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Brasil promete deixar de importar da Argentina

Esta decisão mostra que o governo não pretende mais abrir concessões comerciais aos argentinos


Depois dos resultados da reunião entre empresários brasileiros e argentinos, no final da semana passada, em Buenos Aires, o governo brasileiro pretende ter uma postura mais dura para com o país vizinho, deixando de importar da Argentina produtos como trigo e leite em pó. Esta decisão mostra que o governo não pretende mais abrir concessões comerciais aos argentinos, consideradas antes uma saída para melhorar a corrente comercial com aquele país.

Segundo Roberto Segatto, presidente da Associação Brasileira de Comércio Exterior (Abracex), "o Ivan Ramalho [secretário executivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior -Mdic] está tomando nota das dificuldades enfrentadas pelos empresários brasileiros e há a tendência de se posicionar fortemente contra as medidas impostas pela Argentina. Ele deve confrontar as imposições com outras imposições, do mesmo nível, como fez com o leite em pó".

Segatto disse ainda que o governo sabe que a Argentina está colocando diversas dificuldades para que seus empresários não comprem produtos do Brasil.

Durante o encontro, alguns empresários argentinos disseram que estão interessados em comprar eletrodomésticos de linha branca, além de vestuário e calçados brasileiros, mas que as tarifas brasileiras e as barreiras argentinas não facilitam o comércio entre os dois países que fazem parte do Mercosul.

"O Brasil perdeu mais de 20% do comércio com a Argentina para os chineses, e, além da desvalorização do dólar frente ao real que dificulta as exportações, existem algumas travas impostas pelos argentinos. Contudo, os brasileiros negociam preços e condições de pagamento, o que favorece o comércio", disse Segatto.

"Não gostamos de comprar da China, mas os preços deles [chineses] ficam mais barato do que os dos brasileiros. Prefiro a troca de exportações: temos mercadorias, como azeite, anchovas e presunto, que perderam mercado no Brasil em razão desses conflitos comerciais", informou um empresário argentino.

A balança comercial entre os países apresentou no primeiro quadrimestre deste ano uma queda de 98, 32% no saldo, no entanto, ele permanece positivo em US$ 18,5 milhões para o Brasil, mesmo com o resultado de abril negativo em US$ 28 milhões.

Móveis

Durante a rodada de negócios, os fabricantes brasileiros de móveis se comprometeram com a redução em 35% de suas exportações ao mercado argentino este ano: se utilizarmos o valor obtido nas vendas do ano passado que foram de US$ 41 milhões, haveria uma queda de US$ 14, 35 milhões. A porcentagem foi definida depois de dez horas de discussões, durante as quais os empresários moveleiros argentinos tentaram levar a restrição aos móveis brasileiros a mais de 40% do total do ano passado, entre outras exigências que indignaram os produtores brasileiros.

"Dos males, o menor", opinou o presidente da Associação Brasileira de Indústrias de Mobiliário (Abimóveis), José Luiz Diaz Fernandez, depois de um dia inteiro de discussões com empresários argentinos. Segundo ele, no primeiro semestre deste ano, a participação do Brasil no mercado argentino de móveis caiu de 57% para apenas 28%. No mesmo período, a participação das importações chinesas aumentou de 12,5% para 24%.

"Nossas importações estão zeradas desde março, totalmente paralisadas pelas medidas adotadas pela Argentina", lamentou.

Ivan Ramalho admitiu que as medidas protecionistas aplicadas pela Argentina estão prejudicando 14% das exportações brasileiras. O secretário mostrou-se preocupado, também, pelos escassos acordos alcançados desde que foram iniciadas as negociações entre privados.

"Ainda é baixo o resultado alcançado", disse Ramalho.

"Não sabemos qual outra troca ele [Ramalho] fez, mas para o setor mobiliário essa redução é muito ruim. Poucos países podem concorrer com os móveis brasileiros. Nosso produto tem qualidade, quantidade e diversidade", afirmou Segatto, enquanto acrescentava que a decisão irá "acarretar para a indústria de móveis uma diminuição de produção, que remete à demissão de funcionários e a menor recolhimento de impostos e tributos".

Este mecanismo foi adotado pelos governos desde a onda de disputas no comércio bilateral originada em 2005, quando a Argentina adotou restrições à entrada de eletrodomésticos brasileiros.

"Estamos negociando um acordo de comércio", explicou Mariano da Vega, assessor da câmara argentina de fabricantes de embreagens e freios para automóveis, que considerou inconveniente a aplicação de salvaguardas à importação dos produtos a partir do Brasil.

Freios

O Sindicato Nacional de Componentes para a Indústria de Veículos Automotores (Sindipeças), que representa os fabricantes brasileiros de autopeças, aceitou reduzir em 30% as exportações brasileiras de freios à Argentina, no segundo semestre deste ano, em comparação aos primeiros seis meses de 2009. "Ainda não temos o número exato do que representa esse percentual, mas fazer o acordo é melhor do que enfrentar uma dificuldade maior", disse o presidente do Sindipeças, Paulo Butori. Entre as dificuldades, ele citou as mercadorias barradas na alfândega por medidas como as licenças não-automáticas ou os valores de referência.

Butori detalhou que, em 2008, o setor exportou à Argentina US$ 15 milhões em freios, mas este volume, nos primeiros cinco meses de 2009, já sofreu uma queda de 37%. Mesmo assim, o empresário se resigna: "É o acordo possível neste momento".

No que diz respeito às exportações das embreagens, os empresários decidiram aceitar uma redução de 40% de seu envio, em comparação ao vendido em 2008. "Essa redução será feita somente nos modelos de fabricação comum", esclareceu o presidente do Conselho Administrativo do Sindipeças, Antônio Carlos Meduna. Os brasileiros se comprometeram a reduzir os cerca de 500 tipos de embreagens vendidos à Argentina a apenas 75 modelos para não competirem com os argentinos.

Este é o terceiro acordo que o Sindipeças fecha com a Argentina para restringir as vendas ao mercado do país vizinho.

Trigo

O governo da Argentina comunicou o Brasil de que não tem mais trigo para exportar. "Eles nos comunicaram de que não vão ter trigo", disse o secretário de Comércio Exterior do Mdic, Welber Barral, depois de reunião de negócios em Buenos Aires.

As autoridades brasileiras já esperavam a notícia, mas faltava uma comunicação oficial. Com os impostos que o governo de Cristina Kirchner cobra pelas exportações agropecuárias, o clima de confronto que mantém com os produtores rurais há mais de um ano e a pior seca da história do país, a produção de trigo despencou. No caso da safra 2008/2009, a produção de trigo caiu de 12 milhões para 8,5 milhões de toneladas. A Argentina consome 6 milhões de toneladas e o restante é usado para manter uma reserva estratégica do alimento.

Além disso, o governo argentino tem a estratégia de desenvolver suas exportações de produtos industrializados para agregar valor. Por isso, Cristina estimula a exportação de farinha de trigo, que paga um imposto de 18%, em lugar do trigo em grão, taxado em 28%. Com a menor produção de trigo da Argentina, o Brasil vai ter de comprar trigo de países como Canadá e Estados Unidos.

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