Gripe A: virologista é infectado pelo vírus que combate
Gripe A: virologista é infectado pelo vírus que combate
Edison Luiz Durigon cancelou palestra que faria em Porto Alegre após ser diagnosticado com a doença
Um dos principais especialistas brasileiros no vírus H1N1, o virologista paulistano Edison Luiz Durigon, 53 anos, cancelou nesta quinta-feira palestra que faria em Porto Alegre após ser diagnosticado com gripe A.
Ex-presidente da Sociedade Brasileira de Microbiologia e vice-chefe do Departamento de Microbiologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), falaria a profissionais da saúde gaúchos sobre a disseminação da doença no mundo.
A palestra com o especialista ocorreria durante uma reunião-almoço na sede da Federação dos Hospitais do Rio Grande do Sul (Fehosul), no bairro Petrópolis. O bufê foi cancelado e o público, formado basicamente por médicos e enfermeiros que atuam no controle de infecções e administradores de hospitais, precisou ser avisado às pressas sobre a impossibilidade de realização do evento.
Depois de sentir sintomas da doença, o palestrante teve diagnóstico confirmado em laboratório na noite de quarta-feira, o que o levou a cancelar a presença na Capital. Surpreso, o presidente da Fehosul, Cláudio José Allgayer, disse, por meio de um assessor, que não teria o quê comentar sobre a situação.
Bem-humorado, mas com dificuldade para falar devido à broncopneumonia que adquiriu por meio do vírus, Durigon brincou com a situação inusitada de ser afetado pelo vírus que combate:
— Não podia dar a palestra com gripe. Não podia pegar o avião distribuindo o vírus. Essas coisas acontecem.
Em casa, o virologista está isolado em um quarto, em repouso, e não compartilha objetos pessoais como toalhas, roupas de cama e utensílios domésticos. Ele está sendo tratado com o antiviral Tamiflu e antibióticos. Na residência, localizada na capital paulista, ainda circulam o filho mais velho, de 18 anos, e a mulher de Durigon, a também virologista Danielle Bruna Leal de Oliveira.
Danielle segue trabalhando normalmente no mesmo laboratório onde o marido atua, e passa a maior parte do dia fora de casa devido ao volume de trabalho. Os dois filhos menores, um menino de cinco anos e uma garota de 12 anos, foram para o sítio de um amigo, uma vez que ainda estão em férias escolares.
O ciclo da gripe que atingiu o virologista, de cinco a sete dias, deve se encerrar na terça-feira. Apesar de reconhecer ser obeso, diabético e hipertenso, Durigon não se vê dentro do grupo de risco da gripe A especificado no protocolo do Ministério da Saúde.
A expectativa é sair bem da doença, possivelmente adquirida durante o procedimento de coleta de material de pacientes com sintomas gripais.
No laboratório do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, a situação do especialista foi motivo de brincadeiras:
— A gente até brincou, quando fizemos o teste dele, que esse vírus é tão sem-vergonha que não respeita nem virologista — contou a mulher de Durigon.
Confira a entrevista com Edison Luiz Durigon:
Zero Hora — Quando o senhor começou a sentir sintomas de gripe?
Edson Luiz Durigon — Na terça-feira começaram os sintomas, e ontem (quarta-feira) se agravou. Daí não consegui ir de jeito nenhum, não podia dar a palestra com gripe. Não podia pegar o avião distribuindo o vírus. Essas coisas acontecem: estou diariamente exposto a pacientes, atendendo junto ao hospital da USP uma grande quantidade de gente.
ZH — Quando isso ocorreu, já imaginou que poderia ser o novo vírus?
Durigon — Ah, eu já tinha ideia. Tive um quadro muito clássico, com febre alta, dor no peito, muita tosse e você já sabe que é gripe. Lógico que não tinha certeza, mas fiz Raio X e aí acusou broncopneumonia que é uma das principais complicações desse vírus. Depois, fiz o teste rápido no próprio laboratório e deu positivo. Daí já me mediquei com Tamiflu e mais um antibiótico.
ZH — Como acha que se infectou?
Durigon — Provavelmente colhendo secreções de pacientes infectados para o teste. Nessa hora, embora a gente use máscara e luva, as pessoas tossem muito e se acaba inalando de algum jeito. É muito difícil não pegar, principalmente o profissional da saúde, a não ser que seja naturalmente resistente ou com imunidade. A influenza é uma infecção que se espalha muito rápido.
ZH — Por conhecer tão bem as formas de prevenção, o senhor achava que poderia ficar livre da doença ou pelo fato de transitar em hospitais e ter contato com pacientes corria mais risco?
Durigon — Sempre achei que eu corria mais risco que as outras pessoas, porque a gente está sempre muito próximo das amostras que vão chegando. Eu estava tomando todos os cuidados possíveis, como lavar as mãos várias vezes, usando máscaras e luvas no contato com os pacientes e no laboratório. No íntimo da coisa, eu falava: "Estou dando sorte até agora: todo mundo pegando e eu aí, exposto, não peguei". Até achei que já estava imune. Se não houver cuidados, corre-se o risco de ficarmos sem médicos.
ZH — É um risco real?
Durigon — Sim, no mundo todo. O médico é a última pessoa que pode chegar doente para atender ao paciente.
ZH — Segundo o Jornal da USP, o senhor disse que há um excesso de preocupação com a gripe A. O senhor continua pensando assim?
Durigon — (risos) Continuo sim, com relação ao excesso de preocupação com relação à mortalidade, ela está abaixo do esperado. Por isso, não há motivo para pânico e outra coisa: o uso de máscara dá a impressão de que a coisa é mais grave. A máscara teoricamente deveria ser usado só com quem está lidando com paciente ou doentes que têm de ir a médicos, pegando ônibus, metrô.
ZH — Como seria sua palestra em Porto Alegre?
Durigon — Eu falaria sobre o vírus, suas mutações ao longo dos anos até chegar neste. Também traria dados no Brasil e no mundo.