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Melhor trigo gaúcho estimula produtores a usar terras ociosas no inverno

Plantio de cereais no inverno pode ter efeito positivo sobre as lavouras de verão


As lavouras de verão, como a de soja, ocupam 5,3 milhões de hectares no Rio Grande do Sul. No inverno, a situação é inversa: apenas 1 milhão de hectares plantados. Segundo o IBGE, a área com diversificação de culturas anuais no Brasil é de apenas 25% da área total cultivada. Na Região Sul, na safra de verão são cultivados 14 milhões de hectares e na safra de inverno apenas 2,6 milhões de hectares, ou seja, a área com diversificação de culturas é de apenas 18%. Isto se explica porque as terras precisam descansar. Ainda assim, plantar cereais no inverno, como o trigo, pode aumentar o rendimento até mesmo das lavouras de verão, além de ser uma alternativa para que o produtor aumente sua renda, ao invés de deixar a terra ociosa.


“O inverno é propício para descanso, nunca vai se ocupar inteiramente toda a área que se planta no verão, mas o Rio Grande do Sul tem um potencial de chegar a 2,2 milhões de hectares”, afirma o coordenador da câmara setorial do trigo na Secretaria Estadual de Agricultura, Áureo Mesquita. Mudanças recentes deixaram o trigo gaúcho em pé de igualdade com o que de melhor é produzido no mercado internacional. Até 2008, apenas 30% do trigo gaúcho era do tipo pão, o mais procurado pelo mercado. Já no ano seguinte, esta tendência se inverteu: 70% do cultivo passou a atender à indústria da panificação. “Até 2008 se produzia um trigo de baixa qualidade, e o produtor ficava na dúvida se plantava trigo ou não”, afirma Lorenzo Viecilli, gerente comercial da Biotrigo Genética, empresa que trabalha com o melhoramento genético do trigo.

“Para essa mudança, empresas de melhoramento tiveram que lançar trigos de qualidade superior. Incorporar genética de fora, agregar estabilidade, mais alta força de glúten”, diz. Viecilli destaca também que foi importante inovação os cultivares com resistência à giberela, um fungo que ataca o trigo, e pode comprometer até 60% de uma lavoura. Também já há maior resistência à germinação da espiga do trigo, o que causa danos à qualidade do cereal pelo aumento da atividade da enzima alfa-amilase que degrada o amido.

O presidente do Sinditrigo-RS, José Celestino Antoniazzi, que representa os moinhos de trigo, também elogia a qualidade da matéria-prima que têm recebido no Estado. “A gente está sentindo o reflexo da melhoria na tecnologia. Hoje o Rio Grande do Sul produz um trigo que é bom em qualquer parte do mundo”, diz. “Se a matéria-prima está perto dos moinhos, com certeza a farinha fica mais barata e reflete no bolso do consumidor”, complementa.

Criada nos anos 1970, a Embrapa Trigo vem desde então trabalhando para aprimorar a produção do cereal no Brasil. Seu surgimento se deu numa tentativa de reduzir a dependência externa do país na produção de trigo. O desenvolvimento de pesquisas específicas voltadas ao setor gerou um crescimento de 1,54% ao ano, resultando no aumento da produtividade de 500kg/ha na década de 70, para 800kg/ha num período de dez anos. A produção de trigo, que estava concentrada somente no Rio Grande do Sul, rapidamente se espalhou para os estados de Santa Catarina e Paraná, e hoje já começa a ganhar espaço no centro do país.

Atualmente, a cadeia produtiva do trigo gera 57,6 mil empregos diretos  e mais de 115 mil empregos indiretos. “A média de produtividade varia de 1,5 mil a 7 mil kg/ha., contando com ampla adaptação, estabilidade no rendimento e resistência a doenças, que permitiram significativo aumento na produção de grãos do Brasil”, explica o chefe-geral da Embrapa Trigo, Sérgio Dotto.

Hoje, o Brasil tem “alto grau de competitividade internacional”, segundo Dotto. Ainda assim, o país não conseguiu ser autossuficiente na produção de trigo. O Brasil produz apenas metade do que consome, com demanda atual de 10 mil toneladas por ano. O país gasta cerca de US$ 1,7 bilhão anuais com a importação de trigo e farinhas (83% do trigo importado vem da Argentina). “O trigo brasileiro ainda compete com os subsídios recebidos pelos produtores em países mais desenvolvidos, apresentando menor competitividade com altos custos de produção, custos de transporte e impostos elevados”.

Sérgio Dotto garante que já não há mais discussão sobre os benefícios que os produtores têm ao realizarem a rotação entre soja ou milho no verão e o trigo e outros cereais no inverno. “É indiscutível que a rotação do trigo com a soja e o milho pode aumentar o rendimento destes cultivos de verão, reduzindo pragas e doenças, melhorando a fertilidade do solo e distribuindo os custos da lavoura ao longo do ano. O aumento no rendimento de grãos no verão pode aumentar entre 6 a 8% na rotação com o trigo. Da mesma forma, o investimento na cultura de inverno pode reduzir em até 15% os gastos na lavoura de verão”, diz. Além do rendimento, a rotação de culturas é a principal estratégia para a resistência a plantas daninhas na soja.


O chefe-geral da Embrapa, porém, ressalta que é necessário fazer uma diversificação maior. “Não adianta apenas fazer rotação trigo/soja na mesma área todos os anos que o rendimento não vai aumentar”, explica. O correto, segundo Dotto, é fazer rotação das áreas com novas culturas a cada novo cultivo de inverno ou verão. “Onde foi soja neste ano, vai milho no próximo verão, onde foi trigo no último inverno vai canola ou trevo, por exemplo. Assim, o produtor pode aumentar o rendimento da soja em até 15 sacos por hectare”.

Além do trigo, alguns cereais de inverno têm crescido no Rio Grande do Sul, como a cevada, que deve ter um bom aumento de produção com instalação de uma unidade da Ambev em Passo Fundo, o que deve fazer com que a área com plantio do cereal passe de 40 mil hectares para 110 mil. Ainda assim, o trigo é e continuará sendo, de longe, o principal cereal – hoje representa 90% da produção deste tipo de plantas no inverno gaúcho. A produção de alguns outros cereais, como a canola, ainda engatinha: “A canola tem um potencial enorme, mas ainda não se achou um cultivar adequado para o Estado”, afirma Áureo Mesquita.

Para Áureo Mesquita, coordenador da câmara setorial do trigo da Secretaria Estadual de Agricultura, o crescimento da produção de trigo no inverno gaúcho passa basicamente por encontrar mercados, aumentar a demanda, uma vez que o produto já tem qualidade. “É preciso políticas públicas para rentabilidade e para encontrar mercados para o trigo, que está melhorando de qualidade. O Brasil não é autossuficiente e é mais fácil para o centro do país importar da Argentina, Rússia ou Canadá do que comprar do Rio Grande do Sul. O custo do transporte é caro. Mas já há algumas políticas, preço mínimo definido, cronograma de leilões, e o preço está bom”.

Lorenzo Viecilli, gerente comercial da Biotrigo Genética, concorda que a consolidação do trigo no Estado depende de conquistar mercados. E acredita que está conseguindo na medida em que a qualidade tem padrão internacional. “Fundamental para aumentar a lavoura de trigo é que haja comercialização. A exportação chegou. Está se construindo um mercado, se consolidando. Isso está para acontecer”, diz.

“O preço do trigo está bom e ele ajuda a valorizar a soja”, afirma José Celestino Antoniazzi, do Sinditrigo-RS. Ele relata que no Paraná, estado que, ao lado do RS, domina a produção de trigo no país, deve ocorrer aumento de 5% na área plantada neste ano. “No RS não tem números oficiais, mas deve chegar a 10% de aumento (1,1 milhão de hectares)”, projeta.

De acordo com Sérgio Dotto, da Embrapa Trigo, a área destinada ao plantio do trigo não apenas tem potencial para aumentar. Isto é uma necessidade. “A demanda mundial de trigo deve crescer 50% nos próximos 30 anos e o Brasil tem capacidade de participar mais efetivamente do abastecimento desse mercado”, afirma. Um relatório do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), de 2011, aponta que a área de trigo no mundo e o seu rendimento têm crescido menos que o consumo mundial. “É um descompasso e o Brasil, que hoje não ultrapassa os 5 milhões de toneladas, tem um potencial de produção de 12,9 milhões. Se a área plantada com o cereal não tiver um aumento significativo, a produção será insuficiente para atender a demanda”.

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