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Próxima guerra será por comida. Batalhas serão de terno e gravata

Quem está se preparando para a guerra é o comércio exterior. No front de batalha estão produtos agrícolas


Em tempos de guerra, nenhum país quer descobrir que seus parceiros comerciais fornecem produtos que sua população e militares não precisam. É muito melhor para qualquer nação produzir insumos básicos de sobrevivência dentro de suas próprias fronteiras. E para garantir a sobrevivência da produção doméstica, um país pode precisar agir contra a concorrência estrangeira.

Esse é o argumento da administração do presidente norte-americano Donald Trump sobre a produção de aço estrangeira. E também tem sido o argumento da China sobre o trigo há muitos anos.

O governo Trump está preparando para determinar, talvez já nos próximos dias, o que é considerado o maior passo para o comércio neste sentido até agora: os resultados de uma investigação que pode impor limites às importações de aço e alumínio com a alegação de proteger a segurança nacional dos Estados Unidos.

Essa perspectiva está gerando preocupação em todo o país, já que outros mercados podem utilizar a mesma justificativa para barrar produtos norte-americanos, e o agronegócio, que representa grande parte das exportações dos Estados Unidos, pode ficar vulnerável.

Europa prepara barricadas

Oficiais europeus já avisaram que podem responder às restrições de aço e alumínio com suas próprias taxações, e que a agricultura dos Estados Unidos seria um alvo, segundo fontes inteiradas sobre a troca.

A Associação de Trigo dos Estados Unidos declarou publicamente que está “extremamente preocupada sobre potenciais consequências das barreiras protecionistas”. A entidade considera que os resultados podem ser devastadores.

“O trigo é provavelmente a commodity mais associada à segurança alimentar do planeta, e nós temos orgulho disso, mas não queremos que as barreiras comerciais se virem contra nós ”, afirma Bem Conner, diretor da associação.

“Qualquer investigação que leve a novas tarifas de importação podem esbarrar em retaliações ou novas taxas aos produtos dos EUA”, destaca um porta-voz de um grupo industrial externo à indústria agrícola, e que preferiu falar sob a condição de anonimato por conta de ser um tema sensível às próximas negociações do Acordo de Livre Comercio da América do Norte. “Como já vimos historicamente, os produtos agrícolas tendem a estar na linha de frente das retaliações”, finaliza.

Ameaça à segurança nacional?

A própria administração Trump não especifica como restrições e importações ameaçam a segurança nacional.

Declarações do Secretário de Comércio Exterior, Wilbur Ross, e outras autoridades sugerem que a definição de ameaça vai além de equipamentos de defesa. Elas incluem questões de segurança mais amplas, como a proteção da infraestrutura e da base industrial local. Neste sentido, é importante lembrar: a Organização Mundial do Comércio (OMC), que costuma mediar questões comerciais, dá aos países ampla autonomia quando se trata de assuntos de segurança nacional.

Partidários da administração Trump dizem que as barreiras comerciais são um alívio para as indústrias de aço e alumínio no país, que vêm lutando contra a forte capacidade da China em reduzir preços. Por outro lado, limitar o comércio exterior pode abrir precedentes perigosos para outros países, na opinião de outros analistas.

“O argumento de segurança nacional pode ser estendido para praticamente tudo, e é por isso que eu penso que essa é justamente uma das dificuldades em utilizar essa abordagem”, afirma Chad Bown, analista sênior do Instituo de Economia Internacional Peterson. “Uma vez que você abre essa ‘Caixa de Pandora’, essa justificativa passa a não ter mais limites”.

Outros países já tentaram proteger a indústria nacional com motivos similares, às vezes com resultados irrisórios. Em 1975, a Suécia colocou restrições às importações de calçados, com a justificativa de que o abandono da produção doméstica seria uma ameaça ao fornecimento em casos de emergência para a defesa da nação. Isso foi ridicularizado no próprio país, especialmente pelo fato de a Suécia historicamente se manter neutra em conflitos. Isso levou o governo a revogar a medida dois anos depois.

A situação da China é bem menos engraçada. O governo justificou a criação de uma lei de segurança cibernética sob o argumento de defesa nacional. Ela exige que empresas com atuação local armazenem dados em servidores chineses e obriga que indivíduos cadastrados em mídias sociais utilizem sempre nomes verdadeiros. Os críticos consideram a lei chinesa uma ferramenta para o país comprometer a propriedade intelectual de países estrangeiros, reprimir dissidentes e restringir a liberdade de expressão.

De acordo com a lei chinesa, empresas como bancos e fornecedores de serviços de energia são obrigados a fornecer dados como códigos e outros detalhes que comprometem a propriedade intelectual da companhia, com risco de que essas informações sejam repassadas para concorrentes chineses, segundo analistas.

Índia propõe estocar alimentos

Quando o assunto são alimentos, países como China e Índia também citam preocupações de segurança como motivo para proteger a produção doméstica. Os indianos vêm lutando há anos na Organização Mundial do Comércio para que países em desenvolvimento tenham o direito de estocar alimentos, algo que exportadores agrícolas como Estados Unidos e Canadá se opõem firmemente.

Dependendo dos resultados do levantamento da administração Trump, o setor de agricultura dos Estados Unidos pode se tornar um foco de retaliação, justamente por sua forte dependência dos mercados globais - cerca da metade da produção de soja e de trigo é exportada.

Os governos também podem procurar pontos de pressão para persuadir a administração Trump a alterar as políticas comerciais, e podem chegar à conclusão de que a base eleitoral de Trump do meio-oeste dos Estados Unidos é um bom alvo, já que a região é forte produtora de alimentos, afirma Bown, do Instituto Peterson. O especialista destaca ainda que a agricultura norte-americana já serviu como fonte de estrangulamento da economia dos EUA no passado, quando outro presidente impôs restrições às importações de aço: George W. Bush.

Em 2003, o governo Bush optou por elevar as taxas para o aço por 20 meses, gerando avisos vindas da Europa de sansões de até US$ 2,2 bilhões às exportações dos EUA. As ameaças incluíram restrições ao suco de laranja e outras exportações de produtos cítricos da Flórida - estado fundamental na ambição presidencial de Bush na corrida eleitoral de 2004.

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