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Brasil ataca subsídios dos EUA e espera revide


Prejuízos ao Mercosul somam US$ 1,64 bilhão/ano com as subvenções aos produtores norte-americanos de algodão. O Brasil contestará amanhã e quarta-feira os subsídios dados pelos Estados Unidos a seus produtores de algodão em consulta na Organização Mundial de Comércio (OMC), sabendo que ao abrir essa briga corre o risco de sofrer forte revide de Washington. O fato de os Estados Unidos não estarem reagindo publicamente não significa que deixarão de responder à denúncia brasileira, e setores em Washington têm indicado que o governo de George W. Bush pode tirar da gaveta reclamações contra o Brasil na área de propriedade intelectual.

Foi justamente a ameaça de revide que retardou uma tomada de decisão em Brasília para abrir as disputas tanto contra os EUA no algodão quanto contra a União Européia (UE) por subsídios ao açúcar. Por sua parte, Bruxelas acena com denúncias contra o Proálcool e busca outras formas de atingir interesses comerciais brasileiros.

O presidente do US Cotton Council, Kenneth Hood, apontou o dedo para a própria produção brasileira de algodão em áreas como Mato Grosso, que segundo ele se beneficiaria de abatimento fiscal especial.

O fato é que a denúncia do Brasil contra os EUA atinge a jugular do sistema de subsídios agrícolas americanos. Se o caso for a painel (comitê de investigação) e o Brasil ganhar, o resultado será o desmantelamento do programa de algodão, e pode ter efeito dominó sobre todos os subsídios americanos a outros produtos. Também não se resumirá aos Estados Unidos. Na OMC, oficialmente cada disputa é um caso especial.

Regime de lácteos

Mas foi uma denúncia dos EUA contra o Canadá atingindo em cheio o regime de lácteos canadense, que deixou o regime açucareiro europeu exposto à reclamação brasileira. O apoio americano a seus produtores de algodão alcança US$ 3,9 bilhões por ano. Os EUA concentram quase 40% de todo o comercio internacional de algodão e são determinantes na formação do preço internacional e no valor da produção de têxteis.

O secretário de comercialização e produção do Ministério da Agricultura, Pedro de Camargo Neto, reclama que os subsídios norte-americanos ameaçam causar desemprego e agitação social nos outros países. Ele lembrou que apenas dois anos depois de ter voltado a exportar algodão, o Brasil está em via de fazer uma brusca reviravolta e tornar-se de novo grande importador do produto, talvez o maior do mundo, em conseqüências dos subsídios agrícolas dos EUA.

Para a ONG britânica Oxfam, os EUA "cultivam a pobreza" nos países em desenvolvimento com subsídios ao algodão que alcançam mais de 130% do valor da produção americana em 2001. A conseqüência é a maior queda de preços desde a grande depressão dos anos 30 e toma exportações de outros países.

Grandes prejuízos

A ONG calcula que a queda de preços traz grandes prejuízos para países em desenvolvimento, tanto no ganho de exportações quanto no valor da produção interna. A Índia calcula que perde US$ 1,3 bilhão, a Argentina perde US$ 1 bilhão e o Brasil reclama de prejuízos de US$ 640 milhões para a safra 2001/02. Países da África Central e Ocidental têm suas economias devastadas. Mais de 10 milhões de pessoas dependem diretamente da produção de algodão em Burkina Faso, Mali e Benin.

Minoria privilegiada

Os efeitos perversos dos subsídios sobre os preços, porém, não afetam todos os produtores. Uma "minoria privilegiada", respondendo por grande parte das exportações globais, ou seja, os Estados Unidos, são poupados porque garantem um nível de preços aos seus produtores. A diferença dos contenciosos com os Estados Unidos e com a União Européia é que, contra os norte-americanos, os pobres estarão ao lado do Brasil. No caso do açúcar, várias ex-colônias européias apoiaram Bruxelas. Mas agora Zimbábue, Índia, Argentina, Costa do Marfim vão estar ao lado do Brasil. No entanto, os EUA até sexta-feira não tinham aceitado oficialmente a participação de todos os que pediram para se associar às consultas. Washington pediu que eles justificassem por escrito qual seu interesse comercial na disputa.

O caso do algodão é também mais complexo. Contra a União Européia, o Brasil não tem que provar o dano causado às exportações brasileiras pelos subsídios europeus ao açúcar. Já com os EUA, o Brasil precisará mostrar que Washington violou a Cláusula de Paz do Acordo Agrícola da OMC, ou seja, deu subsídios acima dos níveis de 1992. Brasília terá que mostrar depois que esses subsídios é que causam prejuízos para os produtores brasileiros.

A reclamação brasileira vem sendo contestada pelo presidente do National Cotton Council, Kenneth Hood. "Os Estados Unidos estão respeitando integralmente os compromissos da Rodada Uruguai", declarou. "Além disso, o apoio ao algodão na nova lei agrícola acabou provocando queda."

Participação menor

Segundo Hood, a participação dos Estados Unidos na produção total de algodão declinou de 20,3% em 1990 para 19,6% com a lei agrícola de 1996. "Não acreditamos que o Brasil será bem-sucedido na OMC contra o programa de algodão norte-americano, mas esse questionamento pode ter o efeito de tirar a atenção de nova rodada de negociações comerciais e das novas propostas para liberalizar o comércio agrícola."

Mas o chefe da divisão de contenciosos do Itamaraty, conselheiro Roberto Azevedo, contesta a observação. "A atual rodada de negociação na OMC é para novos compromissos, e o que estamos discutindo é o desrespeito de compromissos da Rodada Uruguai", afirmou. "Se nem os avanços mínimos obtido na Rodada Uruguai estão sendo respeitados, como se pensar em compromisso ambicioso na atual rodada", questionou.

Melhora tecnológica

Para Camargo Neto, o Brasil viveu nos últimos anos com o melhor e com o pior do que aconteceu com o algodão. "A melhora tecnológica aumentou a produtividade em 12%, tornando seus custos de produção um dos mais baixos do mundo, talvez o mais baixo." Mas de maior importador mundial em 1993, junto com a Rússia, o País voltou a ser exportador em 2000, e depois passou de novo a importador por conta dos subsídios americanos. O futuro depende muito da briga na OMC.

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