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Brasil perdeu US$ 1 bi em 2004 com defasagem nos portos

Especialista em logística da CNA falou sobre problemas no setor de portos


O consultor em logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Luiz Antonio Fayet, traz em sua passagem pela presidência do Banco de Desenvolvimento do Estado do Paraná, presidência do Banestado, diretoria de crédito rural e presidência do Banco do Brasil.

Em entrevista à Agência CNA, ele falou sobre os grandes problemas no setor portuário brasileiro que contabilizou, em 2004, perda de US$ 1 bilhão. “Esse valor é maior do que o investimento que o Ministério dos Transportes fez em infra-estrutura em transportes no Brasil inteiro”, afirma.

Leia abaixo a íntegra da entrevista.

Qual é a relação entre a logística nos portos do Brasil e o agronegócio brasileiro?

R: Esse tema é muito amplo e tem uma grande influência na renda do produtor rural. A soja é um produto que vale US$ 220 descarregado em Roterdã. Para se chegar descarregado, há uma lista de custos, desde a descarga, atracação do navio, tempos de espera, multas, burocracia, seguros, frete, no lado de lá. Depois há, nos portos brasileiros, fretes e armazenagem. Tudo o que sobrar, após todos esses pagamentos, será do produtor rural.

No ano passado, a CNA começou a fazer uma grande pressão sobre o ministro da Agricultura para que ele criasse, no âmbito do ministério, uma câmara temática para avaliar a questão de logística e transportes do agronegócio. Em outubro ele instalou essa câmara, que é mista da iniciativa privada e do governo. É uma câmara que tem 70 representantes de vários segmentos. É muito interessante porque lá se tem o conhecimento global do problema.

Essa câmara foi criada para sanar quais problemas?

R: O meu entendimento é que o abastecimento interno do Brasil, no que tange o agronegócio, está razoavelmente equacionado. É uma questão se a estrada está um pouco melhor ou um pouco pior. O atendimento do mercado interno está atendido.

O grande drama que temos é que o Brasil é o único país que pode atender à demanda mundial de alimentos no horizonte de um século. E passarmos da potencialidade para a realidade exige uma série de providências. Uma delas é a construção de novos caminhos de exportação para se poder chegar a essa situação.

No Brasil temos um fenômeno interessante. Houve uma brutal mudança da geografia econômica do agronegócio de exportação. Nós éramos produtores do Sul e do Sudeste e isso basicamente se deslocou para o Centro-Oeste, Centro-Norte. O Sul e o Sudeste mudaram a especialização. Éramos produtores e exportadores de soja, por exemplo, em grãos, e hoje somos grandes exportadores de frango, que é a soja transformada em carne.

Para o mercado interno e para as exportações sofisticadas a estrutura que temos hoje, os corredores de exportação, está tudo resolvido. O nosso grande problema é atender a essa nova demanda. Para que se tenha uma idéia, o Brasil neste ano exporta entre 25, 26 milhões de toneladas do complexo soja e derivados. Até 2015, nós deveremos mais que dobrar essa exportação. E hoje não temos condições, sistemas, de exportação nos corredores para atender a essa demanda nos transportes.

A CNA está coordenando essa questão dos corredores e, no que tange a esses corredores, estamos dando uma ênfase especial a São Luiz, no Maranhão, e Belém, no Pará, que é um corredor que bifurca lá na ponta, sendo o mais importante do país nesses próximos vinte anos.

E pretendemos que, em 2010, o corredor de São Luiz seja mais importante do que o corredor de Paranaguá e de Santos para o agronegócio da soja. Atrás do agronegócio da soja vem o agronegócio da cana e o agronegócio da madeira, depois o agronegócio das carnes.

Mesmo com os investimentos nos corredores de São Luiz e Pará, Centro-Oeste ainda escoa para Paranaguá?

R: Ainda estamos escoando para Vitória, Santos e Paranaguá. O Sul e Sudeste do Brasil ainda são intermediários da soja desses lugares..

O nosso problema é atender aos vários nichos de mercado. É uma cadeia produtiva da soja que se multiplica e que começa de maneira preliminar. Existe mercado para grão, carne, farelo e óleo. Na minha opinião econômica, temos que atender a todos os mercados. Não temos que escolher.

Para se ter uma idéia, nesta safra, os corredores do Centro-Norte devem atingir cerca de 5 milhões de toneladas. Se olharmos para trás, há dez anos, isso era praticamente zero.

Esse é o quadro hoje. Agora, quando se faz uma previsão para 2010, nós já deveríamos estar exportando nesses portos algo entorno de 15, 18 toneladas, senão mais. Grande parte é de mercadoria que tem seus fluxos no Sul, mas que também terá seus acréscimos de produção que só serão viáveis se essas rotas estiverem funcionando com custos logísticos compatíveis, senão não haverá essa produção.

Estamos enfrentando uma espécie de déficit em relação à projeção de 2010?

R: Para o agronegócio do Centro-Oeste brasileiro e do Centro-Norte, já estamos vivendo um apagão logístico. E isso o governo não enxergou. Se não fosse a pressão da CNA, que começou a partir do estudo de todo esse conhecimento que desenvolvemos aqui, ainda estaríamos na estaca zero.

E esse trabalho que começou com a Câmara de Logística, primeiro fazendo com que o ministério a criasse – foi um parto de mais de meio ano – e, depois, fazendo-a funcionar. O trabalho, coordenado pela CNA, é a parte funcional dos corredores.

Vamos finalizar o projeto do corredor de Itaqui, no Maranhão, para ver se conseguimos, em abril de 2008, começar a operar em uma escala de 5 a 7 milhões de toneladas em São Luís. E para chegar, em 2010, com uma capacidade acima de Paranaguá.

Quais as dificuldades para se alcançar esse objetivo?

R: O principal problema enfrentado é a desarticulação. A nossa participação no Porto de Itaqui foi no sentido de articular as ações governamentais e privadas. Porque fica tudo solto. O Ministério dos Transportes fica preocupado com obrinhas. E também acontece a pressão das emendas dos políticos que querem as obras do município tal. Temos que ter o raciocínio do sistema. Se não conseguirmos fazer com que o porto funcione, e não conseguir chegar ao porto, não adianta fazer um trechinho isolado de rodovia asfaltada. Precisamos ter no mar área de dragagem, toda a parte de sinalização, de navegação perfeita, para que daí se possa pressionar para dentro. Porque o caminhão, um pouco mais, um pouco menos, chega lá.

Sem políticas públicas não há saída para o problema logístico?

R: Quando chegamos na parte portuária, a parte de expansão governamental é insignificante, porque a iniciativa privada faz tudo. A Lei de Modernização dos Portos – a Lei 8.630/93 – montou um modelo de combinação de interesses públicos e privados, uma parceria precursora das PPPs, em que o porto é do governo, mas a iniciativa privada pode, dentro das regras estabelecidas, fazer os investimentos, explorar por vinte e cinco, cinqüenta anos, e isso depois se reverte para o governo.

Não precisamos de tanto dinheiro para arrumar os portos. Para arrumar os portos precisamos de decisões políticas. E o governo tem sido tão incompetente que não toma as decisões políticas necessárias. Eu te diria que, na gestão portuária do Brasil, o grande problema é a incompetência e a falta de segurança político-institucional provocada pelo governo. Particularmente pelo Ministério dos Transportes. Uma desarticulação política, porque o Ministério dos Transportes, em vez de assumir essa coordenação, ele deixou solto a tal ponto que, se não fosse a intervenção da câmara setorial, como é que saímos da linha abaixo de zero, para chegarmos a essa situação que estamos hoje?

Foi um esforço brutal de conjugação da iniciativa privada – diga-se a CNA – e do Ministério da Agricultura para provocar todo um clima de mudanças. E esse clima de mudanças aconteceu porque foi uma mudança também na Antaq e porque a Casa Civil fez uma intervenção quanto à distribuição de verbas. São verbas relativamente pequenas, mas são gargalos que, se não tivesse sido feito esse investimento, a iniciativa privada não conseguiria deslanchar.

E agora, o grande entrave que nós temos, e que precisamos resolver, é a questão da liberação de autorização para se fazer as licitações das áreas onde a iniciativa privada vai investir. Porque todo o investimento que não seja o cais propriamente dito, todo o resto, os equipamentos para carregar os navios, a armazenagem retroportuária, recepção, tudo isso é particular. E nesse sentido vão ser investidas dezenas de milhões de dólares ao longo dos próximos anos.

Onde está o grande problema na questão logística e de transportes?

R: Primeiro, na insegurança jurídico-institucional, que o governo não cumpre e nem faz cumprir a lei nem os contratos. E o problema da incompetência na gestão do setor público. É o governo que causa esses prejuízos.

No sistema portuário, tudo depende do governo federal. No sistema de transportes terrestres temos também uma ampla dependência da ANTT e do Ministério dos Transportes. Quando esses órgãos não funcionam, arrebenta-se toda a cadeia. E hoje, todos esses prejuízos que estamos tendo se devem à ineficiência do governo como um todo.

Quanto se tem perdido pela inoperância do governo?

R: Vamos tentar quantificar. Na administração do porto de Paranaguá entrou um psicólogo para um sistema de alta especialização, que é o setor portuário, e o primeiro setor globalizado do mundo é o setor de navegação.

Até 2002, o Porto de Paranaguá era o porto mais eficiente no embarque de granéis agrícolas do Brasil. Então o que ocorria? Os comandantes de navio preferiam Paranaguá, as companhias de seguro tinham os menores prêmios para quem fosse lá. Os fretes eram mais baratos por lá porque tudo funcionava com grande eficiência e ninguém perdia tempo. Entrou essa nova administração e destruiu todo esse sistema operacional. Assim, o porto de Paranaguá perdeu todos aqueles prêmios e passou a ter prêmios negativos no jargão portuário.

Os fretes aumentaram, os seguros aumentaram e as multas por espera, multas contratuais chamadas em inglês de demourage, passaram a ser muito mais fortes em Paranaguá do que em outros portos, porque a probabilidade de se acontecer isso lá era maior. Esses problemas o tornaram um porto muito mais caro. Então não tínhamos mais alternativas. O que ocorreu? Congestionou-se o porto de São Francisco do Sul e o porto de Santos. Ao congestionar esses portos, automaticamente a lei da oferta e da procura subiram os custos operacionais e as empresas passaram a cobrar mais porque viram uma oportunidade de mercado de um lado e de outro passaram e enfrentar problemas muito sérios, por exemplo. Caminhoneiro na fila por 48 horas. Isso tem que ser pago. Então, na verdade, não houve um ganho dos traders, mas um aumento do custo operacional para a economia brasileira. A Federação da Agricultura e Pecuária do Paraná (Faep) publicou em seu boletim nº808 um estudo feito junto com a Organização das Cooperativas do Paraná, mostrando que, só no ano de 2004, só por causa dos entraves criados ao porto de Paranaguá à soja e seus derivados, os produtores paranaenses tiveram um prejuízo de mais de R$ 1,5 bilhão.

Esse cálculo nós expandimos para a economia brasileira e chegamos à conclusão de que, nesse mesmo ano, para o agronegócio da soja, o prejuízo foi mais de US$ 1 bilhão. E nós estamos falando de um só produto, que é o complexo soja. Se nós fizermos as contas para todos os produtos, o impacto no sistema de logística e transportes, de 2003 até hoje, isto somaria vários bilhões de dólares.

O que é importante a gente saber é que o prejuízo dado ao agronegócio brasileiro, especificamente em 2004, tem um valor maior do que o investimento que o Ministério dos Transportes fez em infra-estrutura em transportes no Brasil inteiro.

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