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Bons preços embalam colheita de trigo

O trigo vive um ótimo momento, embalado pelos baixos estoques mundiais, estimados em 112 milhões de toneladas


São dias de ansiedade para o agricultor Neri Aleixo Gomes, que plantou 400 hectares de trigo nos 1,8 mil hectares da Fazenda Barrozo, em Tibagi, região central do Paraná. Ele não vê a hora de iniciar a colheita para vender logo o grão e garantir o preço de cerca de R$ 35,5 a saca de 60 quilos, 60% maior que em setembro do ano passado. "Está bom demais para ser verdade", diz o produtor, que no inverno de 2006 não plantou a cultura por falta de crédito e agora quer garantir uma boa renda pra pagar dívidas.

Vizinho a ele, o Grupo Alberti, um dos maiores produtores de trigo da região, com 3,2 mil hectares cultivados na atual safra, começou a colheita há 15 dias e não tem pressa em negociar o produto. Colocou um lote à venda, não conseguiu o preço que queria e admite que pode estocar por cinco ou seis meses a produção, estimada em 140 mil sacas. "Nossa idéia não era armazenar tanto tempo, mas como estão dizendo que faltará trigo e está difícil negociar com os moinhos, acho que não perderemos dinheiro", avalia Albertino Perez, agrônomo e um dos diretores do grupo.

Nas duas propriedades visitadas pelo Valor na semana passada, não havia dúvidas de que o trigo vive um ótimo momento, embalado pelos baixos estoques mundiais, estimados em 112 milhões de toneladas. É o menor volume desde 1982, equivalente a 18% do consumo anual mundial. Se na safra passada o Alberti vendeu a produção por R$ 350 a R$ 420 a tonelada, recentemente recusou R$ 655 - embora depois tenha voltado atrás e encontrado as portas dos moinhos fechadas para as 10 mil sacas que queria negociar.

Mas este bom momento não se reflete em euforia no campo e não mudou o temor que os agricultores sentem em relação ao produto. Por diversas razões, como riscos climáticos que envolvem a cultura (secas, geadas e chuvas na colheita), falta de garantia de preço e liquidez. "Em 2002 plantei e perdi 700 hectares de trigo por causa de geada. Foi um prejuizão", lembra Gomes, que teme a entrada do grão produzido em outros países e a decorrente queda de seu valor.

O Paraná é maior produtor nacional de trigo e deve colher 1,9 milhão de toneladas, ou 50% da safra brasileira, estimada em 3,8 milhões de toneladas pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). A colheita no Estado foi iniciada em meados de agosto e, até agora, atingiu 54% dos 817 mil hectares de área plantada, conforme o Departamento de Economia Rural (Deral), da Secretaria da Agricultura do Paraná. O trabalho deve se estender até dezembro e, até lá, produtores e indústria travarão uma batalha.

"Os moinhos querem colocar os preços para baixo", diz Ubirajara Collares, que faz serviços de corretagem e análise de mercado para agricultores de Ponta Grossa (PR) e municípios vizinhos, como Tibagi. "Existe vendedor, mas não há comprador". Segundo ele, a tonelada de trigo estava sendo negociada por R$ 660 até 12 de setembro. Um dia depois, foi para R$ 655 e, no dia 14, a indústria deixou de comprar.

Na região, segundo Collares, circulam informações de que estão sendo moídos estoques de trigo importado e que algumas empresas voltarão a comprar em outubro, mas outras só retornarão ao mercado em novembro. "A cultura de trigo é a pior que existe, é de alto risco", afirma Collares, que atende cerca de 100 produtores da região central do Paraná - onde o clima não favorece a troca da cultura por milho safrinha e restam poucas alternativas no período de inverno. Além de trigo, há aveia e cevada.

A reclamação da ala produtiva é contestada por Samuel Hosken, presidente da Abitrigo, associação que representa os moinhos. Segundo ele, a indústria nacional precisa do trigo que está sendo colhido e vai comprar, mas não tudo de uma vez.

Hosken diz que os moinhos costumam trabalhar com estoques de 30 dias e, como o consumo nacional é de cerca de 800 mil toneladas por mês, leva-se um tempo até absorver a colheita. "Quando começar a entrar a safra argentina, em novembro e dezembro, o preço vai ter de cair", aposta o executivo. O Brasil importa cerca de 70% de sua demanda total, e para reduzir esse percentual Hosken defende uma política de longo prazo para a cultura, que envolva governos, produtores e indústrias.

Em meio a essas discussões, os agricultores acham difícil prever a próxima safra. "O produtor não é mais imediatista, não leva em conta apenas a safra anterior", observa o agrônomo Otmar Hubner, da secretaria estadual da agricultura. "No começo do ano ninguém imaginava que o trigo chegaria nesse valor". Há dez anos o grupo Alberti destina 50% da área agricultável para o trigo no inverno. Não deve ser diferente em 2008. "O cenário atual é bom, mas se percebermos que ele vai mudar, podemos até diminuir a área", afirma Perez. Seu vizinho, Gomes, gostaria de ter plantado mais na atual safra. "Queria estar com 60% da área com trigo". Em 2008, ele pensa em destinar apenas 50% de seus campos para o trigo.

A repórter viajou a convite da CNH

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