para cada região”, reitera ele, frisando que o Estado já está atuando emergencialmente no combate a seca. “No ano passado construímos 450 açudes e estamos com mais 302 em andamento. Nos próximos dias vamos dar a ordem de início para a execução de mais 433 açudes no Estado, totalizando aproximadamente 1.200 açudes feitos para reduzir os impactos da seca”.

Apesar dos números apresentados por Busato, o assessor de Política Agrícola da Federação considera o Plano “pouco ousado para a necessidade do Estado”. Conforme Hochscheid, os açudes anunciados pelo Governo são insuficientes para a demanda. “São pouco mais de 400, enquanto somamos 441 mil propriedades no Estado. E os pequenos e médios agricultores dificilmente terão acesso, pois a burocracia e os custos tornam inviáveis a construção”, adverte.

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