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Liderança feminina cresce nas entidades rurais

Assim como Kátia Abreu, atual presidente da CNA, outras mulheres passaram a ocupar cargos importantes no setor e comprovam o reconhecimento que elas conquistaram perante um universo tradicionalmente masculino


Se antigamente a participação das mulheres no meio rural se resumia a apoiar os maridos e pais ou a ajudar na lida da propriedade, o tempo tratou de colocá-las no seu devido lugar, ou seja, em todos em que elas são capazes. Hoje, não é raro encontrá-las a frente de fazendas, de entidades representativas e até na liderança do setor agropecuário brasileiro.


O exemplo mais claro dessa transformação pode ser resumido na trajetória da atual presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Kátia Abreu, que assumiu uma fazenda quando ficou viúva, tornou-se presidente do Sindicato Rural de Gurupi (TO), foi eleita para dirigir a Federação da Agricultura do Estado do Tocantins (FAET) e alcançou o comando da CNA, sendo pioneira em todas essas funções.

Assim como Kátia, outras mulheres passaram a ocupar cargos importantes no setor e comprovam o reconhecimento que elas conquistaram perante um universo tradicionalmente masculino. Um dos exemplos mais claros vem ocorrendo nos sindicatos rurais espalhados pelo país. Somente em Minas Gerais, 12 entidades são dirigidas por mulheres. Na Paraíba, dos 41 sindicatos ligados à Federação da Agricultura e Pecuária do estado (FAEPA), 27 têm nas suas diretorias a presença feminina e seis são presididos por elas. No Rio Grande do Sul, na Bahia e em Mato Grosso do Sul já são cinco entidades lideradas por mulheres, em cada estado.
Uma das trajetórias mais impressionantes é a da presidente do Sindicato Rural de Campo Belo (MG), Denise Cássia Garcia, de 54 anos, que está no sexto mandato. Ela começou atuando na diretoria do sindicato e, desde 1999, exerce o cargo mais importante da entidade. Produtora rural e vice-presidente da Comissão Técnica de Café da FAEMG, entre outras ocupações. Ela ajudava o pai nas lavouras de café desde pequena e assumiu a propriedade ainda jovem, quando ele faleceu.

Naquela época, Denise era a única mulher que frequentava a cooperativa de café e como já estudava Administração, acabou sendo chamada para trabalhar no sindicato. Com o tempo, o entrosamento junto aos produtores só foi aumentando e até hoje eles insistem para que ela não saia da presidência. “As mulheres sempre participaram, sempre estiveram presentes ajudando os maridos e com o tempo foram tomando mais espaço. Há uma confiança maior. Nós somos mais dedicadas e acho que admiram a nossa obstinação de procurar uma solução até o fim”, destaca ela, que também é formada em Direito e tem pós-graduação em Administração Financeira e em Direito Internacional em Sorbonne, na França.

A presidente do Sindicato Rural de Pedro Osório e Cerrito (RS), Mercedes Maciel de Echenique, 49 anos, está no seu primeiro mandato, mas já tinha participado de duas diretorias como tesoureira e vice-presidente, desde 2005. Engenheira agrônoma e responsável pela gestão da propriedade dos pais, ela explica que o processo de assumir a presidência da entidade foi natural, uma vez que os membros da diretoria procuram fazer rotatividade.
“A presença feminina vem crescendo em razão do interesse pela atividade rural. Cada vez mais elas estão assumindo as propriedades e isso é uma consequência. Acompanham pais e maridos e vão se envolvendo. A minha mãe e o meu pai sempre participaram da vida do sindicato rural. Credito muito a isso e a busca de novas lideranças”, avalia Mercedes.

A trajetória de Maria Izabel Borges de Oliveira, 45 anos, dentro do Sindicato Rural de Olivedos (PB) começou bem antes de ela chegar à presidência. Com apenas 17 anos, Maria já trabalhava como atendente e ajudava a organizar as fichas para atendimento médico. O primeiro mandato veio somente em 1993. Depois de morar no Rio de Janeiro por alguns anos, ela foi reconduzida ao cargo quando retornou ao município, em 2009. Hoje ela exerce o seu segundo mandato consecutivo.

“A gente só entra num sindicato por amor. É muito trabalho e pouco retorno. Na primeira vez, o presidente anterior se elegeu vereador. Eu entendia bastante da parte de previdência e aposentadoria e estava estudando Administração. O pessoal queria que eu ficasse e fui ficando. Faço porque eu gosto”, declara Maria Izabel.
No Sindicato Rural de Eunápolis (BA), o toque feminino da nova direção foi notado com facilidade pelos produtores da cidade: a fachada foi pintada de verde-claro, o piso ganhou tinta branca e um jardim foi construído nos fundos da sede. Associada desde 2004, Eliane Menêses de Oliveira, 53 anos, teve uma ascensão rápida até o posto mais alto da entidade: se associou em 2004, no ano seguinte se tornou diretora de eventos e, em 2008, assumiu o primeiro mandato. Segundo ela, o seu nome foi indicado por um grupo de associados em uma reunião para formação de nova chapa e aceito por unanimidade.

“Eu era a única mulher associada, a única que estava ao lado deles, e acabei sendo indicada. Eu nem sabia que isso aconteceria, mas foi importante para quebrar barreiras. Hoje tem outras mulheres em sindicatos aqui perto, como em Itapebi e Medeiros Neto”, brinca a também administradora de empresas Eliane, que confessa já ter tido o sobrenome substituído por “a mulher do sindicato".

Acima de preconceitos

Conforme Denise, ela não sofreu resistência ou discriminação pelo fato de ser mulher. Ao contrário. Sempre teve boa receptividade e apoio dos produtores. “No início foi estranho. Uma jovem de 20 anos participando, indo no banco negociar. Houve estranhamento, isso sim, mas nunca preconceito. As pessoas achavam aquilo diferente”, conta.
Mercedes também afirma que achou tranquilo assumir o posto. O maior preconceito, revela surpresa, foi de uma produtora em uma reunião dentro da FARSUL. “Ela me perguntou como me deixaram assumir a presidência, como eu tinha conseguido aquilo”, relembra. Mesmo assim, a presidente do Sindicato Rural de Pedro Osório e Cerrito revela que se existe algum tipo de discriminação, nem costuma perceber. “O importante é a gente ter competência pra assumir, independe de sexo ou de cor”, resume.


Maria Izabel reforça o sentimento das colegas e conta que sempre teve incentivo, principalmente pelo fato de que no município de Olivedos a atuação feminina é muito grande, prova disso é que ela mesma já havia sido secretária de Finanças da cidade. “Nunca senti resistência por ser mulher. O meu pai tinha um nome forte, era conhecido pela sua honestidade e índole. Aquilo passou para os filhos e é isso que importa”, explica.
A presidente do Sindicato Rural de Eunápolis tem a mesma opinião das demais e afirma que não percebeu discriminação, especialmente por sempre buscar uma gestão participativa. “Lembro que no início convoquei uma reunião com a diretoria, colaboradores e associados para elaboração do planejamento estratégico, deixando claro que iríamos sempre caminhar juntos e que todas as ações seriam realizadas após discussões”, salienta. Outro ponto que favorece o trabalho, aponta ela, é o permanente apoio e confiança do presidente da Federação de Agricultura do Estado Bahia (FAEB), João Martins da Silva Junior, nas suas propostas.

Habilidade para conciliar tarefas

Se não bastassem as inúmeras responsabilidades inerentes a quem comanda um sindicato rural, elas ainda participam, ajudam e exercem inúmeras funções em paralelo. Prova de que o talento feminino para executar várias tarefas ao mesmo tempo é a mais pura verdade.
Denise ironiza que o segredo é trabalhar mais de 24 horas por dia. Casada e sem filhos, ela diz que procura organizar o tempo, mas que não dispensa a ajuda masculina. “Vou no sindicato todas as tardes e pela manhã faço o trabalho doméstico e cuido da fazenda. O meu marido entende, apoia e ajuda quando precisa. É preciso ter horários para tudo”, reconhece.

Organizar o tempo e aproveitar cada intervalo disponível também é a dica de Mercedes e de Maria Izabel. A primeira revela que a maior resistência veio do filho Arthur, de 11 anos, que somente agora está aceitando melhor a vida corrida dela. “Quando eu me candidatei, ele disse que votaria contra. Fazia campanha por causa do envolvimento que a atividade exigia, mas hoje ele entende e apoia, sabe da importância de participar”, comemora ela.
Maria Izabel – que é formada em Administração e Contabilidade – divide a gestão da propriedade da família com mais seis irmãos e cuida de outra fazenda que mantém com o marido. Para completar, tem dois filhos adolescentes e ainda precisa de horário para trabalhar na Secretaria de Administração e Planejamento da cidade. “Tem que dividir o tempo. Talvez numa cidade grande eu não conseguisse, mas no interior é mais fácil. Aqui não tem trânsito. Vou para o sindicato a pé”, salienta.

Eliane, além de dirigir o sindicato rural, é segunda vice-presidente administradora e financeira da Federação da Agricultura e da Pecuária da Bahia (FAEB) e é instrutora de diversos programas do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR), como o Sindicato Forte, o Jovem Aprendiz, o Negócio Certo Rural, o Empreendedor Rural e o Pronatec. Também é mãe de dois jovens e pecuarista em Eunápolis. A complexa agenda é organizada para que ela cuide da fazenda nos finais de semana e dê expediente na entidade nos outros dias, das 7h às 17h. “Agendo todos os compromissos com antecedência, mas mesmo assim em algum lugar sempre fica um déficit. Os programas do SENAR não funcionam sempre, tem um cronograma de trabalho e então dá pra conciliar”, garante.

Presidente da CNA é inspiração

A identificação das mulheres que atuam na área com algum momento da história da senadora Kátia Abreu é frequente e fonte de inspiração para elas. Denise enxerga a presidente da CNA como uma batalhadora e revela que, assim como Kátia, foi uma perda familiar marcante que acabou levando ela para o caminho da agricultura e do sindicato. “Sobrou uma propriedade para ela tocar e essa competência que a Kátia demonstrou é um exemplo para as mulheres. Faz a gente perder um pouco a timidez e acreditar que somos capazes. Temos que ter as pioneiras assim com ela foi e assim como eu sou aqui no meu município”, opina.

Para Mercedes, Kátia Abreu construiu uma competência para assumir cargos de liderança e a sua trajetória foi natural. “O exemplo dela é um divisor de águas. Com ela, a CNA assumiu um lugar de importância no Brasil. É uma inspiração, não por ser mulher, mas por ser líder”, declara.

A presidente do Sindicato de Olivedos também acredita que a senadora trouxe uma visibilidade que anteriormente a CNA não tinha. “Agora a participação é notória. As mulheres são mais cuidadosas e quando tomam conta, funciona melhor”, esquece a modéstia.

Na opinião de Eliane, Kátia Abreu mostrou para o Brasil que capacidade, eficiência e proatividade não têm sexo. “Ela quebrou paradigmas e tem inspirado muitas mulheres. E o melhor de tudo isto é que pelo seu desempenho profissional ela é admirada igualmente pelos homens”, elogia.

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