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Pacote tecnológico contribui para aumento da produção de cacau

Projetos de alta produtividade e de conservação orientam cacauicultores a produzir mais com qualidade e preservando o meio ambiente


Por trás da sensação prazerosa proporcionada pelo sabor do chocolate há uma cadeia produtiva extensa e complexa. É do cacaueiro, uma árvore tropical perene, que nascem os frutos que formam as amêndoas usadas como matérias-primas para produzir o chocolate. 

A espécie chamada Theobroma cacao, que significa “alimento dos deuses”, é originária da Amazônia e se adapta bem a regiões de clima quente e úmido, por isso os maiores produtores do mundo estão localizados na zona equatorial da terra. 

O maior desafio é fazer com que o cacaueiro produza o maior número de frutos possível. É aí que o trabalho do cacauicultor pode fazer a diferença. Orientar o produtor para que ele consiga aumentar seu nível de produtividade é uma das prioridades do serviço de extensão rural da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac). 

Segundo o chefe do Centro de Extensão Rural da Superintendência da Ceplac em Ilhéus, João Henrique Silva Almeira, a instituição tem feito capacitações para grupos de produtores interessados nos projetos de alta produtividade ou qualidade do cacau.

“Nosso foco é o aumento da produtividade. Estamos trabalhando com alguns agricultores, porque temos conseguido altas produtividades com os projetos que temos feito. Mas não adianta aumentar a produtividade sem a melhoria da qualidade do cacau porque, hoje em dia tem um nicho muito grande de cacau fino”, afirmou Almeida.

Meta ousada

Uma das ações da Ceplac que tem atraído a atenção dos produtores no sul da Bahia é o chamado Projeto 500. O programa foi desenvolvido para desafiar a árvore do cacaueiro a produzir até 500 arrobas de frutos por hectare.

O coordenador do projeto, Ivan Costa e Souza, explica que o objetivo é resolver o problema de renda do produtor baiano, que ainda está endividado depois da crise deflagrada pelo avanço da “vassoura-de-bruxa” sobre as lavouras cacaueiras no final de década de 80. A dívida na região gira em torno de R$ 1 bilhão.

Mesmo antes da crise, no chamado quinquênio de ouro do cacau, o máximo que a região tinha conseguido produzir foi 46 arrobas a cada mil pés de cacau. Mas, os pesquisadores da Ceplac identificaram que o cacaueiro poderia produzir muito mais, principalmente no clima brasileiro, que permite ter mais de uma safra por ano.

“Com 46 arrobas e preço médio, os produtores ganhavam bem, o cacau era vendido em commodities. Mas, verificando que um pé de cacau poderia produzir muito, nós fizemos um projeto de pesquisa para colocar os frutos com polinização manual e aproveitar o potencial máximo da planta”, explica Souza.

Atualmente, o projeto reúne mais de 200 agricultores do sul da Bahia. Depois de 14 anos de início do desafio, os participantes têm apresentado uma produção média acima de 200 arrobas de cacau por hectare e, neste ano, duas propriedades alcançaram, pela primeira vez, a média de 500 arrobas.

Um dos primeiros cacauicultores que já ultrapassou as 200 arrobas foi José Carlos Maltez, que coordenou o primeiro grupo do projeto e acredita que pode atingir a meta projetada pelos técnicos da Ceplac.

“A produtividade de 200 arrobas debaixo da cabruca, que era considerada impossível, hoje é palpável. Tenho certeza de que a gente aprendendo a conviver com a cabruca e a natureza, mudando a genética dos nossos cacaueiros e com apoio da Ceplac, a gente vai produzir tranquilamente, corriqueiramente 200 arrobas por hectare”, comenta Maltez.

Para reduzir custos e aumentar a lucratividade dos cacauicultores, o projeto agora está buscando meios de promover organização entre os produtores para viabilizar a compra conjunta de insumos e a comercialização em comum do cacau, além de incentivar a aplicação do modelo para outras culturas.

“Pelo preço que é pago, se vender em volume e qualidade, é possível aumentar em 30% o preço do cacau comum. Um cacau de qualidade poderia vender de 60 a 70% do preço do cacau fino. A gente poderia vender nibs e aumentar 400% do preço”, calcula Ivan.

Laboratório a céu aberto

Outro projeto de extensão que integra o portfólio de soluções desenvolvidas pela Ceplac é o chamado “Barro Preto”. Realizado no município de mesmo nome, o projeto tem o objetivo de treinar os produtores a plantar cacau no sistema de “cabruca”, no qual o cacau é cultivado no meio da Mata Atlântica. Os cacauicultores também experimentam novas técnicas de controle de pragas, de manejo das águas do sistema de proteção da floresta e recebem insumos e orientação tecnológica.

O projeto ocorre em 11 propriedades que reservam dois hectares para a experimentação. O trabalho é realizado em parceria com a prefeitura do município, uma produtora multinacional de chocolate e o Sindicato de Produtores Rurais, que celebraram um acordo de cooperação técnica em vigor desde 2011. Em oito anos, os resultados provaram que a cabruca é viável do ponto de vista econômico e ambiental.

“Na verdade, é um laboratório a céu aberto. Uma das propriedades que estamos acompanhando tinha, no ano zero do projeto, uma produtividade de seis arrobas de cacau por hectare. Agora, em 2018, ela já alcançou 90 arrobas por hectare. Nós acompanhamos mês a mês e o agricultor se tornou um ponto de visita”, disse Fernando Ribeiro, técnico da Ceplac que atua na organização dos produtores e no assessoramento ambiental.

Impacto socioambiental

Praticamente 100% do manejo do cacaueiro é manual e a maior parte da produção no país é praticada por agricultores familiares. Nas regiões cacaueiras, 90% da produção de cacau é realizada por pequenos agricultores, que cultivam em áreas com poucos hectares.

Na Bahia, as lavouras de cacau se estendem por uma área aproximada de 400 mil hectares, sendo que metade é plantada no sistema conhecido como cabruca, no qual os cacaueiros são cultivados sob espécies nativas da Mata Atlântica. 

Para cultivar cacau na cabruca, o produtor baiano deve se submeter a uma extensa legislação ambiental que impõe várias restrições à exploração da mata e só autoriza o manejo sob a condição de proteção da biodiversidade.

“No ambiente da cabruca tem as espécies nativas, as espécies exóticas e muitas delas oferecem frutos, tanto para os homens, quanto para os animais, então, tem a proteção da fauna. A cabruca é inserida nos intervalos entre os fragmentos nativos de mata atlântica e favorece a formação de corredores ecológicos, então, do ponto de vista ambiental, é um sistema perfeito para conservação”, comenta Fernando Ribeiro, técnico da Ceplac que atua na organização dos produtores e no assessoramento ambiental.

O técnico relata que os cacauicultores buscam uma forma de ser recompensados pelo potencial de conservação ambiental das lavouras de cacau. Eles reivindicam que os serviços ambientais prestados pelo plantio do cacau possam ser convertidos em estímulo, por meio de algum fomento ou remuneração e pagamento. 

Sem incentivo e com dificuldades de manter o manejo especial, muitos produtores estão abandonando a cabruca e transformado algumas áreas em pasto, atividade considerada mais rentável e com resultados mais rápidos.

No sistema conhecido como cabruca, os cacaueiros são cultivados sob espécies nativas da Mata Atlântica

Cooperação

Dos 56 mil produtores de cacau da Bahia, 12 mil são assistidos pelos técnicos extensionistas da Ceplac. A instituição tem 49 escritórios locais de extensão rural que atendem uma área que se espalha por mais de 100 municípios. Grande parte dos cacauicultores desses municípios ainda está endividada depois da crise provocada por inúmeros fatores, entre eles o ataque da praga “vassoura-de- bruxa”.

“A maioria dos produtores hoje tem os seus imóveis hipotecados no banco ou em nível de dívida fiscal com o governo federal, o que impossibilita o acesso a novos créditos para poder cuidar do cacau”, disse Mário Tavares, extensionista e assessor técnica da Ceplac.

O chefe do Centro de Pesquisa da Ceplac em Ilhéus, Raul Valle, destaca que investir no cacau da Bahia significa investir em uma área que abrange 3 milhões de pessoas. “Com toda a pesquisa e com toda a extensão que nós temos, o ICMS rural desses municípios aumenta. Então, estamos trabalhando em pesquisa e em extensão para fazer as inovações e que se aumente o dinheiro circulando nesses municípios”, comentou Valle.

Para garantir a continuidade do trabalho de extensão rural e dos projetos de alta produtividade e qualidade do cacau, mesmo com a redução do quadro de funcionários, a Ceplac tem feito acordo com municípios para treinar os técnicos agrícolas vinculados às secretarias de agricultura das prefeituras.

Um dos primeiros municípios a adotar o modelo de extensão da Ceplac foi Itabuna, município rodeado por propriedades de cacau e institutos de pesquisa. Outros 30 municípios da região estão formando um consórcio para criar uma câmara técnica voltada para assistência técnica rural (Ater).

“Entendemos que é possível transferir o modelo de assistência da Ceplac para os municípios por intermédio de uma política pública. Em Itabuna, por exemplo, tem um agrônomo, cinco técnicos agrícolas, e a gente conseguiu efetivar algumas ações dentro dessa proposta de municipalização da Ater, porque uma das grandes dificuldades hoje é levar o programa de alta produtividade de cacau para o campo”, explicou Erlon Botelho, técnico da Associação de Municípios da Região Cacaueira da Bahia (AMURC).

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