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Pesquisa busca alternativas para reduzir uso de medicamentos em bovinos

Além dos riscos da resistência, existe o perigo de resíduos em produtos animais, como na carne e no leite


O projeto Verdevet desenvolve pesquisas para reduzir o uso de medicmantos em bovinos de leite no controle das três doenças principais que afetam o rebanho: diarreia de bezerros, carrapato e mastite. Os resultados mostram que tratamentos alternativos e boas práticas de manejo têm apresentado resultados promissores.

O uso inadequado ou indiscriminado de medicamentos veterinários na produção animal aumenta os riscos associados à resistência aos antibióticos e antiparasitários e as chances de surgimento e propagação de bactérias e parasitas resistentes. Para combater essa tendência, a Embrapa Pecuária Sudeste (SP) tem feito estudos com homeopatia, fitoterapia, adição de mineral e controle biológico. Algumas pesquisas já foram concluídas, como homeopatia e utilização de zeólita, um tipo de mineral para controle da diarreia em bezerros.

De acordo com a pesquisadora da Embrapa Ana Carolina Chagas, além dos riscos da resistência, existe o perigo de resíduos em produtos animais, como na carne e no leite, com prejuízos à saúde humana e ao ambiente. “Normalmente, as doenças dos bovinos são tratadas com antibióticos. Mas a maioria das bactérias ou parasitas já está bastante resistente aos medicamentos. A tendência é a droga veterinária não funcionar ou funcionar parcialmente”, explica.

Quando isso ocorre, segundo a pesquisadora, muitos produtores aumentam a dose do medicamento, diminuem o intervalo de aplicação ou não respeitam o período de carência do abate ou de venda do leite. Dessa forma, existe risco de intoxicação animal e resíduos de drogas veterinárias nos alimentos.

Experimento com homeopatia

No Sistema de Produção de Leite, foi conduzida pesquisa com homeopatia preventiva e adição do mineral zeólita em bezerros. A formulação da homeopatia foi composta de Arsenicum alb 12 CH, Nux vomica 12 CH, Podophyllum 12 CH, Carbo Vegetabilis 12 CH e Chino 12 CH. Cerca de 25% dos animais tratados com homeopatia não tiveram nenhuma ocorrência de diarreia no período do experimento.

Em fevereiro de 2015, a pesquisadora Teresa Cristina Alves iniciou os testes com 37 animais da raça Holandesa e cruzamento de holandês com jersey, sendo 19 machos e 18 fêmeas do primeiro dia de vida até o 60º dia.

As primeiras duas semanas de vida são as mais críticas para ocorrência de diarreia no animal, quando seu sistema imunológico ainda não está estabilizado. De acordo com Alves, é nesse período que mais se perde animais por causa da doença. Além disso, a debilidade o deixa suscetível a adquirir outras infecções e retarda o desenvolvimento do filhote.

Para o experimento, após o nascimento, os filhotes foram separados em três grupos: um para controle, com 13 bezerros; outro grupo tratado com homeopatia, também com 13; e um terceiro com 11 animais, que receberam aditivo mineral.

No primeiro dia, todos os animais receberam o colostro. A partir do segundo, passavam a receber o leite. No grupo de controle, apenas leite; no da homeopatia, o leite diluído com a fórmula homeopática; no outro grupo, leite misturado com o aditivo mineral.

A pesquisa observou diariamente as fezes dos bezerros – consistência, cor, odor e presença de sangue. Também foram avaliadas as condições gerais, como hidratação e apatia, para verificar doenças. Semanalmente, os animais eram pesados para análise do ganho de peso e a cada 15 dias era feita a coleta de sangue para realização do exame hematócrito.

Em casos de diarreia no grupo tratado com homeopatia preventiva, o animal era medicado com uma fórmula homeopática e soro caseiro para mantê-los hidratados. Apenas usava-se a medicina alopática caso o bezerro não apresentasse melhora após 24 horas.

Nos outros grupos, o veterinário orientava o tratamento adequado. “É claro que, no grupo da homeopatia, se o caso fosse muito grave, usaríamos o produto alopático, porque precisamos manter o bem-estar dos animais. Mas não ocorreu nenhum caso aqui”, conta a pesquisadora.

Resultados

Cerca de 25% dos animais tratados por meio da homeopatia preventiva não apresentaram nenhum caso de diarreia no período investigado. O resultado é bastante positivo. Nos outros dois grupos, todos os animais tiveram uma ocorrência, pelo menos, de diarreia no transcorrer da pesquisa.

Além da saúde e bem-estar, o resultado reflete diretamente no bolso. O custo com  animais que não tiveram diarreia foi bem menor. “A economia foi em torno de R$ 10 por indivíduo só com uso de medicamentos. Para quem trabalha com grande número de bezerros, a redução é significativa”, explica Alves. Além disso, não se pode ignorar a otimização do tempo com mão de obra e contratação de profissionais. E o mais importante foi a prevenção. “Conseguimos prevenir e reduzir o uso de antibióticos”, afirma.

O grupo que recebeu o mineral zeólita não apresentou redução nos casos de diarreia. No entanto, a análise de amostras do intestino delgado, por meio de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), demonstrou melhor preservação do epitélio intestinal, diminuindo a frequência de diarreia. O objetivo da análise foi constatar se os tratamentos com homeopatia e mineral teriam alguma influência na preservação do epitélio das três porções do intestino delgado, poupando o animal de mais ocorrências de diarreia.

Segundo a pesquisadora Léa Chapaval, quando ocorre diarreia, há destruição do epitélio intestinal, devido ao aumento do fluxo de água para dentro da célula e da frequência de ocorrência da doença: “Com isso, há alteração histológica e desequilíbrio da flora microbiológica nesse local”.

As células do epitélio são responsáveis pela absorção dos alimentos e produção das enzimas digestivas. A ação patogênica deve-se à eliminação da camada superficial da mucosa intestinal, que não consegue mais absorver os alimentos. No caso das análises, ocorreram alterações histológicas no epitélio intestinal nos animais tratados com homeopatia e com mineral, porém bem menor do que no grupo controle. O resultado foi positivo, já que, pela avaliação, os dois tratamentos protegeram o epitélio intestinal dos animais.

Manejo

Outra medida importante e que contribui muito para redução da diarreia em bezerros é o manejo adequado. Uma alternativa simples e com custos baixos. Para a pesquisadora Teresa Alves, o primeiro passo é garantir que o animal receba o colostro nas primeiras seis horas de vida.

A higiene também pode evitar a doença. Deve-se higienizar os equipamentos usados para fornecimento de leite. Em caso de mamadeira, utilizar um bico para cada bezerro ou lavar antes de dar a outro filhote. Assim evita-se a transmissão dos microrganismos.

O comedouro e o bebedouro precisam estar sempre limpos. “Aqui na Embrapa Pecuária Sudeste, elevamos os bebedouros e comedouros para evitar sujeira. No chão, o bezerro pisa e defeca no local, contaminando a comida e a água. Os microrganismos multiplicam-se e, consequentemente, aparece a diarreia”, explica Alves.

Outra ação de extrema importância é separar os animais para evitar contato entre eles para não ocorrer contaminação cruzada. Os animais que apresentam sintomas da doença devem ser isolados para não transmitir aos outros. É importante o acompanhamento de um médico veterinário em casos de contaminação do rebanho.

É recomendado controlar a contaminação do local onde os filhotes ficam, pois a umidade e a sujeira aumentam a proliferação dos agentes transmissores. “Deve-se estar atento aos fatores que aumentam o risco de ocorrência da diarreia, tais como estação de nascimento, peso pós-parto e necessidade de tratamento para outras doenças antes de duas primeiras semanas de vida dos bezerros”, ressalta Ana Carolina.

Essas atitudes, associadas às medidas preventivas, reduzem significativamente as chances de o bezerro ser infectado com a doença e reduzem os prejuízos físicos e financeiros que a diarreia pode causar. Os pesquisadores se dedicam agora a avaliar o uso de medicamentos homeopáticos para prevenção de mastite e controle de carrapato.

Uso responsável

As condições climáticas brasileiras favorecem a reprodução de parasitas, a proliferação de bactérias e de organismos que causam doenças em animais. Tal fato, segundo a pesquisadora Ana Carolina, contribui para o uso intenso de drogas veterinárias. Na maioria das vezes, o tratamento com medicamentos é realizado sem consulta a especialistas e de forma indiscriminada. “As pessoas, infelizmente, não procuram informações técnicas, não consultam veterinários ou técnicos que poderiam orientar melhor na escolha desses medicamentos e como usar adequadamente. Muitas vezes, trocam os produtos sem ter ideia das consequências aos animais e ao meio ambiente”, destaca Ana Carolina Chagas.

Alternativas mais naturais, como a fitoterapia, a homeopatia e o uso de minerais, podem contribuir para a melhoria da saúde animal e, ainda, reduzir a utilização de antibióticos e antiparasitários, prolongando a vida útil dos produtos comerciais hoje disponíveis e diminuindo os riscos da resistência e contaminação ambiental.

Sistema de cria em estacas

A diarreia está entre as principais causas de morte de bezerras, trazendo prejuízos para os produtores de leite, tanto pela perda de futuras vacas como pela necessidade de utilização de medicamentos. Uma técnica de manejo que vem sendo testada na Embrapa Pecuária Sul está alcançando bons resultados na diminuição da incidência de diarreia: o sistema de cria em bezerras em estacas. Segundo Renata Suñé, pesquisadora desse centro da Embrapa, essa prática já é utilizada por produtores do Uruguai e há cerca de dez anos é testada experimentalmente em Bagé (RS).

No sistema de cria em estacas, a bezerra é apartada da mãe logo após o nascimento e presa em uma estaca em local sombreado com árvores ou sombrite. Com uma corda de cerca de 2,5 metros, o animal tem espaço para se movimentar e o leite é servido em balde colocado em um arco próximo à estaca. Na primeira semana também começam a ser oferecidos concentrados, em pequena quantidade, e feno, que fica no espaço entre duas estacas.

De acordo com Renata, pelo fato de as bezerras não estarem em contato direto com outros animais, como nos sistemas convencionais de cria, diminui muito a incidência de diarreia causada por contágios. “Quando o animal fica doente, o tratamento é individualizado, diminuindo a necessidade de uso de medicamentos de forma mais ampla”, complementa. Em sistemas convencionais, a aglomeração de animais e a umidade que pode estar no local onde são mantidos são determinantes na incidência de diarreias e pneumonias. Isso leva a um baixo desempenho dos animais, além de gastos com medicamentos e prejuízos com a morte de bezerras.

Para avaliar a aplicação desse sistema, foram instaladas três Unidades de Referências Tecnológicas (URTs) no Município de Santana do Livramento, que fazem parte do Verdevet. O objetivo é avaliar os resultados da aplicação desse manejo em sistemas de produção. Segundo Renata, além da diminuição de diarreia e do uso de medicamentos, outra vantagem com a cria de bezerras em estacas é um maior ganho de peso. “Nos experimentos que fizemos, constatamos um ganho de peso em média 28%, quando comparados com os sistemas convencionais”, declara.

Para Nilton Soares Garcia, pequeno produtor de leite e proprietário da fazenda onde está instalada uma das URTs, a primeira experiência com a adoção do sistema foi bastante positiva. “O que mais me chamou a atenção foi o desenvolvimento da bezerra. Em quatro meses desde que começamos, o animal teve um ganho de peso bem maior e vai poder entrar no sistema de produção mais cedo”, disse Garcia, que produz leite em uma propriedade de 14 hectares, onde atualmente mantém um plantel de sete vacas em lactação. Renata diz que o maior ganho de peso é em decorrência do desenvolvimento mais acelerado do rúmen e a alimentação com concentrados e pasto mais cedo.

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