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A gripe suína será mesmo pouco perigosa?

A gripe suína será mesmo pouco perigosa?


Em 2005, quando a gripe aviária ameaçou adentrar a Europa, estava morando em Portugal. Na época, a gripe aviária era apenas uma doença que se transmitia das aves para o ser humano, não tendo ainda sofrido a mutação necessária capaz de permitir a transmissão direta entre humanos. Mas isso poderia acontecer se por um acaso um humano contaminado pela gripe aviária também estivesse com a gripe comum.

Não sou nenhum especialista no assunto, mas essas informações eram diariamente passadas nos telejornais, sempre como manchetes. Parecia que estávamos diante da doença que dizimaria a população mundial. De fato, as aves todas morriam. Seria um exagero de um povo sobrevivente da mortal Gripe Espanhola ou de fato estávamos diante de uma gripe mortal?

Fiquei morando em Portugal durante 6 meses, ouvindo e aprendendo tudo sobre gripe aviária, inclusive já sabendo que o antiviral para seu tratamento era o Tamiflu. De fato, a população européia, com a ameaça de receber a contaminação da gripe aviária, foi às farmácias para comprar o remédio como precaução, para tê-lo em casa na hora da contaminação. Essa procura foi tão intensa que terminou o remédio nas prateleiras e até no fabricante. Tiveram o governo português e de outros países europeus que intervir junto ao fabricante para que acelerasse sua produção, pois a população já estava em pânico.

Para acalmar a população, o governo português prometeu distribuir o Tamiflu a todos, informando que ninguém precisaria comprá-lo em farmácia. Lembro-me bem que quando havia esta escassez do remédio, esteve na Europa nosso querido presidente e lhe perguntaram se o Brasil estava preparado para a gripe aviária, tendo ele respondido que estava muito tranquilo, pois todas as aves do Brasil eram devidamente vacinadas!

Tal declaração obviamente repercutiu naquele país como mais uma boa piada de brasileiro e por isso tomei conhecimento de tal informação. Engraçado que quando voltei ao Brasil, em dezembro do mesmo ano, percebi que o temor da gripe aviária havia acabado. De fato, eu quase comprei o Tamiflu em Portugal para trazer ao Brasil, pois achava que não o encontraria aqui. Mas, chegando aqui, morreu a gripe aviária, morreu o assunto. De fato, ninguém aqui sabia o que era o Tamiflu e a gripe aviária era mais uma daquelas doenças que ficam na Ásia, África e Europa. Na época, adotei a mesma postura e esqueci dela.

Recentemente, estourou a gripe suína, sendo que o vírus influenza H1N1 é o mesmo da gripe aviária. E não me surpreende ter vindo à tona o vírus no outro lado do Atlântico, em um país em desenvolvimento, que não deve ter "vacinado" suas galinhas, ou melhor, seus porcos. Se isso tivesse acontecido na Europa, no primeiro caso, já teriam matado todos os porcos e distribuído Tamiflu a todos. Mas no México, era só mais uma gripezinha, que de repente começou também a matar os porcos. Quando isso foi constatado, já tínhamos quase 1000 casos espalhados por outros países. Se foi o boi com a corda... E quando veio a noticia, a transmissão já se dava entre humanos, ou seja, já se tratava da versão evoluída da doença, que deve ter passado das aves para os porcos e destes para os humanos.

Pois bem, a gripe suína se espalhou e hoje já se encontra no mundo todo. Nos países mais preocupados, os porcos já foram mortos, outros já decretaram estado de alerta, como a Argentina, outros, mais prepotentes, como os EUA, informam que não passa de uma gripe com menor índice de mortalidade do que a gripe comum.

Mas a visão brasileira realmente parece ser ímpar. Aqui recomenda-se que os brasileiros não devem ir para o Chile e Argentina, mas, por outro lado, a população destes países pode entrar sem restrição em nosso país. Além disso, como esta gripe tem os sintomas parecidos com os da gripe comum, não precisa mais fazer o exame para ver se é ou não a gripe suína. E se por acaso for, o governo só fornecerá o tratamento se a pessoa estiver no grupo de risco.

Tal procedimento baseia-se nas declarações infundadas de que trata-se de uma gripe de menor periculosidade do que a gripe comum. São infundadas porque a gripe suína tem remédio já comprovadamente eficaz no tratamento, desde que tratada no início dos sintomas. Por sua vez, a gripe comum não tem um tratamento eficaz. O fato de a gripe suína devidamente tratada ter índice de mortalidade menor do que uma gripe comum, sem tratamento, não implica que a gripe suína é menos perigosa do que a comum.

Como a gripe suína disseminou-se nos EUA e lá todos receberam o tratamento adequado, o índice de mortalidade realmente foi baixo, como declarado por esse país. Mas daí o nosso governo declarar que somente irá fornecer o tratamento para o grupo de risco, dada a baixa periculosidade da doença, é de uma leviandade sem precedentes.

Paralelo a este posicionamento, morreu o primeiro brasileiro da doença, que não teve o tratamento no início dos sintomas e não estava no grupo de risco. Mesmo assim, nosso governo informou não alterar sua estratégia. Aguardem, pois logo, logo nosso país será o responsável pelo aumento da taxa de mortalidade da gripe suína. Enquanto isso não acontece, rezemos para que o vizinho não viaje para a Argentina ou que a vacina chegue primeiro.

Eu ainda vou tentar comprar o Tamiflu na farmácia, já que não trouxe da Europa, pois quando a doença chegar mesmo, o remédio vai faltar. Digo tentar, porque até imagino a cena na farmácia, ao pedir este remédio, com o farmacêutico não retornando de dentro do almoxarifado e em 15 minutos aparecer uma viatura da polícia acompanhada de médicos vestidos de astronauta para me levar a um centro hospitalar: afinal quando um brasileiro compraria um remédio antes de ter a doença?

Do governo brasileiro, esperemos que os porcos sejam vacinados!
 
Este artigo foi escrito por um leitor do Globo.

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