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Indústria do tabaco baiana aposta em charuto para consumo gourmet

Produtores tentam retomar crescimento, de olho no mercado internacional


Buscar fôlego, respirar... Taí duas coisas que alguns fumantes têm dificuldade de conseguir. Ironicamente, é o que também busca a indústria tabagista na Bahia – responsável por mais de 85% da produção de tabaco para charuto do Brasil – nos últimos anos. E o novo sopro de vida pode vir com a harmonização do charuto com produtos gourmet, como o café, a cachaça e o chocolate.

Com 450 anos de atividade e atualmente em recuperação, depois de a produção cair em 2010 a um dos piores níveis da história, o setor fumageiro da Bahia, primeiro estado do Brasil a cultivar o tabaco, tenta emplacar os chamados “4 Cs da Bahia”, estratégia apresentada por produtores do Recôncavo no início do mês na cidade de Cachoeira. O projeto foi apresentado a um grupo seleto de degustadores de charuto do país – donos de tabacarias do Sudeste, consultores e sommeliers de renome internacional.

A ideia é aliar o consumo do charuto de primeira qualidade produzido na Bahia com outros produtos gourmet também de origem baiana. Não à toa, o nome do evento foi “Festival Origens”, iniciativa do Sindicato da Indústria de Tabaco do Estado da Bahia (Sinditabaco-BA), em parceria com empresas de café, chocolate e cachaça.

Produzido em 23 cidades do Recôncavo, o produto é reconhecido mundialmente, sobretudo o do tipo Mata Fina. A produção atual é de 4 mil toneladas de folha in natura (97% vai para exportação) e 13 milhões de unidades de charuto premium artesanais, com 60% deles exportado sobretudo para a Alemanha.

Segundo o Sinditabaco, entre os 10 charutos apontados como os melhores do mundo, todos levam o tabaco baiano em alguma parte – capa, capote ou no enchimento. 

Panorama

A indústria do tabaco gera 5 mil empregos diretos e indiretos na Bahia, com a maior parte da mão de obra composta por mulheres, quase todas negras. Além dos trabalhadores nas fábricas, o setor conta com a produção de cerca de 2.300 famílias que cultivam o tabaco em suas propriedades, em parceria com as empresas.

O auge da produção de folha de tabaco do estado, segundo o livro “Análise da cadeia produtiva do tabaco da Bahia” (2013), de Jean Baptiste Nardi, foi em 1910, quando a quantidade de tabaco chegou a 30.734. A competição com o cigarro, barreiras tarifárias e campanhas antitabagismo fizeram a produção cair a 2.060 toneladas em 2010, semelhante a da época colonial. 

A abertura de novos mercados, como o da China, e a criação em 2014 da rota do turismo do tabaco no Recôncavo, que atraiu mais de 9 mil apreciadores mundiais do charuto, tem ajudado a impulsionar o setor.

“O setor do tabaco vem se reerguendo, mas ainda temos muitos problemas para enfrentar, sobretudo com governos, que proibiu a propaganda e impõe altas taxas de impostos, o que nos faz menos competitivos com relação a outros países produtores, como Cuba”, disse o diretor executivo do Sinditabaco na Bahia Marcos Augusto Souza.

O setor busca atualmente, junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), o registro de Indicação Geográfica (IG) de Denominação de Origem (DO), cujo Termo de Delimitação Geográfica Brasil-Bahia já foi reconhecido pelo Governo da Bahia.

O registro é como um selo de certificação que protege a originalidade de um produto de determinada localidade, que possui características de solo, clima, culturais e históricas, tornando-o único e pertencente apenas àquela região. O resultado deve sair dentro de dois anos.

Apreciação de luxo

Na região, as cidades de Cachoeira e São Félix, separadas pelo Rio Paraguaçu, são o centro comercial do charuto no Recôncavo, onde há 21 indústrias produtoras.

Durante séculos, o porto de Cachoeira foi a principal porta de escoamento de produtos diversos do Recôncavo e do Sertão baiano para o exterior, sobretudo tabaco e cana-de-açúcar. Hoje não exporta mais cana, mas o tabaco e o charuto são apreciados – além de na Alemanha e China – em países da América do Norte, Oriente Médio e Ásia.

Apreciados, muitos deles, como itens de luxo ou gourmet, produtos especiais cuja fabricação tem origem e forma de cultivo reconhecidos por selos de controle de qualidade. É o caso também do chocolate Chor, da cachaça Rio do Engenho (ambos de Ilhéus, no Sul baiano) e do café Latitude 13 (de Mucugê, na Chapada Diamantina), utilizados durante a harmonização.

Consumir esses produtos de forma isolada exige da pessoa habilidade com o paladar, pois a degustação é algo que se requer certo treinamento para reconhecer aromas e sabores, os quais podem vir carregados de informações – época de produção, composição, local de origem, a história do produto.

Já a harmonização, contudo, não exige muito, apenas experimentações acompanhadas de orientações prévias de quem tem o paladar mais aguçado e pode auxiliar a pessoa a encurtar caminhos. O café com charuto, por exemplo, nunca deve ser harmonizado com o primeiro à temperatura muito alta.

Quem dá a dica é o sommelier Cesar Adames, que estudou o universo das bebidas destiladas em Londres, leciona em cursos de gastronomia e já foi jurado do Habanos Sommelier, concurso mundial realizado anualmente em Cuba: “Assim como a cerveja, que com 4ºC perde um pouco o sabor, é difícil saborear o café a temperaturas altas.”

“O ideal para degustação com charuto”, diz Adames, “é esperar a temperatura do café abaixar mais um pouco. Vai fumando enquanto aguarda a temperatura abaixar, sente o sabor do charuto, aí dá uns três goles no café, aprecia o sabor, deixa-o circular na boca, depois fuma para os dois juntos formarem um sabor só e harmonizar”.

Importante saber também no momento da harmonização que não se pode usar produtos cuja concentração seja baixa ou alta demais. Tem de haver equilíbrio para que o sabor de um não se sobreponha ao do outro. Na degustação do charuto com chocolate foi unânime a apreciação pelo que tinha na composição 70% de cacau.

Outro ponto de destaque para a harmonização com o charuto é que a pessoa deve saber que o consumo dele é dividido em três fazes: primeiro, segundo e terceiro terço – a concentração de sabores aumenta à medida é queimado. Apenas no caso dos charutos menores – do tamanho de cigarrilhas – o consumo é por igual.

“Assim, o chocolate com 44% de cacau, mais leve e doce, harmoniza quando se está começando a fumar o charuto. Já o 88% deixa para consumir quando o charuto estiver no final”, completou Adames, que fez um lembrete: “Não se deve mastigar o chocolate, tem de esperar que ele derreta na boca”.

Harmonização cara

Único brasileiro a conquistar o Habanos Sommelier (edição 2015), o advogado tributarista Walter Saes, que é paulista, destacou que a harmonização também depende do tipo de charuto, a qualidade com que é feito: “um charuto com mais tempo de envelhecimento vai dar um sabor mais forte, então é bom saber isto antes da harmonização”.

Especializado em charutos e bebidas, o sommelier já deu R$ 10 mil em uma garrafa de vinho do Porto de 1912, harmonizada com charutos cubanos Cohiba Gran Reserva (um dos melhores do mundo), cuja caixa com 25 unidades custou o mesmo valor.

Para a sommelier e consultora de gastronomia Mikaela Paim, também de São Paulo, é importante que a pessoa faça harmonizações com produtos que goste. No caso da cachaça, ela e outros participantes da harmonização apreciaram mais a do tipo Reserva, com 38% de graduação alcóolica e envelhecida por 3 anos em um ‘blend’ (mistura, em inglês) de madeiras nativas da Mata Atlântica: bálsamo, louro canela, itaúba e amburana. A Reserva de 40% também foi bem avaliada.

“A pessoa tem de estar aberta a fazer experimentos. É bom ouvir a opinião de quem entende mais do assunto para saber o que são produtos feitos com qualidade, a procedência (ou a origem). O resto é deixar o paladar fluir. Dar receita de que certo produto vai harmonizar com outro poder ser arriscado. Então minha dica é: experimente e harmonize do seu gosto”, declarou Mikaela.  

Donos de tabacaria também tiveram a mesma impressão dos sommeliers. “Cachaça, café e chocolate são ótimas opções para se harmonizar com charutos. Em São Paulo as pessoas costumam fazer harmonizações com vinhos, uísques e cervejas e outras comidas, principalmente massas”, comentou Paulo Gama Alves, dono da Tabacaria Lee, há 23 anos no ramo.

Alves, que possui quatro unidades da tabacaria, considera as harmonizações algo importante para movimentar o setor, que também foi afetado com a crise econômica nacional.

No ramo há apenas um ano, a Casa Murdok busca atrair públicos um ‘blend’ de tabacaria, barbearia e pub em um lugar só no bairro de Moema em São Paulo. Gerente da tabacaria, Arthur Awdissian vem praticando harmonizações com bebidas, o que ele considera como casamento perfeito quando se escolhe produtos bons.

“Temos realizado eventos de harmonizações e isso tem dado muito certo, e a ideia é aperfeiçoar cada vez mais, oferecer opções de harmonizações cada vez mais variadas e com produtos de qualidade, e essa experiência com o chocolate, o café (que já vem sendo feita) e a cachaça foi muito oportuna”, comentou.

Público

Quando se pensa em consumo de charuto, inevitável não lembrar de personalidades como os líderes da Revolução Cubana Che Guevara e Fidel Castro ou o britânico Winston Churchill, homens com mais idade. Em muitas imagens, eles aparecem com um charuto na mão.

Segundo o Sinditabaco, o público que fuma charuto no Brasil hoje tem geralmente idade acima dos 30 anos, são pessoas com mais experiências de vida e que podem bancar o próprio consumo – o preço da unidade do charuto em tabacarias como a Lee e da Murdok, por exemplo, varia de R$ 25 a R$ 450. Os mais caros são os cubanos.

O soteropolitano Ueine Lima, 29, faz parte da nova geração de consumidores de charuto. Em suas visitas a Cachoeira ele sempre visita tabacarias como a da empresa Leite e Alves, uma das mais tradicionais da região – as atividades iniciaram no final do século 19 e a empresa já ocupou no auge da produção um quarteirão inteiro.

A sede antiga da Leite e Alves é onde hoje funciona a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) em Cachoeira, onde Lima degusta charutos há dois anos, por influência de um amigo que o apresentou ao produto feito da mais importante cultura agrícola não alimentícia do mundo.

“Me interessei muito pelo sabor do charuto e o degusto mais quando venho aqui em Cachoeira. Por ser um produto caro, não é algo que podemos consumir muito, como ocorre com o cigarro, que custa uns R$ 10 o maço com 20 unidades”, ele declarou, informando depois que gosta de harmonizar o charuto com uísque.

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