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PAA ainda é para poucos, no país e no estado

Apenas um em cada 20 agricultores familiares recebe incentivo do Programa no Paraná


Apenas um em cada 20 agricultores familiares recebe incentivo do Programa de Aquisição de Alimentos no Paraná

Fuscas, Brasílias, carroças e caminhões carregados com batata, feijão preto, morango e outros mais de 20 itens, movimentam o centro da pequena cidade de Contenda, a 50 quilômetros de Curitiba, todas as segundas-feiras à tarde. É esse o dia mais importante da semana para cerca de 100 agricultores familiares do município, que dependem da ajuda do governo para continuar na atividade. Os produtos são vendidos por meio do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), criado em 2003, e destinados a redes sócio-assistenciais, bancos de alimentos e famílias em situação de risco alimentar. Outra boa parte recheia a merenda escolar de milhares de alunos do ensino público.


Embora garanta comercialização e renda para o campo, o PAA ainda é para poucos. Dados do Ministério do Desenvolvi­mento Agrário (MDA) mostram que os R$ 680 milhões liberados pelo programa no ano passado não atingiram nem 0,5% dos 4,5 milhões de estabelecimentos da agricultura familiar registrados no país. Somente 160 mil famílias tiveram acesso ao dinheiro disponibilizado pelo plano em 2010. Com cerca de 6% dessa fatia, o Paraná absorveu R$ 40 milhões e permitiu que apenas 4% das 302,9 mil famílias rurais no estado pudessem participar do programa.

A proporção de beneficiados no Paraná (13,5 mil agricultores) acompanha o índice de pobreza que acomete a Região Sul do país – 3% da população tem renda mensal inferior a R$ 70 por pessoa, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS).

“O Nordeste é a área prioritária porque tem metade dos agricultores familiares do Brasil e concentra a pobreza”, argumenta Arnoldo de Campos, diretor de geração de renda do MDA. O alto índice de miséria faz com que mais da metade dos recursos do PAA sejam direcionados aos nordestinos, complementa o executivo. A região concentra 60% das pessoas em estado de extrema pobreza no Brasil.

Investimento zero

Mesmo sendo considerado um salva-vidas para a agricultura familiar, o PAA não oferece condições de investimentos aos beneficiados. O valor disponibilizado – de R$ 4,5 mil por agricultor, na modalidade de compra com doação simultânea, a mais utilizada no campo – é considerado limitado pelo setor, pois equivale a uma renda mensal de R$ 375.

“É esse dinheiro que mantém a família na propriedade e permite que muitos paguem parcelas do Pronaf (Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar). Mas, por outro lado, não sobra nada para o produtor reinvestir na lavoura”, analisa Diego Sigmar Kohwald, secretário-geral da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar (Fetraf-Sul). Ele acredita que os recursos governamentais teriam de ser dobrados para permitir maior fôlego financeiro dos agricultores e que a política pública deveria ser efetivada assim como os programas de financiamento do governo.

“A proposta da Fetraf é que o valor do PAA para cada produtor seja de R$ 12 mil. Com isso, ele poderia reinvestir cerca de R$ 1 mil por safra”, estima Kohwald.

Retrato típico da categoria, Floriano Slago, cultivador nato de verduras de Contenda, é um dos poucos nomes que integram a lista de contemplados pelo PAA no Paraná. Ao programar com a cooperativa a entrega de alguns maços de beterraba alface e rabanete para o início da semana seguinte, ele conta que a quantia recebida será usada para a compra de sementes da próxima safra.

“O pouco que sobrar vou gastar para comer e também para pagar algumas contas de casa”, diz. Para levar as mercadorias até o barracão da igreja central do município, onde são recebidos semanalmente os produtos de 40 produtores que participam do PAA na região, Slago conta com a ajuda de um vizinho do campo. “Eu não tenho caminhão, só uma carroça e uma bicicleta”, relata.

Parte das verduras produzidas na horta de Slago vão direto os pratos de 1,3 mil alunos do Colégio Miguel Franco na hora do recreio. O diretor da instituição, João Francisco Cordeiro, diz que ainda não calculou quanto economiza com a compra dos alimentos, mas “foi bastante”, diz. “A qualidade dos produtos não se compara a de nenhum supermercado. Aqui eles comem muita verdura”, ressalta.


Com orçamento apertado, cooperativas buscam apoio

Na medida em que o número de cooperativas familiares cresce no Brasil, a dependência dessas associações ante os programas governamentais de apoio à comercialização também aumenta. Criada em 2009 com o objetivo de dar liquidez à produção local, a Cooperativa dos Agricultores Rurais de Contenda (Cootenda) é uma das instituições que depende de apoio público, embora seja considerado o principal canal de escoamento dos agricultores do município. “Já deixamos de atender a demanda de municípios vizinhos e até de outros estados”, relata Marco Antonio Gonçalves, presidente da entidade. Com um faturamento anual na faixa de R$ 300 mil, a cooperativa se mantém graças aos recursos do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE).

O ‘lucro’ que paga os dois únicos funcionários da entidade – presidente e uma secretária-geral – e as despesas administrativas vem de parte da comercialização dos 147 associados. “Definimos em assembleia que 13% do valor da comercialização ficariam com a cooperativa. Depois de muita discussão conseguimos aprovar o orçamento”, revela o presidente Marco Antonio Gonçalves. No ano, com maior movimentação financeira, 2009, a Cootenda arrecadou R$ 728 mil. Com o porcentual de 13%, sobrariam, neste caso, pouco mais de R$ 7 mil ao mês. Um corte dos recursos da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), em 2011, porém, apertou as finanças da cooperativa. Para a atual temporada, serão disponibilizados apenas R$ 317 mil. “Fizemos um projeto maior, mas não fomos atendidos”, conta Gonçalves.

Embora ainda não tenha futuro certo, a meta da Cootenda é agregar valor à produção. “Queremos construir uma cozinha industrial para fornecer refeições prontas. Já fomos procurados por uma grande rede de supermercados, mas ainda não sei com que dinheiro comprar os equipamentos, nem aonde vamos nos instalar. Para os produtores é que não posso pedir dinheiro”, conclui.

De acordo com secretário geral da Federação dos Traba­lhadores na Agricultura Fami­liar (Fetraf-Sul), Diego Sigmar Kohwald, a situação não se restringe a Contenda. “Para as cooperativas familiares é quase impossível arcar com o custo de compra de caminhões, barracão ou estrutura para recepção dos produtos. Precisamos que a agricultura familiar tenha políticas públicas efetivas assim como a comercial”, avalia.

Ele estima que cerca de 30 cooperativas focadas na organização da produção e comercialização da agricultura familiar estejam em atuação no Paraná. “Não existe dados específicos de associações que foram criadas com essa finalidade, mas com certeza o número vem crescendo nos últimos anos”.

O Ministério do Desenvol­vimento Agrário (MDA), um dos principais gestores de recursos destinados à categoria, reconhece que o governo não consegue atender toda a demanda da categoria e que o surgimento de novas cooperativas é um bom sinal. “Esse é o caminho. Esta­mos incentivando que a parte mais pobre se organize. O PAA deve ser visto como uma escola. O produtor não pode ficar a vida inteira no programa. A idéia é que ele (PAA) seja rotativo, ajude os produtores mais pobres até que eles busquem outros mercados”, revela Arnoldo de Campos, diretor de geração de renda do MDA.

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