Agricultores desafiam a Justiça, pirateiam sementes e dizem que vão plantar mais em 2003/04. Enquanto a Justiça decide se autoriza ou não o plantio da soja transgênica, no Rio Grande do Sul os agricultores mergulharam, há muito tempo, de cabeça na nova tecnologia. "Eu planto há dois anos, mas conheço produtor que está no transgênico há quase seis anos", afirma o agricultor Paulo Braatz, de Ibirubá (RS), cidade localizada a 295 quilômetros de capital Porto Alegre e considerada, ao lado das vizinhas Tupanciretã e Cruz Alta, um dos berços da soja geneticamente modificada no País.
Na safra 2002/03, Braatz plantou somente sementes transgênicas, trazidas da Argentina há alguns anos e multiplicadas em sua própria fazenda. Foram cultivados 180 hectares que resultaram em 69,55 sacas de 60 quilos por hectare. Ele calcula que, se tivesse plantado soja convencional, a produtividade não teria passado de 60 sacas. "O custo da lavoura é menor e o retorno, maior", afirma
Braatz calcula que o custo de produção da soja transgênica oscila de R$ 450 a R$ 500 o hectare, 30% menor que o da convencional, de R$ 700. "O uso de herbicidas é praticamente o mesmo. A diferença é que o glifosato - utilizado na lavoura transgênica - custa 50% menos que o mix de herbicidas que teria que aplicar na convencional".
O quesito "custo" tem sido a alavanca do avanço da soja geneticamente modificada no Sul. "Dos 100 mil hectares cultivados na região, 90% são de sementes geneticamente modificadas", diz Jaime Tauchert, gerente da Cooperativa Agrícola Mista General Osório (Cotribá). Tauchert diz que o cultivo de transgênicos existe desde 1997, mas tornou-se mais intenso nos últimos três anos. Em 1997, a produtividade de Ibirubá foi de 28 sacas por hectare. Seis anos depois, ela praticamente dobrou, para 55 sacas. "É, provavelmente, um dos melhores desempenhos em todo o estado", afirma Aurelino Farias, técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater). A produtividade média gaúcha foi de 43,3 sacas por hectare.
Os agricultores, assim como a indústria, estão aguardando uma decisão da Justiça sobre qual será o futuro da transgenia no País. Não há previsão sobre quando poderá sair uma decisão definitiva sobre o assunto, mas a verdade é que os produtores não são os únicos que estão plantando e torcendo por uma aprovação. A Embrapa Soja, por exemplo, tem cerca de 20 cultivares praticamente prontos para serem lançados no mercado assim que autorizados. "Temos sementes de todos os tipos, que poderão ser cultivados nos quatro cantos do País", diz Alexandre Cattelan, chefe de comunicação e negócios da entidade.
Enquanto a Justiça não decide o futuro da transgenia no Brasil, os produtores pretendem continuar a plantar e multiplicar sementes - ainda que ilegalmente. "Já se foi o tempo em que o produtor contrabandeava soja em fundo falso no porta-malas do carro. Hoje, a maioria multiplica sementes dentro da própria fazenda", afirma Tauchert.
Tauchert credita que há, hoje, perto de 30 variedades de sementes geneticamente modificadas comercializadas ilegalmente no País. Ele afirma, inclusive, que sementeiros de Ibirubá vendem cultivares para serem plantados no Piauí, Maranhão, Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia e Paraná. "Há vários transgênicos de ciclo mais longo perfeitamente adaptados ao Centro-Oeste. Conheço sojicultores que plantam transgênicos em Sorriso (MT)."
A pirataria de sementes no Brasil despertou a fúria dos agricultores norte-americanos que pressionam a multinacional Monsanto a exigir o pagamento de royalties pelas sementes multiplicadas ilegalmente. "O que é passado deve ficar no passado. É assim que a Monsanto deveria agir", afirma Braatz que, a despeito de multiplicar sementes ilegalmente, diz que preferia comprá-las de um fornecedor confiável. "Quando planto semente certificada, sei o que estou comprando. Cultivares pirateados não têm garantia de origem e, principalmente, podem trazer alguma doença para dentro da fazenda", afirma.
Em países como Estados Unidos e Canadá, onde a transgenia é autorizada, a Monsanto entrou na Justiça contra agricultores que, segundo diz, quebraram a lei de patentes pirateando sementes. Teme-se que o mesmo possa acontecer no Brasil.