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Endividamento já supera em 50% as receitas das usinas do Nordeste

Com perfil exportador, empresas estão mais vulneráveis às oscilações cambiais


Abatidas pela crise financeira que atinge o setor sucroalcooleiro, as usinas do Nordeste encontram-se em situação delicada, e boa parte delas acumula dívidas que superam em 50% o total de seu faturamento. Levantamento feito pelo Valor com consultorias, bancos e fontes do setor mostra que as 73 usinas da região Nordeste somam, juntas, dívidas de cerca de R$ 7,5 bilhões, ante receita estimada em torno de R$ 5 bilhões nesta safra.

Boa parte dessas dívidas foi contraída nos últimos anos com bancos para financiar a expansão da capacidade de produção das unidades em operação em seus Estados de origem, e também com tradings e fornecedores.

Muitos grupos também se endividaram para tocar projetos "greenfield" (construção a partir do zero) fora do Nordeste, uma vez que a expansão na região não é economicamente viável. Como parte dos balanços dessas usinas não é público, não foi possível fazer uma avaliação sobre o perfil do endividamento delas. Porém, dados dos processos judiciais de três usinas do Nordeste que entraram em recuperação judicial mostram que as empresas têm dívidas vencendo ou já vencidas que superam a receita.

Com forte tradição na produção de cana no Brasil nas últimas décadas, o Nordeste foi perdendo espaço, sobretudo a partir dos anos 90, quando as usinas do Centro-Sul começaram a se dedicar à produção de açúcar, após o declínio do Proálcool, no fim dos anos 80. Para acompanhar o movimento de expansão do Centro-Sul, parte dos grupos nordestinos migrou sua produção, entre o fim dos anos 90 e início dos anos 2000, para Minas Gerais e São Paulo, e também para o Centro-Oeste do país.

"O perfil do Nordeste é exportador. Com vantagem logística [boa parte delas está a menos de 100 quilômetros dos portos], cerca de 80% da produção de açúcar é vendida no mercado externo", diz Renato Cunha, presidente do Sindicato das Indústrias de Açúcar e Álcool de Pernambuco (Sindaçúcar-PE).

"As usinas tiveram de financiar a exportação com recursos próprios em 2008 e agora enfrentam problemas de fluxo de caixa. Cada usineiro administra a falta de recursos de uma forma. Algumas estão realmente deixando de pagar seus fornecedores", diz Pedro de Melo Nogueira, presidente do Sindicato da Indústria do Açúcar e do Álcool de Alagoas (Sindaçúcar-AL).

A crise financeira das usinas sucroalcooleiras não está concentrada no Nordeste, mas como as empresas da região não têm as mesmas vantagens competitivas que as do Centro-Sul, cuja produtividade média fica entre 80 e 90 toneladas de cana por hectare, ante 60 toneladas por hectare no Nordeste, por exemplo, o impacto negativo tem sido mais agudo. O endividamento das usinas da região oscila entre 0,7 do faturamento até 1,5 vez em boa parte dos casos, segundo fontes ouvidas pelo Valor.

"Essas usinas, por terem perfil exportador, sofrem mais com a oscilação do câmbio. O crédito está escasso em todo país, mas a região sente de forma aguda, uma vez que tem os custos de produção maiores e a escala industrial menor", diz João Adamo, diretor da gestora de recursos Vision.

Um dos tradicionais grupos do setor, o Tavares de Melo, desfez-se em 2007, início da crise do setor, de seus ativos em açúcar e álcool. O grupo pernambucano vendeu naquele ano suas cinco unidades para a companhia francesa Louis Dreyfus, marcando a expansão da multinacional no segmento.

"Percebemos que o setor passava por um momento de consolidação, demandando muito capital. Ou investíamos, ou seríamos engolidos com o tempo. Por isso, decidimos vender as usinas enquanto o preço delas ainda estava em alta", disse Romildo Tavares de Melo, um dos sócios do grupo, cuja divisão sucroalcooleira faturava cerca de R$ 500 milhões. Com a saída do setor, o grupo concentra seus negócios em alimentos e bebidas.

Além do alto índice de endividamento com bancos e tradings, as usinas da região também acumulam uma dívida recente de cerca de R$ 100 milhões com os fornecedores de cana independentes do Nordeste, de acordo com as Associações de Fornecedores de Cana de Pernambuco e Alagoas.

A inadimplência com os produtores começou em dezembro e já repercute em vários setores da economia dos municípios canavieiros. "Sem receber, os produtores também estão deixando de arcar com suas dívidas pessoais e até demitindo", explica Lourenço Lopes, presidente da Associação dos Plantadores de Cana de Alagoas. Ele mesmo já dispensou 17 dos 35 funcionários que tinha em sua propriedade.

Sem investimentos nos canaviais, a próxima safra, a 2009/10, que terá início em setembro, poderá registrar forte quebra. A previsão do Sindaçúcar-AL, por exemplo, é de uma queda de 17%, de 30 mil toneladas de cana na safra 2008/09 para 25 mil toneladas em 2009/10. Nogueira, do Sindaçúcar-AL, afirma que o nível de adubação das terras no Estado está inferior ao necessário, o que deve derrubar ainda mais a produtividade. Alagoas é o maior produtor do Nordeste, seguido por Pernambuco.

Para Cunha, do Sindaçúcar-PE, a solução para os canaviais da região Nordeste está em programas de apoio do governo federal, como subsídios, para compensar a menor produtividade. "O país precisa parar para pensar se quer manter o agronegócio da cana no Nordeste. É um setor que emprega mais de 300 mil pessoas na região."

Os canaviais do Nordeste estão começando a perder importância diante do tamanho que a produção do resto do país vem alcançando, segundo Cunha. Na safra 2008/09, a produção nordestina representou um sétimo dos canaviais do Centro-Sul, com 500 milhões de toneladas.

Na safra 2008/09, o governo federal concedeu subvenção aos produtores do Nordeste, limitados a R$ 5 por tonelada de cana, quando a tonelada da matéria-prima na região estava inferior a R$ 40,92.

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