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Líder em transgênicos na UE, Espanha não detalha local de plantio


Segundo uma pesquisa de 2010, 53% dos espanhóis eram contra a introdução de genes de outras espécies nos alimentos

A Espanha é líder na União Europeia em matéria de cultivo em grande escala de sementes geneticamente modificadas. Levando em conta a quantidade de experimentos e a extensão das terras cultivadas, o país acolhe 42% dos ensaios experimentais de cultivos modificados ao ar livre da UE, indicam dados do Centro Comum de Pesquisa da Comissão Europeia.


“Um experimento em grande escala está sendo realizado sem se conhecer suas consequências para a saúde, o ambiente e o futuro da agricultura”, disse à Tierramérica a ecologista Liliane Spendeler, diretora da Amigos da Terra da Espanha. A organização promove a campanha “Únicos na Europa: a televenda dos transgênicos” para informar a sociedade sobre esses cultivos.

Os organismos geneticamente modificados são aqueles aos quais se incorporaram em laboratório genes de outras espécies, vegetais ou animais, para depois produzir características desejadas, como resistência a pragas ou a climas adversos. Não há estudos conclusivos sobre a inocuidade desses transgênicos para a saúde humana e para o ambiente. Por isso, a OMS (Organização Mundial da Saúde) recomenda estudar cada caso de forma individual.

Em 2012, a Espanha contava com uma extensão de pouco mais de 166.3000 hectares de trigo transgênico MON 810, da corporação transnacional de biotecnologia Monsanto, 20% mais do que em 2011, segundo o Ministério da Agricultura, Alimentação e Meio Ambiente, com base em dados de venda de sementes. Ecologistas argumentam que esses dados são estimativas imprecisas e que não existe um registro público sobre a localização dos terrenos semeados com transgênicos.

Quando cultivos ecológicos ou orgânicos certificados se “contaminam” com variedades transgênicas, os agricultores perdem esse reconhecimento e não podem processar o dono das sementes modificadas porque não existe o registro, nem podem pedir indenização por danos, pois isso não está previsto nas legislações espanhola e europeia, lamentou Spendeler.

Na Espanha, assim como em toda a UE, só é permitido cultivar milho transgênico. A soja e o algodão modificados são importados da Argentina, Brasil, Canadá e Estados Unidos. “Os alimentos transgênicos produzidos em países em desenvolvimento enchem os estômagos de vacas e porcos dos países industrializados”, disse à Tierramérica o responsável pela campanha sobre esse tema no Greenpeace Espanha, Luís Ferreirim.

“De 1996 a 2011, os cultivos biotecnológicos contribuíram para a segurança alimentar, a sustentabilidade e (a resposta à) mudança climática”, argumenta um informe de 20 de fevereiro do Serviço Internacional para a Aquisição de Aplicações Agrobiotecnológicas (ISAAA, em sua sigla em inglês). Segundo o ISAAA, no ano passado foram plantados 170,3 milhões de hectares de vegetais transgênicos em todo o mundo, 6% a mais do que em 2011. Os EUA são os maiores produtores, seguidos do Brasil.

Apesar das melhorias de produtividade, eficiência e redução do uso de pesticidas, defendidas pelos promotores dos transgênicos, um número importante de países europeus os proíbem, avaliou Ferreirim. Na Europa, há 11 estados que dizem não aos transgênicos, oito deles na UE, incluindo a Polônia em 2013. E, em 2012, só cultivaram transgênicos Portugal, Espanha, Romênia, Eslováquia e a República Tcheca, apontou. Noventa e cinco porcento desse plantio da UE se concentra na Espanha (88%) e Portugal (7%).


A maior parte do milho modificado é destinado à elaboração de ração para animais. “Dado que a pirâmide de alimentação se inverteu e cada vez precisamos de mais proteína animal, isso chega diretamente aos nosso pratos”, alertou Ferreirim.

A legislação europeia obriga a indicação no rótulo de um alimento se seus ingredientes contêm ou foram elaborados a partir de transgênicos, exceto nos casos em que essa presença não seja superior a 0,9% do ingrediente. A ração animal comercializada na Espanha mescla milho transgênico e convencional, o que constitui “um grave atentado ao direito de escolha” por parte do pecuarista por uma ração não modificada para seus animais, opinou Spendeler.

A ativista Carmela San Segundo, do Ecologistas em Ação, na cidade de Málaga, destaca o “grande poder” exercido pelas corporações agroquímicas que vendem sementes modificadas. Essa organização não-governamental conseguiu que uma dezena de povos malaguenos se declarassem Zonas Livres de Transgênicos, figura legal reconhecida pela UE.

“É preciso trabalhar muito: falar com associações de bairros, agricultores e membros de prefeituras. Não é um problema que preocupe as pessoas porque elas o desconhecem muito”, declarou ela à Tierramérica.

Início

Na Espanha, a plantação de milho transgênicos foi iniciada em 1998 para fazer frente à repercussão econômica das pragas, de acordo com o ministério da Agricultura. Mas hoje é ignorada a incidência real da praga (Ostrinia nubilalis) que afeta o trigo.

“Justifica-se o uso dessa tecnologia sem contar com dados concretos sobre as perdas causadas pelas pragas?”, questionou Ferreirim. Ele explicou que a variedade de milho transgênico Bt, da corporação norte-americana Monsanto, evita o emprego de pesticidas porque produz em suas flores uma bactéria tóxica para os insetos. Mas, ainda que não haja sempre uma ameaça de pragas, esse milho libera constantemente esse gene que, após a colheita, cai no solo, prejudicando sua fertilidade, assegurou.

“Foi comprovado em cultivos transgênicos de vários países que a longo prazo começam a aparecer pragas secundárias, o que obriga a usar outros pesticidas”, disse. Além disso, as experiências de plantios ao ar livre não passam por nenhum controle de segurança, afirmou Ferreirim.

Segundo uma pesquisa publicada em 2010 pela UE, 53% dos espanhóis eram contra a introdução de genes de outras espécies nos alimentos, enquanto apenas 27% estavam de acordo.

*Este artigo foi originalmente publicado em 23 de março pela rede latino-americana de diários de Tierramérica e republicado pelo IPS.

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