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Lobby ruralista determinou vitória do Brasil na OMC


Tudo começou com os produtores de soja brasileiros. Pedro de Camargo Neto, à época um membro importante da Sociedade Ruralista Brasileira, o mais influente grupo de lobby agrícola do Brasil, não parava de ouvir reclamações, no final da década de 90, dos fazendeiros. Eles se queixavam de que, no momento em que começavam a ter algum lucro com a exportação da soja, eram prejudicados pelos baixos preços da soja norte-americana, que era fortemente subsidiada com o dinheiro dos contribuintes dos Estados Unidos.

"Algo estava errado", disse ele em uma entrevista por telefone. "Eu não era capaz de entender como aquilo podia estar ocorrendo". Após analisar atentamente os subsídios concedidos aos mais ricos agronegócios norte-americanos, e o seu impacto sobre os fazendeiros brasileiros, Camargo - que, à época, era o vice-ministro da Agricultura - deu início a uma campanha em 2001 para processar os Estados Unidos junto à Organização Mundial do Comércio (OMC).

Na semana passada, a OMC finalmente divulgou uma decisão preliminar favorecendo o Brasil e duas nações africanas, naquele que foi o primeiro processo movido contra o sistema de subsídios domésticos de uma nação desenvolvida. A decisão diz respeito ao algodão, e não à soja, e Camargo não faz mais parte do governo. Mas ele não poderia ter ficado mais entusiasmado com esse resultado.

Não foi uma batalha fácil para Camargo, que enfrentou obstáculos políticos em quase todas as suas manobras. Um pecuarista com mestrado em engenharia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Camargo acreditava ter entendido a lógica da globalização e do comércio liberalizado. Ele foi conselheiro do Brasil durante as negociações sobre o comércio global na rodada do Uruguai.

A premissa era de que países em desenvolvimento como o Brasil teriam mais condições de tirar os seus agricultores da condição de pobreza por meio do comércio, e não de programas de ajuda financeira.

"Este é realmente um caso pioneiro", disse Camargo após tomar conhecimento da decisão preliminar. "Gostaria que isso tivesse acontecido enquanto eu ainda estava no governo. É bom ser reconhecido".

A OMC determinou que os subsídios multibilionários aos maiores produtores de algodão e aos empresários de outros setores de agronegócios norte-americanos consistem em práticas comerciais injustas.

Isso pode significar um marco inédito na luta de mais de uma década por parte das nações em desenvolvimento para obrigar os países ricos a deixar de conceder subsídios e benefícios no valor de US$ 300 bilhões aos seus maiores agricultores.

Há um outro caso pendente contra a União Européia, devido a subsídios concedidos aos produtores de açúcar. "Ele é o chefão, o visionário dos casos relativos ao algodão e ao açúcar", diz Scott D. Andersen, o advogado que representa o Brasil no escritório em Genebra da Sidley Austin Brown & Wood.

Um fazendeiro de fala mansa e compleição frágil, Camargo, 55, diz que ficou surpreso com o ceticismo que encontrou a princípio no governo brasileiro, quando trouxe a idéia à tona. Alguns funcionários do Ministério das Relações Exteriores não desejavam enfrentar a superpotência mundial no terreno das questões agrícolas.

"Eu levei até eles um estudo sobre a contestação dos subsídios e eles disseram, "Traga-me outro"", conta Camargo. "A seguir, eu levei dois e eles me pediram outros quatro. Certas pessoas fizeram de tudo para me atrapalhar".

Uma solução que ele encontrou foi equilibrar a "balança do sofrimento". Ele se mobilizou para processar a União Européia e os Estados Unidos. Camargo chegou a considerar a hipótese de entrar com um terceiro processo, este último contra o Japão, devido às barreiras impostas pela nação asiática à carne bovina brasileira. Mas o ministro da Agricultura da época - Marcus Vinícius Pratini de Moraes - disse que um terceiro processo seria demais.

"Pratini me disse: "Olha, Pedro, você já deu entrada em dois processos. Não nos envolva em um terceiro", relata Camargo. Além do mais, essas ações legais são caras - o Brasil já gastou US$ 1 milhão com o processo relativo ao algodão.

Benin e Chade, dois países do oeste da África que foram altamente prejudicados pelos subsídios ao algodão, jamais poderiam ter custeado o preço de tal processo, mas foram incluídos como partes prejudicadas na ação movida pelo Brasil. Foi a primeira vez que uma nação africana se envolveu em um litígio junto à OMC.

"O Brasil estava sendo prejudicado pelos subsídios, mas os países africanos estavam sendo destruídos", argumenta Camargo. "Sabíamos que isso fortaleceria ainda mais o nosso processo".

O Banco Mundial, O Programa de Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas e a Organização para a Cooperação Econômica e o Desenvolvimento também fizeram estudos que demonstraram que os subsídios agrícolas e os benefícios concedidos pelas nações mais prósperas do planeta se constituem no maior impedimento para que os países pobres tentem encontrar um caminho para sair da pobreza por meio do comércio.

Na verdade, os sistemas de subsídios muitas vezes prejudicam os pequenos produtores rurais dos próprios países ricos. Nos Estados Unidos, os maiores produtores de algodão do país - os 10% mais ricos - receberam 78% dos US$ 1,3 bilhão em subsídios ao setor em 2002, o último ano para o qual existem estatísticas disponíveis.

Camargo - um rico fazendeiro do Estado de São Paulo, que fica no meio do cinturão agrícola do Brasil - não é um dos financeiramente prejudicados. Mas ele continua envolvido na ação legal, aconselhando o setor privado nas negociações sobre comércio agrícola e atuando como consultor nas bolsas de valores brasileiras.

"Eu já estava envolvido com essas questões antes de ter feito parte do governo, de forma que não faria sentido parar agora que voltei à iniciativa privada", diz Camargo. "É isso o que eu faço".

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