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Após turbulência, agricultura refaz contas

Alta do dólar aumenta a renda dos agricultores, mas o setor deve ser o primeiro a sofrer os efeitos do aperto no crédito


Enquanto a crise financeira dos EUA não chega a uma solução, o agronegócio brasileiro refaz as contas. Do lado dos preços das commodities, as coisas podem não ser tão ruins para a agricultura brasileira.

As commodities, embora ainda mostrem volatilidade (alta e baixa acentuadas) de preços, devem continuar com valores superiores à média histórica. Já o dólar no mercado interno, mais valorizado, pode dar renda maior aos produtores.

Do lado do crédito, no entanto, o que já estava difícil deve ficar ainda pior. "O lado ruim dessa crise certamente será a escassez de liquidez para o setor", afirma André Pessoa, sócio-diretor da Agroconsult.

O agronegócio, que já está com dificuldades para encontrar crédito nesta safra de verão, vai amargar redução ainda maior, devido a dificuldades que serão encontradas pelo próprio sistema de financiamento, entre eles bancos e tradings.

Leonardo Sologuren, da consultoria Céleres, de Uberlândia (MG), tem análise semelhante. Haverá um enxugamento do mercado e os bancos vão captar dinheiro mais caro. "O grande problema é que o agronegócio é sempre um dos primeiros alvos quando há falta de liquidez", afirma ele. Ou seja, a torneira se fechará primeiro para o agronegócio.

João Sampaio, secretário paulista de Agricultura, diz que essa crise financeira deverá complicar ainda mais a renovação das linhas de crédito do sistema financeiro para empresas repassadoras de crédito do agronegócio, como cooperativas, tradings e outras fornecedoras de insumos.

"Se o fornecimento de crédito já era difícil, por conta das garantias que estão sendo exigidas dos produtores, a situação agora deve ficar ainda pior", diz o secretário.

Na avaliação do mercado, esses repassadores de crédito, que já estavam com uma análise mais apurada da situação financeira de cada produtor, vão pisar no freio ainda mais a partir de agora. Além da preocupação de uma eventual dificuldade de retorno desse capital repassado ao produtor, essas instituições já não conseguem fazer captações como antes.

Pior em 2009

A situação não se restringe aos produtores, mas respinga também nas indústrias, que estão com dificuldades de capital para financiar a venda de insumos para os agricultores.

Mesmo antes dessa crise financeira, algumas das principais tradings que atuam no Brasil já estavam com as torneiras de crédito quase fechadas no mercado externo, o que vai influenciar a desova de recursos para o mercado interno.

Pessoa, da Agroconsult, diz que, além das dificuldades na busca de crédito, o produtor que conseguir financiamento terá custo maior depois dessa crise financeira. "A situação, que já estava dramática, principalmente no Centro-Oeste, vai ficar ainda pior", diz o analista.

O crédito vai apertar, mas nem tanto neste ano. As condições desta safra praticamente já foram definidas e a redução de crescimento de área se dará mais pela forte elevação dos fertilizantes. "Eles [os fertilizantes] já impediram o acréscimo de área nesta safra."

A avaliação é de Fernando Muraro, da Agência Rural, de Curitiba (PR). Segundo ele, haverá crédito, mas bastante selecionado e destinado aos clientes tradicionais de bancos e outras empresas fornecedoras de recursos.

A falta de crédito vai interferir também nos preços internos, segundo Sologuren. Para fazer caixa neste plantio de soja e também na safrinha -já a partir de dezembro, em algumas regiões-, os produtores deverão vender milho, derrubando ainda mais as cotações internas.

As vendas antecipadas de soja, que podem gerar capital, também devem ficar em compasso de espera, já que as tradings estão com medo de fazer compras agora devido às incertezas do mercado. Com isso, os produtores não conseguem fixar preços.

Menos crédito

"Nesse turbilhão, as tradings sofrem com os efeitos da crise e admitem que não conseguirão acompanhar o ritmo do aumento de custos da safra brasileira", segundo estudo da Agroconsult. Com isso, reduzem o fornecimento de crédito, diminuindo a participação no mercado.

Na safra 2007/8, as tradings colocaram R$ 5,3 bilhões à disposição dos produtores de soja, ou seja, 27% do total do custeio. Nesta safra, as tradings vão fornecer apenas R$ 5,4 bilhões, reduzindo a participação para somente 18%, segundo Pessoa. Para manter a mesma participação, deveriam fornecer R$ 8,1 bilhões.

A menor oferta de crédito pelas tradings forçará as empresas fornecedoras de insumos -defensivos, fertilizantes e sementes- a fornecer mais recursos ao mercado. Caso contrário, não vão garantir vendas ao setor, afirma Pessoa.

O mercado voltou a ficar nervoso ontem. O petróleo disparou, o dólar recuou lá fora e aqui dentro e as commodities agrícolas subiram.

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