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Aproximação do saber indígena com a ciência fortalece agroecologia no 1º Agroecoindígena

O município de Miranda (MS) viveu no último final de semana um momento histórico para a agroecologia da região.


O município de Miranda (MS) viveu no último final de semana um momento histórico para a agroecologia da região. Cerca de mil indígenas e outros convidados participaram do 1º Agroecoindígena, um evento que buscou aproximar o conhecimento dos povos indígenas da ciência acadêmica para fortalecer a produção agroecológica nas aldeias. A participação surpreendeu até mesmo os organizadores, pela grande capacidade de mobilização e pelo interesse manifestado durante as oficinas.
 
O coordenador do evento, Leosmar Antonio, biólogo da etnia Terena, disse na cerimônia de abertura que o evento é inédito no Mato Grosso do Sul e provavelmente no Brasil. "Foi um grande processo de mobilização, com o envolvimento de mais de 20 parceiros trabalhando de forma organizada. A ideia é mostrar nossos valores de vida, a agroecologia terena indígena, além da importância dos povos indígenas para a conservação do Pantanal, dos recursos hídricos", comentou.
 
Segundo ele, o conhecimento tradicional dos indígenas, que em outras ocasiões pode ter sido considerado atrasado, hoje é reconhecido e valorizado. Diante da degradação ambiental, Leosmar foi categórico em seu discurso: "nossa sabedoria pode salvar o mundo". Leosmar disse ainda que indígenas e brancos são filhos da mesma terra e vivem na mesma casa. "Queremos caminhar juntos", afirmou.
 
O cacique Josué da Silva, da aldeia Babaçu, também manifestou sua satisfação com o evento, com as parcerias e com o envolvimento dos jovens indígenas. "Não se trabalha sozinho. Não podemos nos esquecer da nossa juventude para que adiante ela possa prosseguir com esse trabalho. Eles jamais vão se esquecer do que foi realizado aqui. Estou muito contente com esse trabalho e quero fazer em outras cidades, integrando outras aldeias", afirmou.
 
Silvana Terena, subsecretária de Assuntos Indígenas de Mato Grosso do Sul, disse esperar que o Agroecoindígena conste no orçamento do governo estadual já no próximo ano para que a organização tenha ainda mais apoio. "O evento está lindo, está maravilhoso!".
 
A prefeita de Miranda, Juliana Pereira Almeida de Almeida, disse que o evento marca o protagonismo das comunidades indígenas no desenvolvimento da cidade. "Vocês são parte efetiva da construção da nossa história, da nossa cidade", disse ela, ao parabenizar os "guerreiros" pela organização do Agroecoindígena.
 
O diretor-executivo da Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural), José Alexandre Trannin, lembrou que o Mato Grosso do Sul tem oito etnias representadas por cerca de 15 mil famílias (ou 70 mil indígenas). A Agência desenvolve o Proacin (Programa de Apoio às Comunidades Indígenas de Mato Grosso do Sul) e, segundo Trannin, "não poderia ficar de fora desse evento que junta a sabedoria indígena ao conhecimento do homem branco".
 
Mensagem semelhante foi transmitida pela chefe-geral da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), Emiko Resende, que na abertura representou também o chefe-geral da Embrapa Agropecuária Oeste (Dourados-MS), Guilherme Lafourcade Asmus. Ela disse que os dois lados aprendem quando se junta a ciência com o conhecimento tradicional. "Que essa parceria continue para que possamos melhorar nosso conhecimento. O evento está interessante para todos", disse a pesquisadora.
 
Também discursaram na cerimônia de abertura o professor Auri Claudionei Matos Frubel, representando a UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), e Valteir Betoni, da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) de Glória de Dourados. Eles falaram da importância de resgatar o conhecimento indígena para a sociedade e para fortalecer a agroecologia. A cerimônia teve ainda a benção espiritual feita pelo xamã e apresentações culturais.
 
OFICINAS E GIRO
 
Na sexta e no sábado, 3 e 4 de junho, a programação incluiu diversas oficinas para transferência de tecnologias ligadas à agroecologia. Os temas foram selecionados pelos indígenas: enxertia de frutíferas, apicultura e meliponicultura, propagação de guavira, baru e pequi, propagação de orquídeas, processamento de alimentos à base de mandioca, processamento de frutas, artesanato com fibras de plantas (bananeira, milho e palmeiras), cultivo de hortaliças em bases agroecológicas, piscicultura familiar (em pequena escala) e criação de galinha caipira em bases agroecológicas.
 
A procura pelas oficinas começou cedo e algumas tiveram as vagas preenchidas logo no início das inscrições. Em todas elas, o interesse dos indígenas foi marcante: eles ouviam as explicações, faziam perguntas e contavam um pouco de suas experiências. Nas oficinas que envolviam processamento de alimentos, os indígenas aprenderam a fazer bombocado e brigadeiro de mandioca, recheio de mandioca para empadão, patê de folha de mandioca, doce de mamão, entre outros.
 
No sábado de manhã, parte dos indígenas e convidados participou do giro etnotecnológico, visitando aldeias para conhecer os sistemas agroflorestais terena. Vários ônibus foram disponibilizados para transportar os visitantes. O pesquisador Walfrido Tomás, da Embrapa Pantanal, esteve em uma aldeia e contou que o interesse dos visitantes chamou a atenção. "Foi marcante. Os visitantes queriam saber de tudo, faziam perguntas o tempo todo", comentou.
 
Na aldeia, ele verificou a variedade de produtos cultivados dentro da perspectiva de integração da agroecologia. "Vimos uma quantidade grande de polinizadores visitando a área, inclusive beija-flores, além de insetos controladores de pragas", disse. Outra observação do pesquisador foi em relação ao potencial do cultivo de plantas medicinais e condimentares. "Eles têm um conhecimento profundo sobre o uso dessas plantas e a pesquisa pode ajudar, especialmente nas plantas para uso alimentar."
 
ORGANIZADORES
 
A Embrapa Agropecuária Oeste e Embrapa Pantanal trabalharam como instituições organizadoras do evento. A realização foi do Coletivo Ambientalista Indígena de Ação para Natureza, Agroecologia e Sustentabilidade (Caianas), composta por anciãos, homens, mulheres, jovens e lideranças indígenas de Terra Indígena (TI) Cachoeirinha, em parceria com diversas instituições. Subsecretaria de Políticas Públicas para População Indígena (SPPPI), Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer), Secretaria de Agricultura Familiar (Sepaf), Projeto Gestão Ambiental e Territorial Indígena (Gati), Instituto Terena de Educação Intercultural, Prefeitura Municipal de Miranda, Funai, IFMS, UEMS, UFMS, UFGD, Programa Rede de Saberes "Permanências de Indígenas no Ensino Superior".
 
O 1º Agroecoindígena reuniu também alguns seminários e encontros: Seminário de Sistemas Agroflorestais Indígenas e o Seminário de Concepções para o Curso Superior em Agroecologia Indígena (contando com a participação de representantes de todos os órgãos parceiros entre eles: IFMS, UFMS e UFGD). 
 
Simultaneamente foram realizadas as primeiras edições dos seguintes Encontros: "Encontro de Agricultores e Agricultoras Indígenas", "Encontro dos Xamãs Indígenas", "Encontro de Concepção do Curso superior de Agroecologia Indígena", além da primeira edição da "Feira de Etnovariedades". O evento aconteceu no Parque de Exposições 16 de Julho, em Miranda. 

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