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Lei inclui agricultura no comércio de carbono

A opção de comprar créditos gerados por atividades não reguladas (sem obrigação de diminuir emissões), como a agricultura, é prevista na proposta norte-americana e poderia ser utilizada pelas empresas para cumprir parte de suas metas


Por José Alberto Gonçalves, do Observatório do Clima
Fonte: Observatório do Clima

Os produtores rurais dos Estados Unidos poderão aumentar sua renda vendendo créditos de carbono se o Senado aprovar o projeto de lei que instaura um sistema de redução nas emissões no país. Estudo preparado pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) estima que a receita bruta anual com a venda de créditos de carbono pelos produtores alcançaria US$ 2,1 bilhões no cenário de curto prazo (2012-2018), US$ 7,6 bilhões no de médio prazo (2027-2033) e US$ 28,4 bilhões na projeção de longo prazo (2042-2048). Projetos de redução nas emissões das fazendas gerariam 70 milhões de toneladas em créditos em 2020 e 465 milhões de toneladas em 2050 (cada crédito equivale a uma tonelada).

A opção de comprar créditos gerados por atividades não reguladas (sem obrigação de diminuir emissões), como a agricultura, é prevista na proposta norte-americana e poderia ser utilizada pelas empresas para cumprir parte de suas metas. Anualmente, as empresas poderiam comprar um total de 2 bilhões de toneladas em créditos de atividades não reguladas, inclusive gerados no exterior, como em programas de desmatamento evitado nas florestas tropicais.

Trata-se de um instrumento similar ao Mecanismo de Desenvolvimento Limpo do Protocolo de Kyoto (MDL), que permite a empresas de países desenvolvidos realizar parte de suas metas comprando créditos de carbono de projetos de nações em desenvolvimento.

Seria a primeira vez no mundo que um sistema compulsório de cortes nas emissões incluiria a agricultura com um peso significativo nos esforços de mitigação dos gases de efeito estufa. Se aprovado pelo Senado, o Ato de Segurança e Energia Limpa dos EUA fortalecerá os argumentos de governos, setor privado e segmentos importantes do ambientalismo em defesa de mecanismos de mercado na implementação do REDD (Redução das Emissões do Desmatamento e da Degradação) e da inclusão de projetos agropecuários no cumprimento das metas. Emissões associadas ao uso da terra representam quase um terço dos gases de efeito estufa liberados na atmosfera: a agricultura responde por quase 14% das emissões globais e o desmatamento por outros 17%.

No sistema proposto nos EUA, a receita dos produtores rurais aumentaria gradativamente à medida que as metas se tornassem mais severas, com efeito direto no preço do carbono, que subiria de US$ 13 a tonelada (2012) para US$ 16 (2020), US$ 27 (2030) e US$ 70 (2050), de acordo com as projeções da EPA. A proposta da nova legislação de clima e energia dos EUA, que começaria a vigorar em 2012, prevê redução de 17% nas emissões de gases de efeito estufa medidas em CO2 equivalente em 2020 na comparação com o patamar de 2005 e de 83% em 2050. Quanto menos emissões, mais escasso será o volume de permissões (direitos de emitir carbono), causando alta nos preços do gás.(1)

Ganho líquido seria significativo

Mesmo subtraindo da receita bruta gastos com a implementação de atividades de redução de carbono para a geração de créditos, ainda sobraria muito dinheiro nas mãos de agricultores e pecuaristas.

Na fase inicial do sistema de redução nas emissões, entre 2012 e 2018, a EPA projeta receita líquida anual de US$ 1 bilhão a US$ 2 bilhões. O valor subiria ano a ano até alcançar US$ 20 bilhões em 2050. Para gerar créditos de carbono, os agricultores desenvolveriam inúmeros projetos tais como o plantio direto (2) e práticas de conservação para fixar carbono no solo, o plantio de florestas e atividades que diminuam a produção de metano em lavouras e criações animais e de óxido nitroso na aplicação de fertilizantes.

O Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) ainda não efetuou seus próprios cálculos relativos à receita com créditos de carbono no setor rural. Por isso, está utilizando os números da EPA, que agrega em suas estimativas a redução de carbono no manejo florestal, atividade que normalmente não entra nas projeções do USDA. De qualquer forma, nos números da EPA usados na análise sobre a nova legislação que o USDA publicou no final de julho, a venda de créditos de atividades agrícolas representa cerca de 70% da receita bruta total de US$ 28 bilhões em 2050 (que inclui o manejo florestal).

“Parece que a médio e longo prazo a receita líquida das compensações (créditos de carbono) provavelmente ultrapassará os custos de implementação da nova legislação climática, talvez substancialmente”, prevê o USDA. Os gastos de agricultores e pecuaristas com eletricidade, combustíveis e fertilizantes aumentariam anualmente em US$ 700 milhões no cenário de curto prazo e US$ 5,6 bilhões na projeção de longo prazo, segundo os cálculos do órgão. Até 2025, o principal impacto no bolso do produtor viria do consumo de combustíveis e eletricidade. Até lá, as vendas de fertilizantes seriam subsidiadas para atenuar os impactos da lei nos custos agrícolas.

Poucas opções

Até hoje, o MDL tem sido a única opção para o setor agrícola vender créditos de carbono a fontes reguladas (com obrigação de reduzir emissões). Mesmo assim, a maior parte dos projetos do setor registrados no MDL relaciona-se à co-geração elétrica por biomassa, sobretudo o bagaço de cana-de-açúcar, e à queima de metano resultante da decomposição de dejetos suínos.

Apenas em meados de julho, o Conselho Executivo do MDL aprovou a primeira metodologia estritamente agrícola, que permitirá o desenvolvimento de atividades de fixação biológica de nitrogênio em leguminosas, tais como a soja. A tecnologia vai eliminar o uso de fertilizantes sintéticos, que são fabricados a partir de derivados de petróleo e liberam gás carbônico. A metodologia foi desenvolvida pela Amson Technology LC, uma consultoria especializada em reduções nas emissões de gases-estufa, a Becker Underwood Inc., empresa de bioagronomia, e a Point Carbon, líder em soluções de mercado para diminuir as emissões.

Projetos mais associados ao cultivo, com boas práticas como o plantio direto, apresentam inúmeros desafios metodológicos. Isso explica em boa parte a ausência no MDL de propostas associadas ao manejo do solo. Uma das dificuldades é medir a quantidade de carbono, que varia em função da lavoura, do tipo de solo e do manejo nele efetuado.

“Outro desafio é o de assegurar que uma boa prática agrícola como o plantio direto continuará sendo realizada ao longo de todo o período de validade do crédito de carbono”, assinala Laura Antoniazzi, pesquisadora do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Ícone), de São Paulo. O Icone iniciou este ano estudo sobre impactos e oportunidades para a agricultura brasileira no tema das mudanças climáticas.

Enquanto os órgãos federais de agricultura e meio ambiente dos EUA já fazem análises sobre a futura legislação climática, no Brasil, outra potência agrícola, o Ministério da Agricultura (MAPA) permanece distante das negociações do regime climático pós-2012. Há, contudo, movimentação interna de alguns técnicos no ministério para que a pasta execute uma plataforma da agricultura para as mudanças climáticas.

Também na área agrícola brasileira, mais uma vez a ciência segue bem à frente dos tomadores de decisão e do setor privado no tema climático. Um destaque no assunto é a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que conta com algumas dezenas de pesquisadores dedicados a estudar os impactos das mudanças climáticas na agricultura. O problema, porém, é a falta de operação do MAPA na arena da política do clima, ainda monopolizada no governo federal pelos ministérios de Ciência e Tecnologia (MCT) e Meio Ambiente (MCT). Oxalá o crescente envolvimento dos EUA com a questão desperte seu principal concorrente no mercado agrícola, o Brasil, para o potencial econômico do tema das mudanças climáticas no setor rural.

Serviço

(1) O Ato de Segurança e Energia Limpa, que conta com apoio da administração Obama, prevê a distribuição de uma cota de permissões (direitos de emitir carbono) para cada empresa. Cada permissão equivale a uma tonelada de carbono. Quem emitir carbono acima de sua cota, precisará cobrir a diferença comprando permissões de empresas que possuírem sobras de carbono por terem emitido gases abaixo do limite máximo de sua cota. O sistema proposto, conhecido pela expressão inglesa “cap and trade”, inspira-se no bem-sucedido programa estadunidense de redução nas emissões de dióxido de enxofre e óxidos de nitrogênio, gases responsáveis pela chuva ácida. O mecanismo também foi adotado pela União Européia na implementação de seu esquema de comércio de carbono, criado para os países do bloco cumprirem suas metas no Protocolo de Kyoto.

(2) O plantio direto é um sistema de manejo em que a palha e os restos vegetais da safra colhida são deixados na superfície do solo. Evita-se, assim, que o solo seja revolvido, além do estritamente necessário (apenas nos sulcos onde as sementes são depositadas), e se diminui o uso de fertilizantes. O sistema fixa carbono no solo e reduz emissões de óxido nitroso e dióxido de carbono oriundas do ciclo de produção e consumo dos adubos nitrogenados.

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