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A sociedade civil discute a criação da Alca


A presença da alta cúpula do setor agrícola dos Estados Unidos na reunião sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) com a sociedade civil tem um significado claro, na opinião de Pedro de Camargo Neto, conselheiro da Sociedade Rural Brasileira (SRB). "Isso significa que a mobilização é maior do lado que está do lado perdedor", afirma Camargo Neto, ao referir-se à pouca participação de mais representantes brasileiros.

Segundo ele, na questão agrícola o Brasil está levando vantagem na Alca, desde que o assunto seja incluído nas negociações. "Se essa questão entrar nas negociações os Estados Unidos vão perder porque somos mais competitivos, por isso o grande interesse deles no assunto e a presença das principais lideranças aqui nessa reunião", afirma.

Na opinião de Bob Stallman, presidente da American Farm Bureau Federation, a principal organização agrícola dos Estados Unidos, a formação da Alca trará resultados positivos e irá melhorar a situação comercial dos 34 países envolvidos na formação do bloco.

"A Alca será positiva para todos os participantes. O México já conseguiu bons resultados fazendo parte do Nafta em sua balança comercial", afirma Stallman.

De acordo com o representante dos Estados Unidos, apesar de a Alca envolver o livre comércio, alguns assuntos precisam ser resolvidos no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). "O acesso ao mercado e regras sanitárias podem ser tratadas dentro da própria Alca, mas assuntos, como o apoio doméstico, precisam ser conversados na OMC", afirma.

A justificativa para que os norte-americanos só negociem a redução de subsídios na OMC se deve ao virtual enfraquecimento que o país teria perante a União Européia e ao Japão. "Se retirarmos o apoio doméstico vamos perder em relação à Europa e Japão. Queremos estimular que um número maior de países ingresse na Alca para que junto com os Estados Unidos possam exercer uma pressão maior na OMC para reduzir os subsídios na Europa e Japão", afirma.

Sociedade civil

Na primeira Reunião Temática do Comitê de Representantes Governamentais sobre a participação da sociedade civil no processo de criação da Alca, ocorrida ontem em São Paulo, entidades nacionais e internacionais contrárias à constituição da área livre se manifestaram por meio de um documento que pede mais transparência nas negociações. "Não reconhecemos esta reunião como uma consulta oficial à sociedade civil americana, uma vez que não houve nenhuma negociação da agenda dos temas sobre agricultura que seriam discutidos", diz Alberto Ercílio Broch, diretor da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadores Rurais em Agricultura (Contag).

De acordo com ele, a ausência de um regulamento sério de participação da sociedade civil impede uma discussão mais abrangente, que contemple todos os setores da agriculturas, desde os camponeses, indígenas, pequenos e médios produtores, além dos majoritários.

Para João Pedro Stedile, representante do Movimento Sem Terra (MST), dois pontos são fundamentais nas discussões sobre a Alca: como os governos vão estimular e garantir a participação popular neste processo, e quais as garantias de que as reuniões e teses sobre o assunto serão levadas em consideração na constituição da área de livre comércio. "Nossas propostas são de que os governos criem um horário gratuito na TV para divulgar a Alca, destinem recursos para construção de material didático a ser distribuído em escolas, e que sejam organizadas em cada país conferencias nacionais sobre diversos temas", diz.

O documento que não aprova a Alca nos moldes atuais teve a adesão de 21 organizações do segmento agrícola de Brasil, Nicarágua, Colômbia, Equador e Venezuela. O evento foi promovido pelo Ministério das Relações Exteriores e reuniu representantes de 34 países que negociam a implantação do novo bloco econômico.

Abertura de mercados

Uma das prioridades brasileiras nas negociações da Alca é a abertura de mercados, principalmente nos Estados Unidos. "Vamos priorizar o acesso ao mercado, já que está claro que sabemos que os norte-americanos não vão negociar o apoio dado aos produtores locais na Alca. Essa negociação vai acontecer só no âmbito da Organização Mundial do Comércio", afirma Tovar Nunes da Silva, coordenador da Alca no Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

Segundo Silva, priorizando apenas o acesso aos mercados, as negociações poderão ficar mais "magras". "Se os Estados Unidos não querem negociar alguns setores na Alca, existem alguns setores de interesse deles que o Brasil também irá retirar dessas negociações. Por enquanto as propostas foram muito tímidas, de ambos os lados."

Se até novembro, quando os países deverão apresentar uma nova lista de propostas para a Alca em uma reunião que acontecerá em Miami (EUA), as propostas não forem mais agressivas, Silva acredita que será motivo para preocupação. "Até agora tudo foi muito tímido. Poderemos ter problemas se essa timidez permanecer até o próximo encontro", afirma.

Pela primeira vez desde que as negociações da Alca se iniciaram em 1994 a sociedade civil está tendo o direito de emitir suas opiniões. "Sempre se pregou a transparência nas negociações, mas que de fato nunca aconteceram. Essa é a primeira reunião técnica sobre as negociações do bloco e a segunda acontecerá no Chile", diz Silva.

Silva diz não ser possível identificar se as discussões que estão sendo feitas hoje irão enriquecer as negociações dos governos para a criação do bloco.

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