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Florestas e produção de alimentos em harmonia

SAF promove recuperação da mata e de áreas degradadas


Na Amazônia, maior bioma brasileiro, o sistema agroflorestal (SAF) tem se consolidado como método sustentável de produzir alimentos em meio à maior selva equatorial do planeta. Ao associar a produção de alimentos com a florestal numa mesma área, o SAF promove recuperação da mata e de áreas degradadas, aumenta a ocorrência de inimigos naturais de pragas o que produz alimentos mais saudáveis ao reduzir a necessidade de defensivos químicos. Ainda melhora a qualidade de vida de comunidades rurais ao gerar segurança alimentar, trabalho e renda. A utilização de culturas perenes favorece a permanência do produtor no campo por longos períodos, evitando o êxodo rural.

Estimulado pela legislação brasileira e aplicável a qualquer bioma, o SAF apresenta uma lista considerável de vantagens. Ele colabora para a mitigação do efeito estufa, pois incorpora carbono no solo e sequestra esse elemento por meio do componente florestal, também melhora a qualidade do solo e restringe o uso de fertilizantes químicos ao promover a ciclagem de nutrientes ao mesmo tempo em que encolhe a incidência de pragas e doenças. O SAF é biodiverso por definição o que significa que ele promove o desenvolvimento de espécies diferentes e, desse modo, conserva a biodiversidade. Ao promover o uso prolongado de uma mesma área, o SAF ainda reduz o avanço do desmatamento e de queimadas e evita a abertura de novas áreas.

Não se trata de uma tecnologia recente. Nos anos 1950, descendentes de imigrantes japoneses procuravam uma solução para os monocultivos da pimenta-do-reino dizimados pela fusariose, doença causada por fungo (Fusarium solani f. sp. piperis) detectado no solo dos pimentais do Pará. Os primeiros SAFs foram implantados na década seguinte em Tomé-Açu.

Desde então, o município possui extensas coberturas agroflorestais que dominam a paisagem. Inspirados nos quintais produtivos dos ribeirinhos, no conhecimento tradicional e na biodiversidade da floresta amazônica, os agricultores plantaram espécies frutíferas e florestais, a começar pelo cacau, dentro dos pimentais decadentes.
"Aprendemos que o cacau precisa de sombreamento. Por isso, as pessoas começaram a entrar com outras espécies para sombrear e experimentar. Plantaram maracujá, leguminosas, espécies florestais (como castanheira, mogno, ipê) e culturas anuais (como melão, mamão, arroz e milho) para garantir produção e renda enquanto as perenes se desenvolviam", relembra o produtor rural Michinori Konagano, um dos pioneiros na implantação de SAFs comerciais na Amazônia.

O desenvolvimento dos SAFs fortaleceu o cooperativismo e expandiu a agroindústria de frutas tropicais local, elevando-a a padrões de exportação. Francisco Sakaguchi, presidente da Cooperativa Agrícola Mista de Tomé-Açu (Camta), admite a simbiose: "Por aqui não existe Camta sem o SAF e nem SAF sem a Camta". O gerente da agroindústria de frutas tropicais da cooperativa, Ivan Saiki, confirma: "O modelo de SAF de Tomé-Açu é bem divulgado e dá certo porque o produtor sabe que a agroindústria compra e vai fazer a comercialização".

Açaí em SAFs

No Furo do Mazagão, típica área de várzea do estuário amazônico no Amapá, os sistemas agroflorestais incrementam a produção de açaí. Formam uma composição vegetal de vários degraus de altura, reunindo açaí, cupuaçu e taperebá (cajá) com espécies madeireiras, como pau-mulato e macacaúba.

O agricultor familiar Roberto Carlos da Silva, que junto com o açaizal maneja madeira pensando no futuro, explica: "Pau-mulato não tem pra hoje, mas pra daqui 10, 20 anos tem de onde tirar ". Na propriedade de Valdenor Carvalho de Araújo, o cedro era madeira extinta. "Hoje já tem, porque estou plantando cedro com o incentivo da Embrapa. Sei que só vou poder colher se eu plantar. Para mim, melhorou quase 100% no aspecto financeiro", diz Araújo.

O técnico Aderaldo Gazel Filho, da Embrapa Amapá, enfatiza: "O papel da Embrapa está exatamente em fazer essa ponte, unindo o que o agricultor já tem com as recomendações técnicas, simples e básicas, para SAFs adequados à realidade local e de cada um. É um trabalho participativo, de intercâmbio e de valorização dos conhecimentos tradicionais e científicos".

Banana orgânica amazonense

A experiência de recuperar o solo com princípios agroflorestais se destaca no Amazonas, no assentamento Tarumã-Mirim, zona rural de Manaus. O manejo de matéria orgânica para a formação da agrofloresta faz parte do cotidiano da agricultora familiar Clea Nunes, que produz banana orgânica com sucesso onde antes, segundo ela, o solo tinha 2,8 metros de profundidade de areia. "Nós construímos esse solo aqui, com esse adubo lindo. Banana orgânica não é fácil. Cada buraco desses leva dois quilos de adubo orgânico, para começar", conta a produtora.

A produção orgânica em sistemas agroflorestais também ocorre no Pará. Agricultores familiares da comunidade Santa Luzia, organizados na Associação dos Produtores e Produtoras Rurais da Agricultura Familiar do município de Tomé-Açu (Aprafamta), produzem sementes de cupuaçu com certificação orgânica. O processamento ocorre na agroindústria da associação, agregando valor aos SAFs com cupuaçu.

"Do segundo ano em diante, a produção aumentou até o dobro. Além disso, as plantas ganharam mais vida, o verde veio mais, a vassoura-de-bruxa desapareceu mais e, além de tudo isso, a gente sabe que vai ter uma fruta saudável", relata a agricultora Francisca Lima, da Aprafamta.

Em Rondônia, no distrito de Nova Califórnia, divisa com o Acre, os agricultores do projeto Reflorestamento Econômico Consorciado Adensado (Reca) fizeram história com a tecnologia. Eram migrantes que nos anos 1980 começaram a ver nos sistemas agroflorestais a solução para se fixarem nas novas terras.

"No começo do Reca, os próprios agricultores resolveram plantar cupuaçu, pupunha e castanha. Os dois primeiros para o sustento da família e solução para ficar no campo. A castanheira é para formar floresta, devolver para natureza aquilo que o homem já tinha tirado", conta Cemildo Kaefer, um dos fundadores do empreendimento.

Com o acompanhamento da Embrapa Acre, o mais novo processo que incorporaram é a extração do óleo de andiroba. "O mercado é garantido e nós já percebemos que andiroba cultivada traz bom resultado, dá uma rentabilidade e enriquece muito nossos SAFs", pontua Hamilton de Oliveira, diretor-presidente do projeto Reca.

Recomendações

Uma agrofloresta tem arranjos produtivos que variam conforme a região, a viabilidade econômica das espécies e a preferência do agricultor. "Para ter garantia de que vai produzir e gerar renda com SAFs, o produtor precisa conhecer o mercado do produto de sua preferência e utilizar material indicado pela pesquisa ou, na falta deste, materiais de maior potencial de produção que ele próprio já conhece", ressalta o pesquisador Osvaldo Ryohei Kato, da Embrapa Amazônia Oriental (Belém, PA).

Por ser um sistema de uso permanente da terra, o SAF exige estratégia de implantação que permita produção o ano inteiro, desde o primeiro ano até a estabilização do sistema, com geração de renda no curto, médio e longo prazos.

"Dentre os fatores para reduzir o risco na implantação de sistemas agroflorestais está o planejamento. A escolha das espécies é muito importante para se garantir diversidade da produção e produção contínua ao longo do ano", orienta o pesquisador Tadário Kamel de Oliveira, da Embrapa Acre, em Rio Branco. O produtor deve priorizar o plantio de culturas anuais nos primeiros anos do sistema, em seguida frutíferas e, por fim, as espécies arbóreas, sendo essas para exploração de madeira ou de produtos não-madeireiros, como óleo, sementes e produtos medicinais.

Capacitação internacional

Desde 2007, a Embrapa Amazônia Oriental realiza anualmente no Pará um curso internacional de capacitação em tecnologias agroflorestais. O evento é destinado a técnicos extensionistas brasileiros e de países da Panamazônia, com parceria entre governo brasileiro e

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