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Entrevista: Eliseu Alves, Fundador da Embrapa

“Não adianta ter equipamento se não sabe aplicar no campo”


Foto: Nadia Borges

A declaração é de Eliseu Roberto de Andrade Alves, ou simplesmente Dr. Eliseu. Ele é um dos fundadores e ex-presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. A instituição completa neste ano 46 anos de dedicação às mais diversas áreas de pesquisa, dando aporte para os setores do agronegócio. O desafio surgiu do ministro da Agricultura Cirne Lima, durante a década de 70, no governo Médici. O Brasil se questionava porque mesmo tendo um bom serviço de extensão rural não alcançava grandes produtividades. Um estrutura já existente foi modificada dando origem à Embrapa.

Hoje Eliseu Alves analisa a agricultura brasileira do ponto de vista de sua experiência de uma vida toda no setor. Neto de agricultores mineiros e Ph. D em Economia Agrícola, ele acredita em alguns pontos que, mesmo polêmicos, são fundamentais:

 “O conhecimento dos sistemas de produção impacta mais do que as tecnologias. Não adianta ter equipamento de ponta se não sabe aplicar no campo”.

“A taxa de produção é maior do que a de insumos. Os conhecimentos explicam isso. Insumo é vendido. Conhecimento não é vendido. Conhecimento não está no mercado”.

“O Brasil pode ajudar a vencer a fome no mundo. Podemos ser uma potência, quem sabe o primeiro país em produção de alimentos do mundo”.

Dados da FAO apontam que, até 2050, a produção agrícola vai precisar crescer 100 % em países subdesenvolvido para dar conta da demanda mundial. Alves vê essa questão como obrigação brasileira.  “Isso vai gerar muita renda ao setor e alavancar o crescimento do Brasil, ajudando o mercado externo. O brasileiro vai ter orgulho da agricultura”.

Portal Agrolink: O senhor é o fundador da Embrapa. Gostaria que fizesse um panorama de como era a entidade há 46 anos atrás quando ela foi fundada e como está hoje?

Eliseu Alves: um grupo lá no Rio de Janeiro tinha uma questão a responder que havia sido proposta pelo ministro Cirne Lima. Por que o Brasil mesmo tendo um bom serviço de extensão rural não subia a produtividade agrícola que permanecia estagnada.  A resposta do grupo depois de anos de trabalho, com pesquisa no campo, em bibliografias e todo ritual que normalmente se faz nessas condições chegou a conclusão que o Brasil não tinha tecnologia suficiente para fazer a agricultura crescer. O grupo propôs modificar uma instituição de pesquisa que já existia no Ministério da Agricultura, que já estava implantada em vários pontos do território nacional e dessa mudança nasceu a Embrapa. Uma empresa pública que veio resolver todos os gargalos.

Portal Agrolink: O senhor deu uma declaração recentemente que até causou repercussão. Dados do Mapa num período analisado de 1975 a 2017 dizem que o conhecimento sobre os sistemas de produção impacta mais do que as tecnologias na agricultura como insumos, máquinas. O senhor disse que tão importante quanto a tecnologia em questão é saber aplicar isso no campo.

Eliseu Alves: você tem uma agricultura crescendo a uma determinada taxa e tem os insumos crescendo a uma outra taxa. Aí você compara a taxa de crescimento dos insumos com a taxa de crescimento da produção e se verificou que a taxa de crescimento da produção era muito maior do que a dos insumos. Essa diferença quem explica são os conhecimentos. Estes não são transacionados no mercado. Ninguém vende conhecimento. Insumo que é vendido.Em consequência dos conhecimentos não serem parte do mercado, evidentemente, passaram a ser muito importantes. O que nós fizemos? Procuramos medir importância dos conhecimentos. 70% ou até 90% do crescimento da produção tem sido explicados pelos conhecimentos. Isso é extremamente importante para a Embrapa no sentido de que nós somos uma instituição produtora de conhecimento. Os insumos são produzidos pela iniciativa privada. A Embrapa produz alguma coisa: máquinas, variedades e outras novidades mas o que tem maior impacto nesse milagre que aconteceu de 70 para cá na agricultura são os conhecimentos gerados pela Embrapa, sistema universitário e todas as instituições encarregadas da pesquisa aqui no Brasil.

Portal Agrolink: O senhor cita a importância da pesquisa. O setor privado que fornece essa tecnologias para a agricultura cresce a grandes taxas.  A pesquisa vem crescendo nesse mesmo ritmo ou o que é necessário para que se leve mais conhecimento ao campo?

Eliseu Alves: o conhecimento não tem limites. Vamos sempre precisar de coisas novas e não é pela beleza do novo ou pela satisfação de criar algo inusitado. É simplesmente para baixar o custo dos alimentos para os consumidores brasileiros e dar condições para o Brasil exportar mais ainda.  Ajudar o Brasil a ganhar a competição no mercado internacional. A finalidade da tecnologia, portanto, é muito pragmática no sentido de ajudar a sociedade brasileira a ultrapassar a pobreza produzindo alimentos mais baratos, ajudando a economia a crescer e ajudar o Brasil a se tornar uma potência quem sabe a primeira potência produtora de alimentos do mundo.

Portal Agrolink: Dados da FAO dizem que até 2050 a produção agrícola vai precisar crescer 70% no mundo e quase 100% em países em desenvolvimento como o Brasil para alimentar toda a população.  Na sua visão a Embrapa está acompanhando este movimento ou ainda falta em investimento, estrutura para pesquisa, pessoal...

Eliseu Alves: nós temos a obrigação de ajudar a alimentar a população brasileira e do mundo e vamos ganhar muito dinheiro com isso. Isso é uma coisa muito boa aos brasileiros: estamos ganhando  dinheiro, estamos ajudando o Brasil a crescer, pagamos toda a dívida externa, uma grande parte com recursos oriundos da agricultura e das exportações. Estamos dando condições para que cada brasileiro se orgulhe de sua agricultura e do fato de nós termos superado os problemas que os trópicos trouxeram para nossa agricultura.

Portal Agrolink: O senhor acredita que o Brasil tem capacidade de chegar a esse nível de produção?

Eliseu Alves:  Já mostrou que é capaz de fazer isso.

Portal Agrolink: Nos últimos anos algumas unidades da Embrapa foram extintas. Falta sensibilidade dos governos ou políticas públicas  em relação a pesquisa? Alternativa seria buscar recursos fora?

Eliseu Alves: quem vem financiando a pesquisa brasileira é o governo brasileiro. Os recursos que vem de fora são de crédito e cada dólar que vem de fora para o Brasil nós temos que pagar. Não recebemos nada de graça. Tudo foi pago e muito bem pago. E nós demos uma resposta para o mundo no sentido de produzir alimentos para toda humanidade.

Portal Agrolink: Quando o atual presidente da Embrapa, Sebastião Barbosa, assumiu, em outubro de 2018, ele defendeu que a extensão rural e a aproximação com o setor produtivo são o caminho. O senhor concorda com essa afirmação?

Eliseu Alves: Nós temos que, evidentemente, aproximar a Embrapa do setor produtivo. A Embrapa foi criada nesse modelo como centro de produtos, de recursos. Quando nós criamos centros de soja é para que os produtores de soja saibam que a instituição está cuidando de seus interesses, portanto, foi para facilitar o contato dos produtores com os centros especializados, para atendê-los em suas demandas. A Embrapa foi organizada para trazer o produtor para dentro dela.

Portal Agrolink: Muito se fala em sustentabilidade, que em breve os produtores vão ter que se adaptar aos meios sustentáveis de produção, aos orgânicos, biológicos. Acredita que isso á é uma realidade?

Eliseu Alves: os brasileiros estão conscientizados que a gente tem que produzir alimentos com qualidade e com saúde. Nós estamos aqui não é para envenenar os consumidores brasileiros. É para dar alimentos de altíssima qualidade. Essa ala de controle biológico em que a gente usa as próprias forças da natureza para combater os inimigos na agricultura é uma coisa muito importante e está com a Embrapa desde o começo

Essas e outras declarações foram dadas em um entrevista exclusiva ao Portal Agrolink. Confira a conversa completa no vídeo.

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