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O perigo da contaminação com o uso incorreto de agrotóxicos

O número de casos de pessoas contaminadas preocupa as autoridades


A produção mundial de alimentos em pequena escala, como foi praticada até a algumas décadas atrás, já não é suficiente para atender a demanda. O crescimento populacional obrigou o aumento de produção. Para elevar a produtividade foi preciso utilizar agroquímicos com o intuito de eliminar as pragas nas lavouras. Por isso, começaram a vigorar legislações em cada país para controlar o uso de defensivos e evitar contaminações no meio ambiente e na saúde humana.

No Brasil, mesmo com uma lei rígida para evitar maiores problemas, os casos de pessoas contaminadas pelo uso de agroquímicos ainda são preocupantes pelas autoridades responsáveis. A maioria dos casos ocorre pelo uso incorreto destes produtos e muitas vezes provoca mortes. De 1995 a 2003 o número de pessoas atendidas não parou de crescer, passando de 4.911 para 5.945. Nos últimos dez anos, o volume de agrotóxicos em uso no Brasil aumentou quatro vezes, alcançando o patamar de produção e comercialização de aproximadamente 400 mil toneladas em 2005.

O número de pessoas contaminadas no Rio Grande do Sul serve de amostra para a atual situação no país. Em 2005 foram atendidas 1.028 pessoas por ingerir, ter contato ou aplicar incorretamente defensivos nas lavouras. Deste total, 693 foram de casos não intencionais, que são provocados por acidentes ocupacionais ou por erro na aplicação. A faixa etária que mais predomina fica acima dos 19 anos com 778 casos, sendo justamente a idade dos responsáveis por este serviço.

Um dado surpreendente é o número de crianças contaminadas, atingindo a marca de 100 até os seis anos de idade. Isto ocorre pelo uso de agroquímicos nos arredores da casa, por ingestão do produto ou até mesmo auxiliando o responsável na elaboração da calda. Além de 2005, os números do Centro de Informações Toxicológicas (CIT), da Secretaria da Saúde do Estado, mostram ainda que em 2004 os casos de atendimento chegaram a 955 e em 2003 foram de 896.

O crescimento de pessoas atendidas a cada ano contraria a avaliação do CREA/RS, autarquia responsável por fiscalizar o exercício profissional de pessoas habilitadas a instruir o aplicador. Para utilizar o produto, o responsável pela aplicação só pode adquiri-lo mediante recomendações do profissional habilitado pela autarquia, que concede o receituário agronômico. Este documento indica como deve ser todo o procedimento de aplicação e os cuidados que a pessoa deve ter.

Na avaliação do assessor técnico na área agronômica do CREA/RS, Paulo Ricardo, a fiscalização está contribuindo para reduzir o número de casos. "No momento que é exigida a recomendação do produto por um profissional habilitado que presta recomendações através do receituário, é feito um contato com a pessoa que está comprando, que por sua vez recebe as orientações. Com isso, auxilia diretamente para diminuir o número de produtores contaminados", afirma.

Um dos motivos para o aumento no número de intoxicados é o descaso dos aplicadores em seguirem as orientações dos órgãos responsáveis. A aplicação de defensivos necessita de cuidados especiais como roupas e guias específicos desde a preparação da calda, que é a diluição do agrotóxico com água para reduzir o teor de concentração.

A Emater/RS é o órgão responsável em orientar diretamente o responsável pela aplicação no Estado. De acordo com o engenheiro agrônomo e extencionista rural da Emater, Reni Oss, as orientações consistem em mostrar a dosagem correta do produto, o tempo de carência, indicar o defensivo para determinada doença, mostrar como utilizar os Equipamentos Individuais de Proteção (EPI´s) (roupas específicas de uso desde a preparação da calda) e até observar as condições climáticas para a aplicação. "Somente com estas etapas é possível reduzir o número de atendimentos de pessoas contaminadas por agrotóxicos", comenta Oss.

A Andef (Associação Nacional de Defesa Vegetal) realiza em 20 Estados brasileiros treinamentos e educação de acordo com a Lei do Agrotóxico de 1989 (nº 7.802). Sua primeira regulamentação foi o Decreto nº 98.816/90. A lei passou a regulamentar a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins. Segundo o gerente de educação e treinamento da Andef, Marçal Zuppi, o trabalho que teve início em 1990 abrange não apenas os fabricantes, mas revendas, cooperativas, aplicadores e donos de empresas de aplicações.

A intenção inicial do programa foi promover a difusão de conhecimentos técnicos relativos ao uso correto e seguro dos fitossanitários. Foi preciso realizar a formação de agentes multiplicadores em razão do tamanho do Brasil. Conforme dados da Fundacentro (Fundação Jorge Duprat Figueiredo de medicina e segurança do trabalho), no início da década de 90 havia cerca de 25 milhões de pessoas envolvidas na atividade de aplicação de agrotóxicos, deste total 18 milhões eram pequenos e micro empregados. “Não é apenas o pai que realiza a aplicação, mas a mãe que ajuda no preparo da calda, o filho que auxilia a carregar a mangueira do pulverizador, isto é, toda a família se envolve na atividade”, esclarece Zuppi.

Para montar o curso a Andef precisou fazer um levantamento desde o receituário agronômico até como os produtos estavam sendo transportados e armazenados. E para a surpresa foram encontrados agrotóxicos guardados embaixo da cama de aplicadores junto com rações animais. Um dos órgãos de apoio da Andef para realizar os cursos é o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar). Até o ano passado já foram treinadas 2.253 pessoas desde o início da parceira, em 1993. O trabalho envolve engenheiros agrônomos, florestais, técnicos agrícolas e inclusive médicos que desconheciam o assunto.

Zuppi destaca que o grande passo foi dado com o uso de EPI’s. Até o início da década de 80 os aplicadores utilizavam apenas a roupa do corpo. Atualmente o proprietário precisa obrigar seu empregado a usar as roupas adequadas e informá-lo como conservá-las. As roupas de hoje são elaboradas com algodão e pesam menos que uma calça jeans, sendo compatível com as condições climáticas do Brasil. “O mais importante não é orientar o aplicador a usar os EPI´s, mas que ele queira usá-los”, afirma.

Todas estas ações estão apresentando resultados em Estados que tem a agricultura como uma das principais atividades econômicas. No Paraná, o número de pessoas atendidas pelo uso irregular de defensivos baixou de 725, em 2005, para 420 até este ano. Deste número, apenas 75 casos foram pelo uso incorreto, contra 127 em 2005. Os números são da Secretaria da Saúde do Estado. Os motivos da baixa contaminação são as legislações estaduais mais rígidas para a aprovação de um novo produto e os trabalhos de conscientização do perigo que representa os agroquímicos para a saúde. Minas Gerais também vem apresentando queda no número de pessoas intoxicadas. Em 2005 foram contabilizados 822 contra 994 casos em 2004.

A Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) converge os números nacionais de pessoas atendidas, mas os dados mais recentes são de 2003. Este é um agravante que a Fundação enfrenta, pois os números são apenas uma amostra. “O que temos é a ponta de um iceberg. O problema é muito maior. Considero que a situação hoje está caótica”, desabafa a coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas da Fiocruz, Rosany Bochner. Ela ressalta ainda que os maiores problemas são as intoxicações crônicas em que o aplicador já demonstra os sintomas, mas os considera normal. “Muitas vezes o aplicador vai convivendo com os sintomas sem fazer uma relação com a utilização dos agrotóxicos. E também há casos que o contaminado não comunica ao médico”, diz.

A maior parte das intoxicações crônicas avaliadas pela Fiocruz não há maiores informações porque não chega a ser registrada. Rosany defende que seja feita uma busca ativa destes casos, para isso é preciso ir a campo e fazer exames mais elaborados. “Através de exames laboratoriais é possível saber se realmente os aplicadores estão contaminados e levantar os casos de intoxicação crônica. Acredito que o número seja muito maior em relação aos que temos para intoxicação aguda”, estima. Dependendo da cultura são feitas diversas aplicações em apenas uma safra, que contribui para as contaminações crônicas.

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