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Surto de tétano


Uma doença está assustando criadores de gado no Rio Grande do Sul. Quando aparecem os primeiros sintomas os bois e vacas morrem em poucas horas.

Num e-mail de Camaquã, seu Luiz Antônio Bezerra conta que depois de vacinar o rebanho, perdeu várias cabeças. E que outros criadores da região enfrentam o mesmo problema.

Os repórteres Camila Marconato e Sandro Queiroz visitaram uma das fazendas do seu Luiz.

Seu Luiz Antonio Bezerra nos recebe em uma de suas quatro propriedades. A "Fazenda do Rodeio" fica em Cristal, a 150 quilômetros de Portio Alegre.

As outras fazendas dele estão nos municípios vizinhos de São Lourenço do Sul, Camaquã e Arambaré. Nelas, seu Luiz cria 1.600 cabeças de gado da raça angus.

“Eu lido com gado há mais de 30 anos”, conta ele.

Nesses mais de 30 anos, seu Luiz conta que nunca passou por situação semelhante. O primeiro animal a morrer foi uma novilha da fazenda onde estamos.

“Quando começou a morrer, já foi para o segundo, o terceiro, aí acendeu a luz vermelha...”, explica.

O doutor César Thofehrn, veterinário da fazenda, foi chamado. “Os animais levavam em torno de 12 horas, no máximo, 15 horas até morrer. Quando eles começaram a morrer, a gente ficou impressionado, do primeiro a gente mandou material, depois mandamos um animal vivo. Tentamos o tratamento, mas não respondia. Eu perdi 30 animais”, declara.

Uma coincidência: os 30 animais morreram a partir do nono dia após a vacinação nas fazendas. Seu Luiz vacinou o gado contra aftosa e outras doenças, como carbúnculo, além de vermifugar o rebanho. A causa das mortes foi confirmada por exames clínicos: tétano!

Vamos entender melhor essa doença: ela é causada por uma bactéria, o "clostridium tetani", que está presente nas fezes, na poeira e até no pelo dos animais. Ela acaba entrando no organismo através de agulhas, cortes ou qualquer outro tipo de ferimento.

Com ausência de oxigênio, as bactérias se multiplicam e liberam uma toxina, que age nas terminações dos nervos ligadas aos músculos e atinge o sistema nervoso, deixando o animal contraído.

A doutora Ana Lúcia Schild, veterinária responsável pelo laboratório de diagnóstico da Universidade Federal de Pelotas, filmou e fotografou alguns animais doentes:

“O animal fica duro, ele anda em posição de cavalete, e quando deita apresenta os membros afastados do corpo, geralmente apresenta o pescoço jogado para trás, as orelhas aparecem eretas, o olho estalado, bem aberto, o animal reage de forma exagerada ao toque”, explica a doutora.

A contração contínua dos músculos do sistema respiratório é que acaba matando o animal por asfixia.

O tétano sempre foi uma doença séria, que ocorre ocasionalmente, mas que nunca chegou a tirar o sono do pecuarista, diferente do que está acontecendo agora. Assim como o seu Luiz, outros 17 criadores de gado também tiveram casos da doença em suas propriedades.

Foram registradas mais de 200 mortes em dez municípios da região. Sem contar os casos ainda não confirmados, todos ocorridos após a vacinação do gado.

Pra conversar com o seu Luiz e ajudar a entender o que pode ter acontecido, nós convidamos, além da doutora Ana Lúcia, que estuda os surtos da doença na região, outros três veterinários: Pedro Quevedo, que também trabalha na Universidade de Pelotas, e Fernando Groff e Antonio Augusto Medeiros, da secretaria de Agricultura do Rio Grande do Sul.

Logo nas conversas iniciais uma coisa fica muito clara: estamos mesmo diante de um caso, no mínimo, raro: “A gente fica sabendo, que morreu um bovino de tétano, mas é um, agora, um surto de morrer quatro, cinco, dez, vinte, isso não é frequente, não se vê”, diz Ana Lúcia Schild, veterinária.

O tétano pode aparecer após operações de castração, descorna ou, como no caso aqui, da vacinação, porque os ferimentos ou a própria agulha servem de porta de entrada para a bactéria. Com outro agravante: o período mais comum é o de seca. Daí, a primeira dúvida do seu Luiz:

“Há uma versão, de que foi um período de muita seca e então as condições atmosféricas, climáticas, eram propícias, então eu pergunto o seguinte: vai haver uma recomendação da época própria pra gente vacinar?”, pergunta Luiz.

“A tendência do tétano é que ele ocorra principalmente, ou com maior frequencia, no verão, mas você não pode mudar o calendário, porque o calendário das doenças continua sendo o mesmo, se você vai evitar o tétano e ter outras doenças”, diz a veterinária.

“Outra questão que se coloca é com relação ao número de aplicações no mesmo manejo. Se aproveitar pra fazer quatro a cinco vacinações junto com a vacina da aftosa. Então a pergunta que se colocar é a seguinte: essa prática eu posso continuar fazendo ou vamos eliminá-la de vez, vamos fazer duas ou três aplicações no mesmo manejo?”, pergunta Luiz.

“A questão de fazer a prática do manejo de mais de uma vacina ou mais de um fármaco não tem nada na literatura que contra indique, quer dizer, vai continuar gerando imunidade, vai continuar dando estresse nos animais pela aplicação, mas tem que se pesar se o estresse dos animais não vai ser maior trazendo duas ou três vezes na mangueira para fazer a mesma quantidade de produtos, então o que dá para argumentar é que esse manejo simplesmente deu a oportunidade de introduzir o microorganismo no rebanho e dá esse surto, mas não que o uso de 4 ou 5 injeções diferentes tenham produzido o surto por si só. Isso provavelmente não tenha muita lógica, até o final a investigação talvez a gente consiga descartar isso. Fernando.

A grande questão do seu Luiz está relacionada com os medicamentos utilizados. Eles poderiam estar contaminados?

“Isso é uma hipótese difícil de acontecer e segundo que nas propriedades o uso de medicamentos, as vacinas utilizadas não eram as mesmas em todas as propriedades, o que também descarta um pouco a possibilidade de ser a contaminação de algum medicamento”, diz Ana Lúcia.

Bom dá pra perceber então que o caso é bastante complexo e que nós estamos diante de um desafio?

“Esse é um caso atípico e lamentavelmente a gente não tem todas as respostas para o seu Luiz, mas a gente vai continuar trabalhando na tentativa de concluir realmente qual foi a fonte de infecção desses casos de tétano, observados durante o ano de 2009”, declara Ana Lúcia.

“O jeito é a vontade de achar a solução, acho que a solução que sair daqui vai ser muito importante não só pra nós, mas com certeza pra todos os criadores. E independente de qualquer coisa desta reunião, nós vamos redobrar os cuidados de manejo”, declara Luiz.

É, e alguns cuidados podem ajudar e muito, seu Luiz. No campus da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas, a doutora Silvia Ladeira, bacteriologista do mesmo laboratório onde trabalha a doutora Ana Lúcia Schild, explica que cuidados são esses:

“O mínimo que poderia ser feito e que já evitaria essa transmissão de animal pra animal, seria uma boa desinfecção do material que ele está usando, no caso da vacinação ou da aplicação de algum medicamento, seria uma assepsia, uma desinfecção na agulha. Sempre que possível troca agulha, bota no álcool iodado, de preferência, esse álcool, a 5, 7%. Sempre também uma boa medida é você deixar uma agulha que você não deixou no animal no frasco, porque daí você tá evitando de contaminar seu produto”, explica a doutora Silvia.

Atenção: esse é um cuidado fundamental. Essa agulha extra no frasco da vacina, do vermífugo, do medicamento é uma garantia de que o criador não vai levar contaminação para seu produto.

“Depois que você vacinar o animal, inocular o produto no animal, pega sempre que possível a agulha, coloca no álcool iodado, e carrega novamente com a outra agulha que já está no frasco, aí então pega outra agulha e vacina outro lote de animal”, explica.

Além das boas práticas de manejo, existe também uma vacina pra evitar o tétano, só que como ela não é obrigatória muito pecuarista acaba num vacinando. Mas em casos de surto ela se torna uma proteção importante.

Hoje a senhora recomendaria essa vacina que também protege contra o tétano? “Pelo menos até que se estabeleça novamente a ocorrência de tétano, como o normal vamos dizer assim, que são casos esporádicos da doença, sem surtos grandes como os que aconteceram e estão acontecendo até agora na região”, explica Ana Lúcia Schild.

Mesmo a ciência não consegue explicar tudo... Mas é bom lembrar que em casos como esse é sempre fundamental notificar as autoridades sanitárias.

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