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O que o iogurte revela sobre o tamanho da crise brasileira

Consumo de iogurte do brasileiro recuou para níveis de dez anos atrás


Os sinais de recuperação da economia brasileira ainda são muito fracos para fazer alguma diferença no consumo de iogurte - um item que “estreou” no cardápio da população de baixa renda do país com o Plano Real, nos anos 90, mas que perdeu espaço na geladeira com a crise econômica dos últimos dois anos.

No primeiro semestre de 2017, o consumo da cesta de lácteos (onde estão leite UHT, iogurtes, requeijão e creme de leite) caiu 4,5%, segundo pesquisa Nielsen, contrastando com a produção de leite no país, que pelos dados do IBGE aumentou 3,5% no mesmo período. No caso dos iogurtes, a queda do consumo chega a 20% em dois anos, tendo fechado 2016 em 1,18 milhão de toneladas (5,7 kg de iogurte por habitante/ano), praticamente o mesmo volume consumido em 2008, ou seja, há quase dez anos. 

“O iogurte é um produto que não demanda muito leite, mas que agrega valor e é muito sensível à renda. Quando ocorre uma queda de renda como nos últimos dois anos, esse segmento sente bastante, porque as pessoas deixam de consumir”, destaca Marcelo Pereira de Carvalho, diretor da Consultoria Agripoint. “Se a economia melhorar, a renda aumentar e as pessoas perceberem que não correm tanto risco de perder o emprego, pode haver uma retomada nesse consumo”, completa Carvalho.

Diagnóstico parecido fez há alguns dias o ministro da Agricultura, Blairo Maggi, ao receber o manifesto “SOS Leite” no município de Prata, onde fica a principal bacia leiteira de Minas Gerais. Para Maggi, a solução para a crise no setor passa pelo aquecimento da economia brasileira: “as pessoas comem e bebem aquilo que desejam, na medida em que tenham recursos para isso. Não é necessário incentivo para as pessoas comerem, é preciso renda. A economia voltou a crescer, e quando os empregos voltarem tenho a certeza de que tudo isso será resolvido, porque dinheiro na mão das pessoas traz alimentação melhor”.
Travessia difícil

Tradicionalmente, setembro e outubro são os meses de preços mais baixos para os produtores de leite devido ao aumento da produção, favorecida pelo pasto abundante das culturas de inverno. Neste ano, no entanto, os efeitos dessa sazonalidade foram acentuados: o preço médio do litro de leite ao produtor no Paraná, de R$ 1,18 em setembro, foi o menor desde maio de 2016, quando estava em R$ 1,15.

“Seria natural cair o preço nesta época. Mas o que agrava a situação é a diminuição do consumo em função da crise econômica, do medo do desemprego. O sujeito chega ao mercado e, em vez de comprar meio quilo de queijo, compra apenas 200 gramas; em vez de comprar uma bandeja de iogurte, compra só alguns potinhos”, avalia Ronei Volpi, pecuarista dos Campos Gerais que também é presidente do Conselho Paritário de Produtores e Indústrias do Leite do Paraná (Conseleite), instituição que divulga mensalmente um valor mínimo a ser pago pelo leite padrão.

Para Volpi, o problema maior não é a importação de leite em pó do Uruguai, suspensa temporariamente pelo Ministério da Agricultura a pedido dos produtores, por suspeita de dumping. “Essa suspensão atende à reivindicação, mas não resolve o problema, que é uma questão de queda de preço e de consumo no mercado interno. O produtor tem que reduzir os custos na medida do possível, tem que se profissionalizar, aumentar a produtividade, tanto da terra como das vacas e da mão de obra. Leite é uma coisa que se vende em centavos, então tem que ser trabalhado em escala”, argumenta.

Marcelo de Carvalho, da Agripoint, concorda que o foco tem de ser no aumento de escala. “Dificilmente alguém consegue sustentar uma família com dignidade produzindo menos de 150 litros de leite por dia. E muitos laticínios brasileiros operam nessa média”, observa. Na Nova Zelândia, por exemplo, capta-se de 250 a 300 litros de leite por quilômetro rodado, enquanto no Brasil a captação é dez vezes menor, de apenas 25 litros por quilômetro. “Andamos dez vezes mais para recolher a mesma quantidade. É difícil organizar uma cadeia produtiva com 1,3 milhão de produtores. Isso não é sustentável, não é eficiente”, enfatiza Carvalho.
Efeito gangorra

O desafio para o setor do leite é encontrar um equilíbrio entre produção e consumo que atenue o efeito gangorra: quando o preço está bom para o consumidor, o produtor recebe muito pouco; se fica bom para o produtor, é o consumidor que retrai o consumo.

Segundo o Cepea, em agosto do ano passado o litro de leite UHT, em São Paulo, chegou a custar R$ 4,28 nos supermercados, caindo, atualmente, para o patamar de R$ 3,20. No sul do país encontram-se promoções com leite a R$ 1,85 e até menos. “Deveria haver uma inteligência do setor – produtores, indústria, atacadistas e varejistas – no sentido de manter o preço num patamar menor, porque assim poderíamos ver um período de consolidação do consumo. Mas isso é difícil no cenário atual, porque se o consumo aumentar, todos querem aproveitar para reajustar o preço”, avalia Natália Grigol, pesquisadora do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-Esalq/USP).

Enquanto essa organização do setor produtivo não ocorre, as esperanças estão na recuperação econômica do país. “O brasileiro já se acostumou, gostou e aprendeu a consumir lácteos. Se tiver melhoria econômica, ele pode voltar a consumir. Podemos ter um cenário interessante em 2018, é nisso que estamos apostando. Chegamos ao fundo do poço, agora a tendência é melhorar”, avalia Marcelo de Carvalho. “Muito tempo com poder de compra enfraquecido fez o consumidor esquecer o consumo de lácteos. Mas se houver aumento de renda bastante significativo, a reação é rápida. Os lácteos são produtos que as pessoas querem consumir, são palatáveis e saudáveis”, arremata Natália Grigol.

O cenário de preços baixos só não é pior, para os produtores de leite, porque houve uma diminuição dos custos de produção. Glauco Carvalho, pesquisador da Embrapa Gado de Leite, lembra que eram necessários 44 litros de leite para comprar um saco de ração de 60 kg (entre janeiro e setembro de 2016), e essa relação caiu para 30 litros por saco no mesmo período deste ano. O momento, segundo o economista, é de fazer uma gestão mais profissional e até aproveitar o preço da arroba do boi para descartar animais de baixa produção. Salvo surpresas muito positivas na economia, a saída dos lácteos do tal fundo do poço deverá ser mesmo lenta e gradual, exigindo muita paciência dos produtores – aliás, como costuma ser o processo de ordenha de uma vaca leiteira.

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