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Biofertilizantes e o impacto ambiental do cultivo da cana


De maneira geral, qualquer atividade econômica ligada ao setor primário causa algum impacto ao meio ambiente e o cultivo da cana-de-açúcar é uma das mais impactantes. Não somente por se tratar de uma monocultura com considerável uso de fertilizantes químicos e agrotóxicos, mas principalmente pelo elevado consumo de recursos hídricos em seu processamento e a conseqüente produção de água residual rica em matéria orgânica e sais minerais, conhecida por vinhaça ou vinhoto, que é potencialmente tóxica.

Até o final da década de 1970 a vinhaça era despejada sem qualquer tratamento nos cursos d’água, tendo em várias ocasiões causado sérios danos ambientais. O maior problema da cultura a ser resolvido até então era o que fazer com o grande volume de resíduos poluentes. A partir de estudos realizados sobre a composição química da vinhaça, constatou-se que este resíduo poderia ser utilizado diretamente no cultivo como adubo orgânico, surgindo daí a tecnologia da fertirrigação.

Posteriormente foi verificado que a deposição da vinhaça nos canaviais não seria a solução definitiva, pois havia o risco de contaminar as águas subterrâneas, principalmente pela lixiviação de nitratos e sais de potássio, além da possibilidade de salinização do solo. Para evitar problemas, esse sistema deve ser constantemente monitorado, pois a deposição freqüente de grandes quantidades de vinhaça sobre o solo a médio e longo prazo certamente trará conseqüências negativas, caso não sejam implementadas medidas saneadoras requeridas em cada caso.

Atualmente a técnica da fertirrigação é utilizada por 100% dos produtores para o descarte da vinhaça, pois além de evitar danos ambientais imediatos reduz a necessidade de fertilizantes químicos e conseqüentemente os custos de produção, sendo muito conveniente para os usineiros. Existem várias alternativas para o aproveitamento da vinhaça e nos últimos anos ganharam força as pesquisas com o processo de digestão anaeróbica, beneficiado pela emergência da biotecnologia. Nesse processo ocorre uma valorização energética da vinhaça, com a produção de biogás e como subproduto um biofertilizante. Além disso, seu efluente pode ser depurado e a água devolvida ao processo produtivo, sendo uma boa opção em áreas onde há dificuldades de captação de água.

Outra tecnologia em ascensão é a produção de inoculantes à base de bactérias diazotróficas endofíticas, as quais promovem a fixação biológica de nitrogênio (FBN) em gramíneas. No Brasil, a soja é o melhor exemplo de cultura a se beneficiar da FBN. Atualmente, toda soja brasileira é inoculada com bactérias fixadoras de nitrogênio, gerando uma economia anual de 10 bilhões de reais em fertilizantes nitrogenados. Entretanto, trabalhos de melhoramento genético foram fundamentais para potencializar a resposta das cultivares a essa nova tecnologia.

A cana-de-açúcar, principal cultura do programa de biocombustíveis do País, utiliza-se atualmente de cerca de 50 quilos de fertilizantes nitrogenados por hectare. A Embrapa Agrobiologia, localizada em Seropédica, RJ, lançou recentemente o primeiro biofertilizante à base de bactérias fixadoras de nitrogênio para a cultura que pode reduzir o uso desse fertilizante em 50 mil toneladas por ano no Brasil. Esta economia é importante para o desenvolvimento do setor sucroalcooleiro, agregando valor ao produto cana e aumentando a competitividade do setor. Porém, sabe-se que os estudos ainda precisam avançar, pois sem a interação entre a pesquisa microbiológica e o melhoramento genético não haverá evolução. Outro desafio importante é conciliar a inoculação de bactérias diazotróficas com a aplicação da vinhaça e de outros subprodutos, que podem interferir na eficiência do inoculante.

Os inoculantes e as cultivares melhoradas devem ser desenvolvidos para cada região do País e podem contribuir para potencializar a FBN na cana-de-açúcar e em outras culturas como o milho, arroz e trigo. Com o desenvolvimento de cultivares mais adaptadas aos fertilizantes biológicos, haverá uma diminuição na dependência dos insumos químicos. Validar e adotar essa tecnologia será importante para reduzir os impactos e aumentar a competitividade da agricultura brasileira, considerando que o mundo vive uma alta de preços dos alimentos, que também é conseqüência do encarecimento dos fertilizantes químicos.

AUTORIA

Elias Melo de Miranda
Eng. Agrônomo, D.Sc
Pesquisador da Embrapa Acre

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