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Crime avança no campo na esteira do agronegócio

Quatro homens entraram na Fazenda Macaúbas, em João Pinheiro, MG, e renderam os funcionários por volta das 16 horas.


No dia 7 de junho deste ano, quatro homens entraram na Fazenda Macaúbas, em João Pinheiro, MG, e renderam os funcionários por volta das 16 horas. Com todos presos no banheiro, outros oito chegaram em duas carretas e estacionaram no local. Dentro delas havia cavalos arriados, um curral móvel e um embarcador.
 
“Então, levaram embora 76 animais nossos”, conta Bruno Rocha. A fazenda pertence ao pai dele, que depois do roubo desistiu da atividade. Próxima ao trevo da BR-040, rodovia que liga Pirapora a Patos de Minas, a Fazenda Macaúbas foi arrendada, assim como outra propriedade da família.
 
Em 37 anos trabalhando com gado na região, essa foi a primeira vez que os Rocha foram vítima da ação de bandidos. O prejuízo com o roubo dos animais registrados da raça guzerá chega a R$ 250 mil. “A gente trabalhava com a venda de machos, então roubaram tourinhos, vacas prenhas, novilha, bezerro novo, foi tudo”, afirma Bruno.
 
Ele foi comunicado do roubo no dia seguinte ao ocorrido, por volta das oito horas da manhã, quando os ladrões deixaram a propriedade. O boletim de ocorrência foi feito em João Pinheiro, MG. Até o momento, o fazendeiro não teve notícia do paradeiro do rebanho.
 
Bruno Rocha não é o único. Embora faltem estatísticas abrangentes sobre o número de roubos e homicídios no campo, o especialista Luís Flávio Sapori, coordenador do Centro de Pesquisa em Segurança Pública da PUC Minas, afirma que o crescimento da violência na zona rural tem acompanhado o das cidades.
 
Durante audiência pública para discutir o tema em Minas Gerais ele ouviu dos presidentes dos sindicatos rurais que a maior reivindicação dos produtores hoje é por segurança. “Não é crédito, não é infraestrutura logística, é segurança no campo”, diz.
 
Com o fortalecimento da atividade econômica na zona rural, de 15 anos para cá essas áreas tornaram-se atrativas para a prática do crime. “O aumento da riqueza fez com que as propriedades virassem alvo do interesse dos ladrões, e não estamos falando de ladrões de galinhas. Estamos falando de quadrilhas, organizações que fazem a receptação de produtos roubados”, diz Sapori.
 
De Norte a Sul - José Ferreira Sales, assessor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária do Pará, conta que a preocupação com os roubos segue a mesma linha no Norte do país. “Vemos que a insegurança é fruto da ação do crime organizado. Até porque, é necessária uma logística considerável para, digamos, roubar 100 bois de uma fazenda. Isso se estende também a documentos, afinal, não é possível transitar nas rodovias sem documentação, quer seja pela questão fiscal, quer seja pela sanitária, e os criminosos conseguem. Ficam impunes”, afirma Sales.
 
Na Ilha do Marajó, onde historicamente concentram-se a maior parte dos casos de roubo na região, o trânsito dos animais é feito por balsas ou outros tipos de embarcação, o que não tem sido entrave para os bandidos. “Hoje, está sendo muito difícil obstruir a ação deles, também por omissão do Estado. A carne muitas vezes é vendida em feiras no Marajó, quando o gado não é enviado para Macapá, no Amapá”.
 
Recentemente, Sales conta que outro tipo de roubo comum tem sido de estoques de pimenta-do-reino. “O produtor espera para ver como vai ficar o preço da mercadoria, e acabam levando o carregamento, que é muito valioso, com o carro que estiver na garagem”, diz. Segundo Sales, a Ilha do Marajó enfrenta uma banalização do crime, com índices irrisórios de recuperação de mercadorias e pouca ação das autoridades.
 
Encarregado de atender os Rocha na delegacia de João Pinheiro, MG, quando do roubo dos animais da raça guzerá, o sargento Torres afirma que os casos na região diminuíram depois que uma patrulha rural foi instituída. Uma viatura foi destinada só para esse fim e outras duas – uma para a polícia militar e outra para a polícia civil – foram adquiridas por iniciativa dos produtores da região. “A gente percorre as estradas vicinais, faz abordagem de pessoas suspeitas. É um trabalho de prevenção”, diz.
 
No início do ano, segundo Torres, quatro pessoas foram presas, todas por porte de arma de fogo. O sargento conta que as quadrilhas agem com rapidez, mas que em alguns casos os produtores conseguem recuperar o gado, e que recentemente houve uma operação bem-sucedida em Uberlândia e outra em Goiás. “Recuperamos os animais em leilões, mas quando roubam boi gordo é mais difícil, porque logo vendem para o abate”, conta.
 
Ação conjunta - No Paraná, iniciativas têm sido tomadas no sentido de aproximar a comunidade rural da polícia e do poder público. Em 2013, o município de Apucarana foi o primeiro a criar um Conselho Comunitário Rural de Segurança (Conseg Rural). Comuns nas zonas urbanas paranaenses, os Consegs estimulam a discussão e planejamento de ações em prol da segurança coletiva.
No início de suas atividades, o Conseg de Apucarana identificou que 44% dos produtores rurais que sofriam com roubo ou furto não registravam boletim de ocorrência. Sem o registro, o trabalho da polícia era dificultado.
 
Por meio de palestras educativas, foram passadas orientações que colaboraram nesse aspecto e aumentaram a adoção de medidas preventivas pelos produtores. A solução de casos, que era de 0% em 2012, subiu para 80% a partir de 2013.
 
De acordo com o atual presidente do Conseg de Apucarana, Luiz Carlos Balan, hoje as propriedades já contam com melhor iluminação na área externa das casas, cães de guarda e mecanismos de comunicação entre os vizinhos. “Nosso próximo passo será instalar sirenes em todas as casas, para que quando haja movimentação suspeita um proprietário ligue sua sirene, o outro ligue também e assim por diante”, diz Balan. A instalação de câmeras também está sendo feita nas fazendas maiores.
 
Foi graças a uma câmera na estrada vicinal de sua fazenda que o produtor de soja e milho de Matupá, MT, Orcival Guimarães, recuperou quase R$ 1 milhão em insumos agrícolas furtados de sua fazenda. De acordo com ele, os assaltantes chegaram numa noite chuvosa, em que não havia energia elétrica. Com uma caminhonete e um caminhão, carregaram tudo que ele tinha armazenado.
 
Os funcionários só foram perceber a ação na manhã seguinte, quando encontraram um cadeado diferente no barracão e, lá dentro, nenhum produto. A quadrilha foi presa pela polícia de Sinop, MT, e foram recuperados cerca de 90% dos itens furtados.
 
Uma câmera instalada sobre o Rio Peixoto, no trecho de saída da propriedade, foi decisiva para o avanço das investigações. “Viram o caminhão indo embora da fazenda e a suspeita que se tinha de que essa quadrilha estava roubando na região se confirmou”, afirma Guimarães. Os ladrões foram presos em flagrante após monitoramento da polícia.
 
“Prenderam três pessoas naquele dia. Recuperaram bastante produto. Depois do ocorrido, fechamos a porta da fazenda, como se diz, colocamos câmera, alarmes”. Parte dos insumos estava em um depósito da quadrilha em Sinop, parte em Matupá, e o restante, no depósito de um terceiro em Alta Floresta, MT.
 
Sossego custa caro - Na região de Guarapuava, Candoi e Pinhão, no Paraná, uma iniciativa ajuda a prevenir a prática de atos criminosos. Na falta de recursos para ampliar a ronda policial, os produtores se mobilizaram e há 12 anos uma empresa particular foi contratada para percorrer as estradas rurais e fazer a vigilância.
 
Rodolpho Luiz Werneck Botelho, presidente do sindicato rural de Guarapuava, diz que o monitoramento vem ajudando a inibir a prática de crimes. “As caminhonetes têm rádio, sirene, e quando é identificada qualquer ação suspeita eles acionam a polícia”, afirma.
 
Nos últimos anos, os produtores também ganharam o costume de ficar atentos a qualquer movimento estranho, anotar a placa dos veículos e se comunicar com a patrulha rural. Segundo Botelho, embora não seja o ideal, uma vez que a manutenção da segurança é responsabilidade do Estado, a vigilância particular foi uma das alternativas encontradas para atender a demanda dos produtores locais.
O que fazer? - Para o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Minas Gerais, Roberto Simões, entre as principais demandas pela melhoria da segurança no campo estão a ampliação do acesso a telefonia e internet, reforço da fiscalização em rodovias, efetivo policial especializado, punição mais severa para crimes de furto e receptação de gado e facilitação do acesso a armas de fogo.
 
“No passado, qualificava-se como crime de abigeato roubar 5, 6 cabeças de gado. Hoje, há casos em que encosta uma acarreta e leva 150 animais. Você tem quadrilhas especializadas, então, é preciso ter um combate inteligente. Pelo menos permitir que dentro dos limites da sua propriedade a pessoa possa ter condições de se defender”, afirma Simões.
 
Especialista em segurança pública, Sapori acredita que a saída para reduzir os índices de violência no campo não está em armar o produtor ou tentar fazer justiça com as próprias mãos. “O que a gente vê é uma tendência de os produtores contratarem PMs e policiais civis aposentados e criarem milícias na zona rural. Isso é muito preocupante, porque eles assumem a tarefa de manter a lei e a ordem, o que é dever do Estado. Na prática, a violência torna-se maior do que já é e abre espaço para que morram mais pessoas inocentes”, diz.
 
Atualmente, o Estatuto do Desarmamento permite a posse de arma de fogo, por maiores de 25 anos, nos limites da propriedade rural mediante aprovação das autoridades competentes para manutenção da defesa patrimonial. Na opinião de Sapori, o que se faz necessário é o governo de cada Estado criar uma força tarefa com a polícia militar e civil para aumentar sua capacidade de investigação. Se possível, com apoio do Ministério Público.
 
Na região de Patrocínio, Minas Gerais, funciona desde 2012 o programa Fazendas Protegidas, da Polícia Militar. O programa tem 11 mil quilômetros de estradas rurais mapeados no município e 5.200 fazendas identificadas. De acordo com o Major Caixeta, do 46°Batalhão da PM de Patrocínio, nos últimos anos, outros 10 municípios cobertos pela unidade também tiveram sua área rural mapeada, o que estendeu o alcance do programa.
 
“Trabalhamos com um banco de dados em que consta a coordenada geográfica de cada fazenda e por meio da navegação com GPS estabelecemos para cada uma delas um código - em vez do nome da rua ou número”, diz. No dia a dia, isso agiliza o trabalho dos policiais, que chegam com maior rapidez às propriedades. Ao todo, são 15 as viaturas focadas na operação do Fazendas Protegidas em toda a área rural do 46° Batalhão.
 
Com a implantação do projeto, o número de ocorrências foi caindo e no mês passado não houve nenhum caso de roubo na região. Um grupo no Whatsapp tem servido de reforço para facilitar a ação da polícia: “Ele reúne produtores rurais, policiais e líderes comunitários que trocam informações, recebem denúncias e passam orientações”. Segundo o Major Caixeta, existe a intenção de ampliar o programa para o restante do Estado de Minas Gerais.
 

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