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A inadimplência é impecílio para a renegociação de dívidas

No total, os programas beneficiaram cerca de 1 milhão de produtores


A renegociação do crédito rural, iniciada em 1995, consistia um grupo de devedores de porte médio com um saldo devedor estimado em R$ 8,5 bilhões e um grupo de grande porte com um saldo devedor de R$ 9 bilhões. Em 1999, acrescentou-se um grupo de cooperativas com saldo de R$ 800 milhões. Em 2002, foi a vez dos devedores do programa de reforma agrária e da agricultura familiar, com R$ 3,3 bilhões. No total, os programas beneficiaram cerca de 1 milhão de produtores.

As sucessivas negociações congelaram a concessão de crédito bancário para o setor rural de 1996 a 2000 num montante de R$ 20 bilhões, correspondente à parte boa das carteiras. Quando os contratos de repactuação começaram a ser assinados e o Tesouro Nacional entregou para os bancos os títulos da dívida pública que serviam de compensação para as perdas de ativos implícitas na renegociação (valor aproximado de R$ 7 bilhões), os empréstimos voltaram a crescer, atingindo R$ 48 bilhões no fim de 2004. Num cenário novo, sem incerteza sobre o cumprimento dos contratos, o volume de crédito cresceu 140%.

A partir de outubro de 2002, começaram a vencer as primeiras parcelas da dívida renegociada, com juros variando entre 2% e 4% ao ano, prazo médio de vinte anos e um saldo devedor corrigido de R$ 16,8 bilhões (um montante pouco acima de R$ 3 bilhões foi liquidado pelos produtores antecipadamente).

Numa estimativa conservadora, o pagamento corresponderia a R$ 500 milhões de juros mais amortização anual de R$ 350 milhões dos médios produtores. Em 2002, foram pagos R$ 650 milhões e em 2003, R$ 257 milhões. Não dispomos dos números oficiais para 2004, mas sob ameaça de cobrança, a inadimplência foi muito menor.

A ocorrência da seca no Sul do País criou uma situação nova, que justifica a repactuação da parcela vincenda neste e nos próximos dois anos para permitir a recomposição da capacidade de pagamento dos produtores rurais.

O fato básico é que essa inadimplência apareceu de novo em dois anos agrícolas excepcionalmente bons (2002 e 2003). No ano passado, a inadimplência foi significativa nos contratos privados de crédito (com uso das CPRs) e uma sucessão de ações ajuizadas questionando a natureza dos compromissos embutidos naquele contrato. Estamos convergindo para um novo episódio de incerteza sobre o cumprimento dos contratos; a conseqüência provável é um estancamento do de crédito para o setor rural, semelhante ao que ocorreu entre 1996 e 2000.

Um aspecto relevante é que essa parcela do endividamento rural envolve o Estado e tem prazo longo e juros baixos para o padrão internacional. Para o orçamento da União, esse programa tem custo adicional de entre R$ 2 bilhões e R$ 3 bilhões anuais. É difícil fugir da avaliação de um excessivo oportunismo dos produtores e de suas lideranças na condução deste processo e das suas expectativas a respeito da função da bancada ruralista como guardiã dos interesses mais elevados do empresariado rural.

A representação dos interesses do setor passa por uma transformação devido às mudanças do cenário político, mas também pelo esgotamento do processo de crescimento econômico com endividamento crescente do setor publico. A experiência na Constituinte já havia colocado a questão social e a reforma agrária como divisor de águas, colocando os sem terra e a agricultura familiar em um campo oposto ao dos grandes produtores. A necessidade de controle do déficit público e da inflação limitam a concessão de crédito pelo governo enquanto o orçamento da União assume a função de lócus de negociação de transferência de recursos.

É fundamental a existência de um grupo de interesse que é capaz de mobilizar opinião publica e levar, aos congressistas e tecnoburocratas, uma pauta de reivindicações legítimas. A alternativa é um conflito que pode comprometer esse ciclo de crescimento acentuado do setor agropecuário.

Guilherme Leite da Silva Dias é professor da Faculdade de Economia e Administração da USP

kicker: A questão básica é que a inadimplência reapareceu em dois anos agrícolas excepcionalmente bons (2002 e 2003)

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