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Agronegócio e pobreza relativa crescem juntos no interior paulista, diz estudo

Regiões com alta produtividade também tiveram mais casos de violência no campo


Regiões com alta produtividade também tiveram mais casos de violência no campo

Cidades do Estado de São Paulo em que houve elevada expansão agrícola também assistiram a um forte crescimento da pobreza relativa, que é a incapacidade do cidadão de viver de acordo com o custo de vida local. É o que indica uma pesquisa da Unesp de Presidente Prudente que criou um conjunto de 50 mapas intitulado São Paulo Agrário, com dados de 1990 a 2008.

Veja o mapa desta página ampliado e com legenda no endereço http://migre.me/aQAjK

O mapeamento apontou ainda concentração de casos de violência no campo em áreas onde houve essa expansão (confira aquiaqui os mapas que abordam esta questão detalhadamente). O estudo fez também uma análise da cobertura da imprensa escrita sobre o tema nesse período, indicando um papel decisivo dos jornais na desqualificação dos movimentos agrários populares.

O autor é Tiago Egídio Avanço Cubas, que teve orientação do professor Clifford Andrew Welch. A dissertação de mestrado foi defendida em agosto, e parte do trabalho foi iniciado já na graduação, com financiamento da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). O trabalho reuniu dados sobre concentração de renda; pobreza relativa dos municípios paulistas; produção agrícola; expansão das culturas da cana, soja e laranja, além da pecuária; ocupação de terras; e mortes por conflitos no campo.

Na série de mapas, as regiões que se destacaram tanto no aquecimento da atividade agrícola como também no aumento da violência e da marginalização econômica são o Oeste e o Nordeste paulistas. “Isso reitera o fato de que esse modo de produção leva aos municípios uma prosperidade concentrada nas mãos de poucos, enquanto gera um número cada vez maior de excluídos”, diz Cubas. “A pobreza é interessante para esse ruralistas porque quando precisam de mão-de-obra ela está mais disponível e barata”, afirma Clifford.

Ribeirão Preto, considerada a capital do agronegócio brasileiro, é citada pelo estudioso como exemplo desse fenômeno. Dados de 2011 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) afirmam que a cidade tem 26 favelas, quase todas originadas nas duas últimas décadas. “O município viveu de 1990 a 2008 um crescimento desordenado impulsionado pelo investimento rural e que levou ao surgimento e intensificação do número de moradias precárias”, diz o pesquisador.

Assistencialismo

Cubas afirma que os ruralistas deixaram de lado a manutenção improdutiva das propriedades na espera de valorização para, hoje, buscar a alta produtividade. Ao mesmo tempo, conforme explica, os movimentos populares no campo também sofisticaram suas reivindicações. “Eles não discutem mais a questão da terra improdutiva, mas o custo humano dessa produtividade elevada e o não cumprimento da função social da terra prevista em lei”, diz o pesquisador, citando os impactos ambientais da monocultura extensiva.

Outro destaque da dissertação de Cubas é a atuação da agricultura familiar na garantia da segurança e soberania alimentar. “A produção de bens pouco lucrativos, mas tradicionais na mesa do brasileiro, como feijão e mandioca, é garantida em grande parte pelos pequenos produtores, que hoje lutam para sobreviver”.

Para ele, as medidas governamentais para esses camponeses se resumem a ações assistencialistas. “É necessário políticas emancipatórias para o setor.”
Retratos do campo

Para analisar a forma como a mídia aborda o tema, o estudioso utilizou um acervo da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) com mais de 30 mil recortes de jornal. O pesquisador se ateve às publicações O Imparcial, Oeste Notícias, O Estado de São Paulo e Folha de S. Paulo.

“Não houve variação significativa em abordagem, espaço dado para esse tema e escolha de imagens”, explica Cubas. “Fica claro o quanto as relações políticas estabelecidas entre esses veículos e a elite agrária influenciam na abordagem estereotipada dos conflitos no campo.”

Sua investigação se concentrou em três episódios relacionados à disputa de terras no Pontal do Paranapanema. O primeiro deles é o caso da Fazenda São Domingos, na cidade de Sandovalina, no Pontal do Paranapanema, quando, em 1995, sete membros do MST foram baleados durante ocupação da propriedade. “A cobertura da imprensa se preocupou em criminalizar as lideranças camponesas, com grande repercussão na época”, diz Cubas. Atualmente, a propriedade está em fase final de desapropriação pelo INCRA por ter sido considerada grilada e devoluta no Supremo Tribunal Federal.

O segundo episódio é de 2002 e trata-se do atentado a José Rainha Jr., então líder do MST, durante invasão da Fazenda Santa Rita, também no Pontal. Atualmente, Rainha Júnior responde a diferentes acusações criminais, incluindo a de chefiar um esquema de desvio de recursos da reforma agrária deflagrada na Operação Desfalque, da Polícia Federal. E esse fato teve impacto decisivo no terceiro período analisado na pesquisa: a descentralização da luta camponesa no Pontal, a partir de 2006, exatamente quando Rainha Jr. é expulso do MST Nacional. A imprensa, segundo o pesquisador, procura retratar esse período como desarticulação e enfraquecimento dos movimentos populares no campo.

Entre os pontos que chamam a atenção do pesquisador nas três situações verificadas está o fato de os jornais quase nunca explicarem os processos ou reivindicações no caso de ocupações de fazendas e protestos. “A mídia também costuma personificar a luta, o que tem servido, inclusive, de prova em processos judiciais contra pessoas que foram identificadas nas matérias.”
Era uma vez no Oeste

Pesquisas históricas sobre o primeiro período de colonização do Pontal do Paranapanema, no extremo oeste do Estado, subsidiaram o trabalho de Cubas. Essa literatura trata de uma época marcada por grilagens e assassinatos que começou com o extermínio amplo de diferentes tribos indígenas por parte de bandeirantes.

Em 1850, a Lei de Terras, estabeleceu a compra como a única forma de acesso à terra e abolia, em definitivo, o regime de sesmarias. Determinou ainda que os que os que possuíam glebas em qualquer parte do país até aquela data seriam os proprietários, mas que todas as demais áreas livres pertenceriam à União.

A partir daí, segundo Cubas, o Pontal assistiu a uma segunda era de grilagens, marcada pelo intenso movimento de falsificação de documentos que comprovassem a posse sobre as terras públicas em data anterior à legislação.

Para o geógrafo Bernardo Mançano Fernandes, professor da Unesp de Presidente Prudente, a região vive desde 2007 o seu terceiro período de grilagem, com a tentativa de criação de leis para a regularização das terras que foram griladas e correm o risco de ser tomadas de volta pela justiça.

Para Clifford, o atual governo do estado tenta resolver a luta pela terra no Pontal por meio da regularização das terras devolutas e griladas. Ele informa que, no atual projeto de lei, os camponeses ganhariam 20% das terras devolutas para reforma agrária e os ruralistas 80%. "Na verdade, é a população do Estado que está sendo forçada entregar seu patrimônio para uns poucos fazendeiros que, geralmente, tem gado ou cana e não criam postos de trabalho para ninguém além de seguranças", diz o orientador do estudo.

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