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Cinco milhões de produtores na ilegalidade

Números são da CNA, que defende mudanças radicais na legislação ambiental e o fim de sanções econômicas


O Código Florestal brasileiro tem acumulado sucessivos insucessos. Mas, com o aumento das pressões nacionais e internacionais de combate ao desmatamento, principal emissor de gases do efeito estufa no Brasil, cresceu também a pressão para regularizar ambientalmente as propriedades. Segundo a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), cerca de cinco milhões de produtores estão na ilegalidade ambiental.

Para tirar esses produtores da ilegalidade, começou uma corrida em torno de mudanças urgentes nos limites e regras impostas pela legislação ambiental. Essa corrida foi intensificada no final de 2007, quando o Ministério do Meio Ambiente (MMA) editou o Decreto 6.321, que prevê medidas de controle do desmatamento da Amazônia. A partir do decreto, a pasta ambiental passou a divulgar a lista de municípios que mais desmatam no país e autorizar o embargo de atividades econômicas em áreas degradadas.

Em julho de 2008, uma nova medida aumentou a pressão sobre os produtores rurais. Uma norma do Banco Central, aprovada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), obrigou o produtor rural da Amazônia a se regularizar ambientalmente para ter acesso ao crédito rural. Naquele mesmo mês, o governo federal editou o Decreto 6514, regulamentando a lei de crimes ambientais (Lei 9.605/98) e tornando as penalidades mais severas.

Os produtores rurais se rebelaram contra o decreto que determinava o prazo até dezembro de 2008 para que os proprietários de terra se regularizassem junto aos órgãos ambientais, sobretudo no que dizia respeito à averbação de áreas destinadas à reserva legal. A pressão foi tão intensa que o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, recuou e reeditou o decreto, estendendo o prazo até dezembro de 2009, por meio do Decreto 6686/2008.

11 de setembro

Segundo dados do relatório Projeções do Agronegócio – Mundial e Brasil 2006/07 a 2017/18, divulgado em 2007 pelo Ministério da Agricultura, o Produto Interno Bruto (PIB) do Agronegócio no Brasil corresponde a 23,3% do PIB total do país, ou seja, algo em torno de R$ 564 bilhões.

O Ministério da Agricultura mostra que a taxa anual média de crescimento da agropecuária em 18 anos foi de 3,09%, enquanto os setores da indústria e de serviços cresceram, respectivamente, 1,79% e 1,78%. Com a crescente demanda por alimentos, em especial, decorrente da crise mundial de alimentos, e com o incremento na produção de biocombustíveis, a tendência é o crescimento do setor da produção rural.

A importância do setor agropecuário para a economia brasileira tem reflexo direto no lobby do setor dentro do Congresso. Para evitar que o dia 11 de dezembro de 2009 se torne o 11 de setembro do produtor rural (em alusão feita por ruralistas ao dia do atentado terrorista nos Estados Unidos), os ruralistas pretendem votar as mudanças no Código Florestal até novembro.

Na tentativa de solucionar parte do problema, o Ministério do Meio Ambiente fechou acordo com representantes dos pequenos agricultores em audiência pública realizada em junho (leia mais). Como resultado dessa parceria, no dia 22 de julho, Minc e o ministro do Desenvolvimento Agrário (MDA), Guilherme Cassel, assinaram três instruções normativas para dar tratamento diferenciado à legislação ambiental para a agricultura familiar.

Foram determinadas regras específicas para regularizar a situação de pequenos produtores rurais, facilitando o processo de averbação da reserva legal, abrindo a possibilidade para o produtor contabilizar as áreas de preservação permanente no percentual de reserva legal, além da previsão de pagamentos por serviços ambientais (leia mais).

A medida, no entanto, desagradou aos grandes produtores rurais, que defendem isonomia de direitos e extensão das normas também para as grandes propriedades. “Esse acordo do ministro Minc foi um avanço, mas entendemos que tem que fazer para o Brasil todo, o Brasil produtivo, seja ele que porte for. Você não pode dividir as classes produtores de pequenos, médios e grandes, e carimbar o arroz do pequeno, o feijão do grande”, considera o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, deputado Valdir Colatto (PMDB-SC).

Mudanças

Uma das frentes para buscar essa isonomia está na mudança da legislação ambiental no Congresso. Entre os projetos que modificam o Código Florestal, o mais polêmico é o PL 5367/2009, de autoria do deputado Colatto, que institui o Código Ambiental Brasileiro e estabelece uma nova Política Nacional de Meio Ambiente (leia mais).

A proposta não só revoga a Lei 4.771/1965, que criou o Código Florestal, como também anula a lei que estabelece a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6938/1981); o decreto-lei que dispõe sobre o controle da poluição do meio ambiente provocada por atividades industriais (Decreto-lei 1413/1975); e o Decreto 4297/2002, que estabelece critérios para o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE). O projeto altera ainda artigo da lei de crimes ambientais (art. 7 da Lei 9.605, 1998), que trata das penas restritivas de liberdade, e o artigo 22 da Lei 9985, 2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (Lei do Snuc), no que se refere à criação dessas unidades.

A principal proposta do projeto ruralista é o chamado pacto federativo ambiental descentralizado, que pretende dar autonomia aos estados para que eles estabeleçam leis ambientais específicas. Esse pacto, basicamente, retira do âmbito federal a determinação de estabelecer os limites de área que devem ser preservados e passa para os estados a autonomia de decidir sobre as áreas que não podem ser desmatadas.

“Essa lei propõe um direcionamento de conduta para todos os estados. Com isso, vamos dar aos estados a prerrogativa que ele já conquistou desde 1988, mas até agora não exerceu, que é de legislar as suas peculiaridades. Vamos descentralizar essa política para que ela ocorra tanto com uma fiscalização mais efetiva, quanto com uma efetividade maior”, explica Samanta Pineda, responsável técnica pelo projeto.

Pacto inconstitucional

O projeto é alvo de muitas críticas. Para o consultor jurídico do Ministério do Meio Ambiente Guilherme Estrada, esse pacto federativo é inconstitucional. “Eu só posso estadualizar questões que digam respeito a aspectos peculiares e locais. Eu não posso estadualizar questões que se refletem além dos limites do próprio estado. E as questões ambientais em geral se refletem além do estado”, defende Guilherme.

O projeto estabelece ainda mudanças de competências e conceitos da atual legislação. Ele acaba com o conceito de reserva legal da propriedade e de APP e determina que a preservação das áreas será delimitada por bioma e não mais por propriedade. A proposta retira poderes normativos e deliberativos técnico do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e estabelece prazo de 60 dias para o licenciamento ambiental, atrelando o não cumprimento desse prazo à aprovação automática da licença.

“Esse projeto tem diversas falhas do ponto de vista ambiental. Nele, o direito de propriedade está acima do direito ao meio ambiente. A propriedade rural não pode se eximir de cumprir a sua função social. Além disso, estabelecer licenciamento por decurso de prazo, isso não existe. A degradação do meio ambiente impacta em toda a sociedade. Eu não posso autorizar que um empreendedor que tem como atividade fim a realização de lucro possa impactar sem que isso seja precedido de uma análise desse impacto”, considerou Guilherme.

O PL 5367 tramita na Câmara apensado ao PL 1876, de 1999. Também tramitam em conjunto com eles o PL 4524, de 2004, o PL 4395/2008 e o PL 5226/2009. Esse último, proposto pelo PT, traz mudanças que seguem de acordo com a direção do governo nas negociações com o pequeno agricultor (leia mais). Todas essas propostas serão discutidas em uma comissão especial antes de seguirem para votação em plenário.

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