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Investidores trocam bolsa pela soja


Especuladores dobram patrimônio comprando grão e vendendo durante a entressafra. Os bons preços da soja estão atiçando não só a cobiça dos agricultores, mas também de médicos, dentistas, engenheiros agrônomos e profissionais liberais interessados em pegar carona na alta dos preços da commodity, que já subiram 27% nos últimos doze meses. Eles trocaram aplicações em bolsa, fundos de investimento, dólar e poupança pela soja. "Investi R$ 30 mil e resgatei R$ 72 mil em menos de seis meses. Que outra aplicação vai me dar esse retorno?", pergunta um agrônomo, que prefere não se identificar com medo da Receita Federal. Segundo fontes, esse tipo de investimento em soja não está enquadrado em nenhuma categoria pelo Fisco e seria considerado "agiotagem".

No ano passado, ele comprou 1,7 mil sacas de soja de produtores do município de Santa Helena, no sudoeste goiano, a 205 quilômetros da capital. Em plena colheita da safra, no mês de maio, ele pagou R$ 17,70 por saca de soja. O grão ficou armazenado até outubro, quando saiu de lá direto para os silos de uma trading que pagou R$ 42 por saca. O valor é 2,4 vezes maior do que o desembolsado em maio. "Se tivesse vendido em novembro, teria ganho muito mais, porque o preço subiu para R$ 46", afirma. Em igual período de 2002, o Ibovespa, índice das ações mais negociadas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), acumulava perdas de 22,3%.

Neste ano, ele pretende repetir a dose, porém com um volume muito maior de recursos. O agrônomo pretende comprar, em maio, o equivalente a R$ 75 mil em sacas de soja e revendê-las a partir de outubro por R$ 113 mil, um ganho de quase 51%. "É a minha poupança verde."

A migração para investimentos em soja, tímida há alguns anos, tornou-se uma realidade nas últimas duas safras com a alta do grão no mercado internacional. "A valorização da soja acabou atraindo gente de fora da produção, que encontrou na agricultura a oportunidade de ganhar mais do que em investimentos tradicionais", afirma Anderson Gomes, consultor da Céleres/ M.Prado, de Belo Horizonte (MG).

Para esses investidores, a soja tem dois grandes atrativos. Em primeiro lugar, é um ativo dolarizado: seu preço é atrelado às cotações da Chicago Board of Trade (CBoT). Em segundo lugar, é um ativo extremamente líquido, ou seja, é comprado e vendido com rapidez no mercado.

"Investi em títulos da dívida externa brasileira e em dólar por quase dez anos. Hoje, 100% do meu patrimônio está aplicado na soja", diz um médico de Primavera do Leste (MT). Ele começou a investir em 1999, por sugestão de um amigo.

Desde então, ele vem operando como um banco, financiando a produção de um seleto grupo de sojicultores da região. Em maio de 2001, ele deu crédito para o plantio ao preço de R$ 13 a saca. A safra foi colhida e armazenada até outubro de 2002, quando foi finalmente vendida no mercado ao preço de R$ 40, valor três vezes maior do que o pago 17 meses antes. "Já tomei prejuízo com dólar, bolsa de valores e títulos públicos. Mas em quatro anos comprando soja só tive lucro", afirma.

Nos últimos dois anos, quando o mercado esteve atipicamente aquecido, ele conseguiu dobrar seu patrimônio, o que lhe permitiu sair do aluguel e comprar uma casa com piscina, carro, terrenos e imóveis.

Ele está otimista com a safra 2002/03. Em maio de 2002, ele financiou a saca a R$ 15 e espera vendê-la por um preço três vezes maior, de R$ 45, após outubro deste ano.

Para 2003/04, no entanto, ele está mais cauteloso. "Tudo indica que os estoques mundiais cresçam, deprimindo os preços do grão", diz, com o conhecimento de quem acompanha o mercado internacional. Ele calcula que, até o final do ano, 16% da produção mundial de soja seja armazenada, acima dos 12% registrados no ano passado. "Acho que os preços da próxima safra serão menores. Por isso, desta vez, sairei do mercado para colocar o dinheiro no banco", afirma. "Mas, com a China no mercado, tudo pode mudar...".

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