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Feicorte é palco de debate do setor de carnes

Feicorte é palco de debate do setor de carnes


SÃO PAULO - Entre os dias 16 e 20 de junho, São Paulo vira palco do maior evento da pecuária de corte. A 15ª edição da Feira Internacional da Cadeia Produtiva da Carne (Feicorte) promete ser maior que a do ano passado e reunirá 200 empresas expositoras e 4 mil animais de 1,2 mil criadores de todo o País. Para Décio Ribeiro dos Santos, organizador e diretor da Feicorte, o evento ocorre em um momento de retomada dos investimentos e deve movimentar um maior volume de negócios. Para debater este assunto, o programa "Panorama do Brasil" trouxe Ribeiro dos Santos, que foi entrevistado pelos jornalistas Roberto Müller, Márcia Raposo, diretora de Redação do jornal DCI, e Milton Paes, da rádio Nova Brasil FM.

Roberto Müller: Fale um pouco da Feicorte, uma das maiores feiras do setor de carnes do mundo.

Décio Ribeiro dos Santos: Queremos com a Feicorte passar para o Brasil a ideia do que é uma feira de negócios na área pecuária de corte. Basicamente, acho que hoje no Brasil nós somos a única empresa privada que organiza esse tipo de evento. As outras feiras normalmente são feitas por associações ou prefeituras. Nós temos uma feira que é totalmente ligada ao negócio. Não temos show. A nossa característica é totalmente voltada para os negócios. Há 15 anos, quando começamos a fazer feira, diziam: "Mas como vocês vão fazer para conseguir colocar um animal dentro de São Paulo?". Na edição deste ano da Feicorte, teremos em torno de quatro mil animais. Hoje, temos falta de espaço. Estamos com 20 raças participando da Feicorte 2009, número que também é inédito no Brasil. Somos a vitrine da pecuária zebuína e das raças europeias.

Teremos também uma amostra de ovinos e caprinos, mas é uma pequena amostra. Achamos que o carneiro e o cabrito podem integrar, sim, a pecuária de corte. O criador do boi pode ter também o carneiro e o cabrito. Com isso, fizemos uma pequena amostra na Feicorte em função de uma outra feira grande que também organizamos: a Feira Internacional de Caprinos e Ovinos (Feinco). Mas vale lembrar que a Feicorte é a feira do boi.

Márcia Raposo: Qual é o maior cliente externo do Brasil em gado de corte neste momento? Já é um gado de corte previamente preparado? O Brasil já exporta cortes ou nós ainda temos muita exportação de boi em pé para formação de plantéis no exterior?

Décio Ribeiro dos Santos: A carne brasileira melhorou muito nos últimos anos. O País fez um trabalho genético muito bom. Podemos considerar o pecuarista brasileiro um herói: ele luta contra todas as adversidades que encontra no caminho. O brasileiro é um produtor de genética, ele sabe fazer. Eu já vi raças italianas virem ao Brasil e serem melhoradas. Depois disso, vi produtores e fazendeiros italianos virem para a Feicorte para comprar a genética do boi italiano para levar de volta à Itália porque o Brasil ficou melhor naquela raça do que o próprio país de origem dela. Esse movimento também é visto em outras raças. Hoje, o nelore é a grande raça do Brasil. O País tem atualmente em torno de 200 milhões de cabeças. É mais boi do que gente.

Além disso, aquela ideia que se tinha de que o boi devasta, mudou. Isso ainda pode acontecer em alguns poucos lugares. Este ano, na Feicorte, o tema será a sustentabilidade e tudo o que envolve esse processo. Além disso, vamos ter a reunião, no Congresso, dos deputados da bancada ruralista no dia 19. Será um grande encontro. Discutiremos vários temas dentro da pecuária de corte.

A carne brasileira deixava a desejar, mas melhoramos o trabalho genético que foi feito dentro do processo de cruzamentos industriais. Um exemplo disso é a própria genética do nelore, que hoje se compara a qualquer raça que tenha uma carne macia.

Estará conosco o Rubaiyat, obviamente, mais uma vez nos apoiando, dentro da Feicorte. Teremos o boi japonês e uma série de outras atividades. Devemos ter este ano 140 temas diferentes com atividades paralelas que acontecerão nos cinco dias da Feicorte.

Milton Paes: A cada ano que passa, a cada edição da Feicorte, a participação do público aumenta. Para esta edição de 2009, qual é a sua estimativa de público?

Décio Ribeiro dos Santos: Trabalhamos hoje com uma estimativa de público de 25 mil a 30 mil pessoas.

Milton Paes: Este foi o mesmo número de participantes da edição passada?

Décio Ribeiro dos Santos: Na edição passada, tivemos cerca de 25 mil pessoas que participaram do evento.

Milton Paes: Existe a perspectiva de a Feicorte deste ano ser o maior evento de carne bovina já realizado no Brasil em função das atividades que estão sendo preparadas?

Décio Ribeiro dos Santos: Pode ser. Este ano é atípico porque ele se segue a um ano muito complicado, que foi o de 2008. Muitas empresas novas participam da Feicorte este ano. Também resgatamos empresas que tinham desistido de participar e já não estavam presentes no ano passado e que voltarão a marcar presença na Feicorte deste ano.

Márcia Raposo: Essas ausências são efeito da crise mundial?

Décio Ribeiro dos Santos: Ainda estamos fazendo um trabalho de resgate daquelas empresas que eventualmente desistiram de participar do evento, embora não tenhamos mais espaço. Os espaços da feira estão completamente ocupados. Aqueles que tradicionalmente participaram do evento e desistiram, tiveram seus estandes imediatamente ocupados por outras empresas. Também fizemos uma divulgação muito forte no exterior.

Roberto Müller: Qual é a participação de estrangeiros na Feicorte?

Décio Ribeiro dos Santos: Contamos com presença muito forte de estrangeiros na Feicorte. Contamos com empresas que prospectam mercados, fabricantes de equipamentos e compradores de genética. Atualmente o Brasil está exportando genética a países como a Colômbia.

Márcia Raposo: Também vendemos para o Líbano?

Décio Ribeiro dos Santos: O Líbano está comprando animais vivos para abate. O comprador que vem à Feicorte é comprador de um animal puro, para melhorar a genética, na Venezuela, na Colômbia, no Paraguai e na Bolívia. Todos eles vêm aqui para comprar animais de qualidade e melhorar o rebanho em seu país. Uma das atrações que teremos este ano é um boi espanhol que participará da Feicorte por meio da parceria que a Associação dos Criadores Galega do Brasil tem com o Pão de Açúcar. O Pão de Açúcar vai estar presente, e mostrará a qualidade da carne que eles estão preparam. Hoje é uma grande preocupação dos restaurantes e das grandes redes de supermercados a qualidade do produto que eles oferecem. Por isso, teremos na Feicorte a cozinha interativa, mostrando que a carne de segunda também pode ser maravilhosa se for bem preparada. Nós fazemos isso nas três feiras: Feicorte, Feinco e Feileite.

Milton Paes: Percebemos que o consumidor interno tem ficado mais exigente na hora de adquirir um tipo de corte de carne nobre. A que você atribui essa mudança de perfil do consumidor, das próprias cadeias de restaurante e até dos supermercados, que hoje vendem cortes selecionados?

Décio Ribeiro dos Santos: Nós também nos perguntamos isso. Eu nasci em São Paulo. Até completar18 anos, não falávamos em churrasco em São Paulo. Não comíamos churrasco. O que fazíamos era pôr um bifinho na grelha. Quando os gaúchos vieram, montando as churrascarias e os rodízios, é que a carne teve esse boom. Hoje, acho que os cortes especiais têm sido bem explorados, inclusive pela mídia: ligamos a televisão e lá está uma aula de gastronomia. Temos uma gama de informações muito maior do que no passado. Este fator colaborou com a popularização dos cortes especiais.

Roberto Müller: Por se tratar de uma feira da cadeia produtiva da carne bovina, que setores estarão presentes na Feicorte? Quem levará animais para o evento?

Décio Ribeiro dos Santos: Todos os setores ligados à pecuária de corte estarão presentes no evento. Estamos falando do produtor, do fazendeiro e do frigorífico. E das empresas e dos laboratórios até os veterinários, estudantes de veterinária e zootecnia. Contaremos com a participação de 250 empresas ligadas a esse setor, que vai do fabricante de troncos e balanças ao laboratório científico de transferência de embrião, genética, mapeamento e DNA. Dentro da Feicorte, hoje, o pecuarista encontra todos os segmentos necessários para ter informação.

Milton Paes: Os restaurantes também estarão presentes na feira? Haverá a possibilidade de saborear a carne dos animais que participam da feira?

Décio Ribeiro dos Santos: Vários restaurantes oferecem a degustação da carne de animais que criam durante a Feicorte. Teremos raças que participarão do evento de que muitos nunca ouviram falar. São as chamadas raças sintéticas, que foram feitas na África do Sul e no Caribe. São 18 raças bovinas que nós vamos ter expostas.

Márcia Raposo: O Brasil tem liderança em quase todas essas raças internacionalmente ou é famoso apenas pelo nelore?

Décio Ribeiro dos Santos: Temos os zebuínos. E há uma lógica para isso: é a raça que mais se adapta ao nosso clima, principalmente do Mato Grosso para cima. No entanto, temos hoje raças que são importantíssimas para o cruzamento industrial. Se formos para o sul do Brasil, encontraremos o angus, o hereford e outras raças que são criadas em clima mais frio, como no Uruguai e na Argentina - países onde a carne também é maravilhosa. A carne argentina é famosa no mundo, mas, na minha opinião, a carne uruguaia é melhor do que a argentina.

Márcia Raposo: Existe alguma preferência do mercado norte-americano por algum corte brasileiro? Podemos identificar esse comportamento ou somos produtores de larga escala e não nos destacamos em um nicho específico?

Décio Ribeiro dos Santos: Nós não estamos no mercado norte-americano. Nós estamos no mercado europeu. Acredito que já temos alguns cortes preferidos pelos estrangeiros. No entanto, são cortes diferentes dos que estamos acostumados a consumir no Brasil. Os nossos cortes não são exatamente os cortes que eles usam em outros países.

Milton Paes: Depois da série de embargos por questões sanitárias, hoje a carne brasileira tem reconhecimento e credibilidade no exterior, principalmente na Europa?

Décio Ribeiro dos Santos: O problema do Brasil é que somos um país grande demais. Muitas vezes temos um problema de aftosa no Amazonas e Santa Catarina pára de exportar. No exterior, o Brasil é visto com um bloco só.

Roberto Müller: Os cuidados sanitários, de preservação e da qualidade criam celeuma internacional e reduzem drasticamente as exportações do País. O Brasil já avançou nesse sentido?

Décio Ribeiro dos Santos: O Brasil avançou muito. Eu acho que o trabalho que foi feito pelo Ministério da Agricultura nestes anos todos tem de ser reconhecido. Podemos não gostar do governo, mas temos de dar o braço a torcer pelo trabalho que foi feito pelo Ministério da Agricultura. Hoje temos os organismos que estão controlando o setor. No entanto, temos de lembrar que o Brasil é um país muito grande e que conseguirmos controlar um país de dimensões continentais é uma tarefa difícil, principalmente em relação ao número de fronteiras que temos.

Márcia Raposo: O que podemos dizer sobre a rastreabilidade de 200 milhões de bois?

Décio Ribeiro dos Santos: Não é fácil. Já avançamos muito, mas não é fácil. Só criticar o governo não adianta. Melhoramos muito porque nos últimos anos temos um foco. Como eu disse antes, o Brasil é visto como um só bloco: as pessoas esquecem de considerar as distâncias. No entanto, acredito que o setor tende a crescer. Não tem volta: este é um mercado que o Brasil já conquistou.

Márcia Raposo: Quem ameaça mais a nossa liderança hoje?

Décio Ribeiro dos Santos: Talvez a Austrália. Eu acho que este seria o único país que teria condição de fazer alguma frente ao Brasil no setor. Digo isso com base em viagens e na experiência de participar de outras feiras no exterior. Os países europeus não conseguem competir com o Brasil. Não podemos esquecer do trabalho feito pelos frigoríficos em relação à abertura de mercado. Dentro da cadeia produtiva, o trabalho do frigorífico é importante. O frigorífico acaba sendo o grande montador da cadeia produtiva. Hoje, por exemplo, o Brasil é importador de cordeiro: importamos 50% da carne que consumimos. Se resolvermos realmente consumir carne de carneiro em São Paulo, iremos consumir a produção toda do Uruguai. O Uruguai só consegue exportar ao Brasil porque tem uma população pequena. Mesmo assim, notamos uma desaceleração desta exportação porque o Brasil aumentou muito o seu volume de compras do Uruguai e eles têm de atender o mercado europeu também. Como importamos muito de países vizinhos, estamos assistindo à formação da cadeia produtiva da carne de ovinos. Temos de lembrar ainda de que o setor vive uma dificuldade muito grande: o frigorífico quer comprar, o produtor quer vender, mas o produtor não consegue encontrar o frigorífico. As distâncias atrapalham.

Por exemplo, o Marfrig vem abrindo mercado e o produtor vem atrás. Esta, na minha opinião, é a prova de que quem forma realmente essa cadeia produtiva é o frigorífico.

Roberto Müller: Você disse que uma das características dessa gigantesca feira será mostrar a preocupação de toda a cadeia produtiva para com a sustentabilidade. Por que estão tão preocupados em mostrar que o setor e toda a cadeia produtiva estão atentos para a questão da sustentabilidade?

Décio Ribeiro dos Santos: Não é o nosso setor: é o mundo que hoje está preocupado com essa questão. Todos os setores estão preocupados com a sustentabilidade e a cadeia da carne está inserida nesse contexto. Temos o cuidado de preservar matas e as áreas destinadas à produção de alimentos. Com o trabalho que vem sendo feito hoje em torno da sustentabilidade, mostramos é possível criar um maior número de animais na mesma área, contando só com o aumento da produtividade. Já é possível fazer isso hoje, e este é o futuro da pecuária de corte. Só sobreviverá no setor o pecuarista que se preocupe com a sustentabilidade e com a genética.

Milton Paes: Existe uma tendência de o setor se profissionalizar?

Décio Ribeiro dos Santos: É a única maneira de o pecuarista sobreviver dentro do novo cenário que está se formando na pecuária de corte.

Márcia Raposo: Você está falando de uma brutal concentração de mercado? Hoje poucas empresas são altamente profissionalizadas.

Décio Ribeiro dos Santos: Eu viajo muito ao interior do Brasil e algumas pessoas podem acreditar que nessas regiões não houve avanço na pecuária. No entanto, nos últimos anos, observei, em propriedades em que estive, mudanças radicais, que muitos podem acreditar que seja impossível implantar. Eu tenho andado muito pelo interior da Bahia, pelo Nordeste do Brasil e tenho acompanhado mudanças radicais.

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