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Opinião: China quer comprar uma outra China

A China pretende crescer 9% ao ano nos próximos 30 anos


Por Antônio Delfim Netto

Não tenho o mau hábito de colocar areia na engrenagem de negócios de ninguém.

Há cerca de oito meses, aqui mesmo, neste espaço, procurei chamar a atenção para o disfarce adotado pelo Estado chinês para comprar, como se tratasse de investimentos privados, terras e jazidas minerais sem que o estado brasileiro se dê conta das inconveniências dessas aquisições.

Nunca defendi, também, restrições aos investimentos estrangeiros.

Para mim todos são bem-vindos quando obedecem às regras do jogo, quando vêm contribuir para o desenvolvimento nacional através de empresas que competem legitimamente com as nossas, ajudando a ampliar o mercado interno.

Não faço exceção para o investimento chinês. A diferença, nesse caso, é que não são empresas, mas sim um Estado soberano que passou a comprar recursos naturais do Brasil -propriedades agrícolas, minas de ferro, cobre ou manganês- escondido atrás de empresas estatais.

A China pretende crescer 9% ao ano nos próximos 30 anos, depois de crescer a 11% nas três últimas décadas.

Deus queira que consiga, mas ela só vai alcançar o objetivo se comprar uma outra China. Aquele país não tem terra cultivável suficiente, não tem água abundante, não tem disponibilidade energética, lhe faltam matérias-primas e também está longe de ter autonomia alimentar.

O normal seria as empresas chinesas comprarem no mercado o que precisam, mas o Estado chinês adotou a estratégia de comprar diretamente recursos em países soberanos e permanecer proprietário desses recursos.

Então, o próprio crescimento chinês faz explodir os preços dessas matérias-primas.

Como proprietária de minas no Brasil, ela vai exportar o minério pelo preço que lhe convém.

Vamos ter de introduzir um sistema de preço mínimo para a exportação de minério, mas quando ele fizer isso vem o governo chinês reclamar: você não pode tributar um governo soberano.

O que a China está querendo é comprar uma outra China.

Já comprou grandes áreas de terras para a agricultura e investiu fortemente em mineração na África e o que tem isso?

Tudo bem, parece que as pessoas não se importam, porque os tiranos que venderam hoje vão morrer e seus capitães de hoje vão ser os tiranos de amanhã, estarão no comando e os chineses vão ter de comprar de novo aquilo que eles imaginavam que já tinham comprado e pago.

O Brasil é diferente, nossa sociedade tem outro tipo de organização.

É inadmissível que um estado soberano compre os recursos naturais do Brasil, porque esses recursos naturais pertencem à sociedade brasileira, não pertencem a nenhum governo de plantão; esses bens pertencem a nós mesmos.

Se eles quiserem comprar minérios, tudo bem; se quiserem que uma empresa privada se instale no Brasil para extrair e exportar minérios, tudo bem.

O que é inadmissível é que o Estado chinês, disfarçado de empresa estatal chinesa, compre a mina de ferro, uma mina de cobre ou compre enormes terras para produzir soja.

Quer continuar comprando a soja brasileira? Pode financiar empresas privadas que venham se instalar para plantar soja no Brasil e ela que compre no mercado.

Não tem nada de ligação direta, do tipo: pego o minério aqui com a minha empresa estatal, produzo aço lá em outra empresa estatal, depois este aço vai para uma indústria de bens de capital estatal e o preço que sai é um preço político e, portanto, compete com enorme vantagem em qualquer outra economia.

Se a China acredita que pode ser uma "economia de mercado", como alguns brasileiros acreditam, precisa entender que não poderá viver violando as próprias regras de funcionamento do mercado.

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