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O arcaico imposto sobre o tabaco

Se o Tabaco tem de pagar mais de 80% do seu preço em impostos, que seja justo e socialmente consciente


A continuidade de Mário Centeno como ministro das Finanças não será avaliada neste debate do Orçamento, mas sua reputação e prestígio serão certamente questionadas caso opte por não corrigir algumas das medidas incluídas na proposta e cujos deputados, dentro da própria maioria, sugerem que sejam reavaliadas.

O imposto sobre o tabaco, tal como está disposto, é uma dessas sugestões de correção que habitam a secretária de Mário Centeno - ou a de qualquer um dos seus secretários de Estado - e que neste debate orçamental terá de merecer a sua (re) apreciação.

Não existe nenhum produto no mercado - salvo os cigarros - cuja carga fiscal seja de 90%. A receita estimada ultrapassa os 1.400 milhões de euros mas continua a ser uma mentira. Deste modo, por ação direta do Ministério das Finanças há marcas sujeitas a uma carga fiscal próxima de 90%, mas há também marcas cujos impostos não ultrapassam os 70%. O critério na aplicação do imposto é vago ou, no mínimo, altamente polémico.

Ao longo dos últimos anos, o governo tem permitido que a máquina fiscal decida intencionalmente cobrar mais impostos aos consumidores mais sensíveis à variação dos preços e que são tendencialmente consumidores com menos recursos económicos. Uma decisão cuja promessa de revisão foi prolongadamente defendida, mas que agora teima em não ser tomada. E tudo deriva da aplicação de um imposto, conhecido como imposto mínimo, que apenas é cobrado a algumas marcas. O gritante desta situação não é aplicação de impostos sobre o tabaco como motor da dissuasão ao consumo. Esse propósito é assumidamente aceite pelos operadores que sempre o defenderam junto dos assuntos fiscais. O que é ardil é a obtenção de receita por via do flagelo à maioria dos consumidores de classes sociais mais desfavorecidas e a total subversão do mercado.

Qualquer dona de casa, gestora de um orçamento familiar saberia que as marcas mais caras deveriam contribuir com mais impostos e os consumidores financeiramente mais sólidos, pagarem mais. Mas em Portugal, não é assim.Aos constantes apelos de violação das normas da diretiva comunitária que alertam para esta matéria, bem como aos exemplos dos outros países europeus, o Ministério das Finanças sempre deixou a ideia de que este seria o momento para corrigir a fórmula de cálculo. A oportunidade para que tal mude, é agora.

Se o Tabaco tem de pagar mais de 80% do seu preço em impostos, que seja justo e socialmente consciente.

Ao presidir ao Eurogrupo, Centeno senta a seu lado Maria Jesus Montero, ministra das Finanças de Espanha que aplica este imposto apenas a 42% dos consumidores. Giovanni Tria de Itália que incide a 29% dos contribuintes e até Gérald Darmanin da França, franco atirador na dissuasão ao consumo pela via fiscal, não deixa que chegue a 50% dos consumidores para além do Imposto Especial ao Consumo. Mas ele, referência dos seus pares, permite em Portugal, que uma marca de 4 euros no mercado seja obrigada a pagar 3,61 de imposto, dos quais 31 cêntimos (8% do seu PVP) são este tal imposto mínimo. Uma marca à venda por 5 euros, essa, não terá de pagar este imposto. Vender a 4 euros e pagar 3,61 ao Estado é fiscalmente agressivo mas saber que desse valor 0,31 Eur é aleatório e zero para o mais ricos, torna-se socialmente perigoso, quer por via de um incentivo ao mercado paralelo do contrabando quer mesmo a uma transversal incompreensão social.

E isto, pasme-se, resulta de uma fórmula de aplicação obsoleta que já só a Bulgária, Finlândia e Letónia usam. Um método arcaico e cuja própria Comissão Europeia desincentiva. O imposto mínimo não é, nem pode continuar a ser, fixador de preços de mercado.

A Mário Centeno restará seguir as indicações constantes do relatório do Conselho à Comissão nesta matéria ou continuar a ignorar a diretiva. Mas o ministro português terá uma explicação a dar ao Presidente do Eurogrupo, a Montero, a Tria ou Darmanin e não poderá aí esconder-se, ou pior, admitir que não sabe sequer dele.

Poderá ele - e o próprio António Costa - optar por ignorar as evidências e os conselhos que lhe chegam, os apelos de quem a seu lado avalia e prevê o comportamento das Finanças Públicas, apagar seis meses intensos de trabalho nos Assuntos Fiscais e até rejeitar as sugestões de vários deputados da própria maioria, conscientes da necessidade de resolver esta disparidade, mas será uma nódoa difícil de apagar e instigadora de instabilidade ou desagrado certamente indesejados, nesta fase da legislatura.

Se o impacto na receita do Estado é impercetível ou nulo, já a decisão que nos próximos dias o Governo tomar e na Comissão de Orçamento e Fianças apreciar, será única e exclusivamente de sensibilidade, justiça e equidade social. Falta saber se o Ministro que um dia deixou Harvard para assumir as Finanças de Portugal, se manterá tal como a mãe do soldado na parada que continua a dizer: "o meu filho é o único que marcha correto".

Ficaremos à espreita da decisão que a maioria parlamentar assumir sob indicação de Centeno. Se apesar das promessas e dos sucessivos apelos - até dentro do próprio PS - vingar a decisão de não corrigir a disparidade e injustiça para com os mais pobres, assumamos todos esta social e injusta decisão e então sim, o melhor é mesmo continuar a pintar as unhas.

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